quinta-feira, 26 de abril de 2012

A liberdade expressiva de Eugène Delacroix

A barca de Dante, de Eugène Delacroix, óleo sobre tela, 189 x 242 cm, 1822, Museu do Louvre, Paris
          No dia de hoje, há 214 anos atrás, nasceu o pintor francês Eugène Delacroix, em 1798, em Saint-Maurice, nos arredores de Paris. Ele era o quarto filho de Victoire Oeben e Charles-François Delacroix, um político bastante ativo, e que era ministro das Relações Exteriores da França na Holanda, quando o menino nasceu. Seu pai era um revolucionário que acreditava profundamente nos ideais que moviam seu país em direção ao futuro. Além disso, era um homem culto e de formação iluminista.
Eugène Delacroix,
fotografia de Félix Nadar, 1858
          Era um período tumultuado da história francesa, que passava por mudanças bastante importantes, levando-se em conta que dez anos antes, em 1789, havia acontecido a Revolução Francesa. Por isso, Delacroix cresceu num tempo de muita instabilidade política, com notícias frequentes de decapitações, delações, castigos. Pessoas, inclusive e sua família, eram presas e até decapitadas. A monarquia e o clero vinham perdendo seus privilégios, enquanto a República se fortalecia.
          Delacroix tinha um tio materno, Henri Riesener, que foi aluno do pintor Jacques-Louis David. Riesener tinha perdido seus bens no período da Revolução, mas, graças à pintura, conseguiu garantir sua subsistência e até recuperar sua fortuna. Enquanto isso, o sobrinho Eugène Delacroix, desde muito cedo, demonstrava ser possuidor de muito talento para a pintura.
          Charles-François Delacroix, seu pai, foi nomeado prefeito da cidade de Bordéus, mas morreu pouco tempos depois, em 1805. Eugène e sua mãe foram para Paris, onde ele foi estudar no Liceu Imperial (hoje Liceu Louis-le-Grand), tendo recebido uma formação humanista. Em Paris, Eugène Delacroix deu asas à sua atração pelas artes plásticas e passou a frequentar os museus, especialmente o Louvre, onde descobriu e se encantou com a obra de Ticiano, Veronese, Rafel, Tintoretto e Rubens, além de outros. No museu, fazia cópias das obras. E frequentava os ateliês dos pintores que conhecia.
Autorretrato presumido,
Museu de Belas Artes de Rouen, França
          Quando tinha 13 anos de idade, morreu sua mãe, deixando-o em grave crise, não só emocional, como material e física. O menino foi morar com a irmã Henriette e seu marido, pois a saúde dele era frágil e tinha febres intermitentes. Depois, foi morar com seu tio pintor, Henri Riesener. Graças a ele, Delacroix ingressou no ateliê do pintor Pierre Guérin. Em 1816, se matriculou na Escola de Belas Artes de Paris.
          No ateliê de Guérin, Delacroix teve uma formação neoclássica, dentro do estilo dominante na época. Lá também estudava Théodore Géricault, que tinha então 25 anos de idade e seguia uma linha diferente da utilizada pelo mestre Guérin, que não se importava que seus alunos ousassem expressões próprias. Tornaram-se amigos, Delacroix e Géricault. Eugène chegou a posar como modelo para Géricault pintar sua famosa tela “A balsa da medusa”, já em ateliê próprio do pintor. Ter visto o amigo Géricault pintando essa tela, influenciou bastante várias das pinturas de Delacroix. Com isso, ele se via dividido entre a escola neoclássica do mestre Guérin e o romantismo de Théodore Géricault.
          A partir de 1819, Delacroix começou a receber encomendas, mas passou também a pintar retratos de amigos. Fazia também ilustrações e caricaturas políticas e literárias. Porque ele também tinha muito interesse em literatura, tanto a clássica, quanto a dos séculos XVII e XVIII. Lia também Lord Byron, Dante Alighieri e Shakespeare. Gostava muito também de ir ao teatro e chegou até a estudar música, uma vez que seu interesse pelas artes de uma forma geral era muito grande e ele tinha interesse em buscar as relações entre as diversas formas artísticas.
Cavalete de Delacroix em seu Museu em Paris (foto: Mazé Leite)
          Também aprendeu a técnica da aquarela com seu amigo Raymond Soulier, pintor e gravador. Eles trabalharam juntos no desenho de peças para máquinas industriais, com o que ganhou seu primeiro dinheiro a partir de seu talento de artista.
          No Salão de Outono de Paris de 1822, Delacroix inscreveu sua tela “A barca de Dante”, que dividiu especialistas e público. Uns o criticavam violentamente, outros reconheciam no quadro o talento do artista. O pintor Antoine-Jean Gros, um dos membros do júri do Salão de Outono, definiu o autor de “A barca de Dante” como um “Rubens atormentado”. Delacroix recebeu o elogio com mais satisfação ainda, por ter sido comparado a um de seus mestres preferidos. No período em que pintou esse quadro, Delacroix vivia tão precariamente que a moldura da tela era muito precária e se quebrou no transporte entre seu atelier e o local da exposição. Foi Gros quem financiou uma nova moldura para o quadro. Depois, o artista registrou em seu diário que com essa obra havia encontrado o seu estilo, inspirado na “Divina Comédia” de Dante.
Palheta de Delacroix (foto: Mazé Leite)

          Mas foi qualificado, pela Academia francesa, como “perturbador da ordem pública”. Sua afinidade com o estilo da nova geração de pintores o afastava cada vez mais da escola neoclássica. Gostava das ideias de Victor Hugo, de Cassiano Delavigne e de Lord Byron. Expôs o quadro “Os Massacres de Scio”, sobre a guerra de independência dos gregos, no Salão de 1824. Ele terminou de dar os últimos retoques no próprio local da exposição, inspirado nos céus das telas do pintor inglês John Constable. Ao lado da pintura “O voto de Luís XIII” de Jean-Auguste-Dominique Ingres, o quadro de Delacroix se destacava, como mais dinâmico e mais vivo.
          Em 1824, morreu seu grande amigo Géricault. Delacroix gastou todo o dinheiro que tinha comprando os desenhos e estudos do amigo falecido, e os guardou consigo.
A Grécia sobre as ruínas de Missolonghi, 1826,
Museu de Belas Artes de Bordeaux, França
          Com 27 anos de idade, em 1824, foi para Londres para estudar as técnicas de pintura dos ingleses, como Constable, Thomas Laurence, entre outros. Quando voltou a seu ateliê em Paris trouxe a experiência vivida em Londres e começou a trabalhar intensamente, iniciando uma fase muito produtiva. Dizia-se ser capaz de encher a cidade com pinturas. Pintava a óleo, fazia litogravuras, águas-tintas, estudos, aquarelas. Ganhava algum dinheiro fazendo ilustrações também, como as que fez para o livro “Fausto” de Goethe. Desenhou os figurinos para uma peça de teatro de autoria de Victor Hugo que ia estrear no Teatro Odéon. E enviava trabalhos para os salões anuais.
          Mas era o tempo em que imperava o estilo neoclássico em Paris. E isso o deixava sozinho em seu meio. Mesmo assim estreitou relações com os círculos intelectuais românticos, enquanto seu talento era reconhecido. Frequentava também salões literários, convivia com Victor Hugo, Alexandre Dumas, Prosper Mérimée e Stendhal.
          Em 1830 estourou em Paris a chamada Revolução de Julho. O povo e os trabalhadores franceses, guiados por ideais republicanos e com o apoio da burguesia mais liberal, se levantaram contra o rei Carlos X, que vinha se mostrando um déspota, cortando direitos, inclusive anulando as eleições. Carlos X foi deposto, mas uma monarquia burguesa ocupou seu lugar, com a posse de Luís Felipe, que era ligado ao setor financeiro da burguesia. O povo ficou de mãos vazias.
Jardim interno da casa onde viveu Delacroix até sua morte. Nessa espécie
de edícula com três janelas estava localizado o seu atelier (foto Mazé Leite)
          Eugène Delacroix, inspirado nesses e em outros fatos da história da França, pintou seu célebre quadro “A Liberdade guiando o povo”. Com ele, ganhou a medalha da Legião de Honra.
No mesmo ano, o embaixador francês Charles de Mornay convidou o pintor para acompanhá-lo numa viagem ao Marrocos. Essa viagem deixou Delacroix deslumbrado com o que viu. Desde o primeiro dia foi registrando suas impressões no famosos carnets de Marrocos. Da viagem ao norte da África e Espanha, Delacroix trouxe uma quantidade muito grande de desenhos, aquarelas, esboços, notas. Alguns dos quais eu puder ver em minha visita ao Museu Delacroix de Paris, em 2011.
          Em 1846, o poeta Charles Baudelaire, que também era crítico de arte, elogiou a obra de Eugène Delacroix, num momento em que toda a crítica estava contra ele. Baudelaire, em um artigo, dava a definição do Romantismo e destacava o papel de destaque que tinha Delacroix: “excelente desenhista, colorista prodigioso, compositor apaixonado e fertilíssimo”; “era capaz de expressar a intimidade do espírito e o aspecto assombroso das coisas” e terminava dizendo que Delacroix pintava “a alma em suas horas mais belas”.
          A partir de 1850, Delacroix se dedicou às grandes encomendas recebidas: as pinturas da capela de Santa Inês, em Saint Sulpice, da Galeria de Apolo no Museu do Louvre, e do Salão da Paz, no Hotel da Ville de Paris. Mas ao longo do tempo, começou a ter sérios problemas de saúde que o ritmo intenso de trabalho só piorava. Além de tudo, escrevia textos sobre estética. E em 1855, foi escolhido o representante da pintura francesa na Exposição Universal, ao lado de Ingres, que era então seu desafeto. Lembre-se que Ingres era um pintor radicalmente acadêmico e não suportava a liberdade expressiva de Delacroix.
          Em 28 de dezembro de 1855 mudou-se para a casa da Rua de Furstenberg, em Paris, que visitei no ano passado, pois lá funciona hoje o Museu Delacroix. Estava perto da igreja de Saint-Sulpice, já que era muito difícil, para ele, se deslocar diariamente vindo de longe para trabalhar na decoração da igreja. Por diversas vezes, por motivos de saúde, teve que sair de Paris para descansar em sua casa de campo ou na praia, o que aliviava um pouco o sofrimento com a laringite tuberculosa que o incomodava há anos.
          Eugène Delacroix morreu no dia 13 de agosto de 1863, em sua casa em Paris, com 65 anos de idade.
A Liberdade guiando o povo, óleo sobre tela, 260 x 325 cm, 1830, Museu do Louvre, Paris

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