terça-feira, 7 de junho de 2011

O pintor Paul Gauguin amou a luz na Baía de Guanabara...*

“É extraordinário conseguir tanto mistério
em tanta luminosidade”
(Stephane Mallarmé sobre seu amigo Gauguin)

O pintor Paul Gauguin
Num dia como hoje, 7 de junho, há 163 anos atrás, nascia o pintor Paul Gauguin, um dos grandes nomes da pintura francesa do século XIX, que foi homenageado no final do ano passado com uma exposição no museu Tate Modern de Londres.

Eugène Henri Paul Gauguin nasceu em Paris, em 7 de junho de 1848. Era filho de um jornalista republicano e da peruana Aline Chazal que, segundo certos autores, seria neta de Simon Bolívar. Sua avó materna, Flora Tristán, foi uma ativista feminista e socialista no Perú. Gauguin passou os primeiros anos de sua infância em Lima, só voltando à França com sete anos de idade.

Em sua juventude, Gauguin embarcou na Marinha Mercante e em seguida na Marinha Francesa, passando seis anos navegando pelos mares do mundo, passando inclusive pelo Brasil, pelo Rio de Janeiro. Voltando à Paris em 1870, vai trabalhar na Bolsa de Valores e três anos depois casa-se com uma moça dinamarquesa – Mette Sophie Gad – com quem teve cinco filhos: Émile, Aline, Clovis, Jean-René et Paul-Rollon.

Em 1874, conhece o pintor Camille Pissarro e vê a primeira exposição dos pintores impressionistas. Gauguin se apaixona cada vez mais por pintura e começa a pintar ele também. A convite de Pissarro e Edgar Degas, participou da quarta exposição dos Impressionistas. 

Em 1883, quando ele já tinha participado de mais três exposições impressionistas, a Bolsa de Valores de Paris sofre uma grande queda e ele perde o emprego. 

Visão após o sermão - A luta de Jacó com o Anjo, 1888,
73x93cm, National Gallery of Scotland,
Edimburgo, Grã Bretanha
Gauguin decide se dedicar totalmente à pintura, e se estabelece em Rouen, onde Pissarro morava. Durante esses dez meses em Rouen, Gauguin pintou 40 telas, inspirando-se nas ruas e arredores da cidadezinha. Mas não conseguia vender o suficiente para sustentar sua família. Empobrecidos, mudam-se para Copenhagen, onde vivia a família de sua esposa. Os conflitos com a família dela não demoram a tornar sua vida insuportável. Gauguin decide ir embora para Paris, levando consigo o filho Clovis.

Entre junho de 1885 e meados de 1886 ele aceitava qualquer trabalho em Paris, para sobreviver. Mas continuava pintando, e participou da última exposição dos impressionistas em 1886. Em julho desse ano, deixa o filho Clovis numa pensão e segue para a Bretanha, onde pinta intensamente. Em abril de 1877, sua esposa Mette vai a Paris buscar o pequeno Clovis e pegar algumas pinturas de Gauguin que pudesse vendê-las para ajudar no sustento dos filhos.

No mesmo mês, Gauguin embarca junto com o pintor Charles Laval (1861-1894) em direção ao Panamá, onde eles vão trabalhar na escavação do famoso Canal do Panamá. Numa carta à esposa, ele diz que estava fugindo de Paris porque “é um deserto para os pobres. Meu nome como artista se torna cada dia mais importante, mas, enquanto espero, passo até três dias sem comer”.

Mas no Panamá, não foi muito diferente. As condições de vida lá eram terríveis e assim que reúnem um pouco de dinheiro, Gauguin e Laval vão para a Martinica, lugar por onde Gauguin já havia passado, quando trabalhou como marinheiro. 

Mulheres do Taiti, 1891, óleo sobre tela, 69x91cm,
Musée d'Orsay, Paris,França
Também lá ele e Charles Laval viveram em condições bem precárias, de junho a outubro de 1887. Mas Gauguin se apaixonou pela luz e pelas paisagens da Martinica, pintando 12 telas. Doentes de disenteria e malária, resolvem voltar à França, em novembro do mesmo ano, quando Gauguin encontra pela primeira vez o pintor Vincent Van Gogh. 

No começo de 1888, ele se aproxima de um grupo de pintores experimentais conhecidos como a Escola de Pont-Aven. Gauguin já pintava de forma mais sintética do que antes. A arte indígena o inspirava, assim como os vitrais das igrejas medievais e as estampas japonesas. Nesse mesmo ano, pinta  “Visão após o sermão: a luta de Jacó com o Anjo”, uma pintura que vai influenciar Pablo Picasso, Henri Matisse e Edvard Munch.

De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos?,
1897-1898, óleo sobre tela, 139 x 374,5 cm,
Museum of Fine Arts, Boston, EUA
Ele aceita o convite de Van Gogh, e vai morar dois meses com ele em Arles, no sul da França. Os dois passam o tempo pintando, muitas vezes o mesmo tema, ou pintando um ao outro. Só que eles eram de temperamento muito diferente e tinham frequentes brigas. Gauguin resolve ir embora, depois de uma briga em que Van Gogh tentou agredi-lo com uma lâmina de barbear. Van Gogh corta a própria orelha.

Em 1891, Gauguin parte para a Polinésia, após vender algumas obras. Se instala no Taiti, onde ele encontra um meio de fugir da civilização ocidental e de toda sua artificialidade. Ele mesmo se definia “um selvagem”. Gauguin passa o resto de sua vida nessas regiões tropicais e só volta à França uma única vez. Influenciado pela natureza polinésia, sua pintura ganha nova força e ele faz algumas esculturas. No Taiti, pinta um de seus mais famosos quadros: “D'où venons-nous ? Que sommes-nous ? Où allons-nous?" (De onde viemos ? Quem somos ? Para onde vamos ?).

O espírito da morte espreita, 1892, óleo sobre tela, 72,4x82,4 cm,
Albright-Knox Art Gallery, Buffalo, New York, EUA
Conhece Téhura, uma jovem adolescente que se tornou sua modelo e companheira. Em poucos meses, pinta cerca de 70 telas. Ao saber da morte de sua filha Aline, fica profundamente abalado. Sofre com uma ferida na perna que não cicatriza, está doente de sífilis e, deprimido, tenta se matar. Decide se mudar para as Ilhas Marquesas, em setembro de 1901. 

Só que Gauguin levava consigo a fama de seus artigos combativos em favor da gente nativa que ele havia publicado no jornal Les Guêpes. Tinha uma postura ideológica dura em relação à Igreja, ao governador e à polícia local, saindo em defesa do povo do arquipélago das Marquesas, assim como já tinha se posicionado na Polinésia em favor dos indígenas. Trazia em seu sangue a tradição da avó peruana socialista. Em abril de 1903 foi condenado a três meses de prisão, mas morreu antes, em 8 de maio, pobre e doente.

Auto-retrato com chapéu, 1893-94, óleo sobre tela,
46x38cm, Musée d'Orsay, Paris, França
Após sua morte, os amigos fizeram uma verdadeira campanha de valorização de sua obra.
Gauguin, mais do que tudo, expôs em suas telas a luminosidade das terras por onde passou, desde os primeiros anos de vida no Peru, incluindo suas viagens de navio, quando passou pelo Brasil e “amou a luz da baia de Guanabara”. 

Com uma pintura muito característica sua, Gauguin pintou as peles morenas dos moradores da Polinésia e do arquipélago das Marquesas, as peles morenas que tanto o tinham encantado em suas viagens pelo mundo. Sua pintura colorida, iluminada de sol, carregada de histórias de culturas tão diferentes da sua cultura original francesa, mostra um homem sensível à beleza dos recantos longínquos, dos cantos distantes dos salões burgueses da França.






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* Trecho da música O Estrangeiro, de Caetano Velloso

Um comentário:

  1. Mazé: Tenho comigo que Michel Ocelot, em sua incrível animação "Kiriku e feiticeira", faz uma bela homenagem a Gaugin, particularmente em uma cena emocionante da mãe com o menino, suspeito de afogamento, ao colo. Se puder, confira. Amplexos a ti e seus textos, verdadeiras aulas de artes plásticas.

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