sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Artistas negros na Pinacoteca

"Bandeira do Divino", Firmino Monteiro (Rio de Janeiro, 1855-1888),
óleo sobre tela, 1884, 89 x 146 cm - acervo da Pinacoteca
 
A Pinacoteca do Estado de São Paulo irá inaugurar amanhã, 12 de dezembro, a exposição “Territórios: Artistas Afrodescendentes no Acervo da Pinacoteca”. Este evento faz parte da comemoração dos 110 anos da instituição e com isso traz ao público importantes obras assinadas por artistas brasileiros afrodescendentes, valorizando o legado deixado por eles.


Ao lado disso, a Pinacoteca pretende mostrar uma parte de sua contribuição artística para a historiografia da arte brasileira introduzida na gestão de Emanoel Araújo (1992 - 2002), primeiro diretor negro da Pinacoteca do Estado. Por isso apresenta parte do núcleo de artistas afrodescendentes da Instituição, acrescida de novas aquisições.

São 106 obras entre pinturas, gravuras, desenhos, esculturas e instalações que traçam perfis diferentes da produção artística de afrodescendentes no Brasil do século XVIII até hoje. As obras estão divididas em três conjuntos e dispostas de acordo com a familiaridade dos temas ou territórios: Matrizes Ocidentais, Matrizes Africanas e Matrizes Contemporâneas.

Entre as obras na exposição, se destaca o "Autorretrato" de Arthur Timótheo da Costa, feito em 1908 e doado em 1956. Demorou 51 anos, após a inauguração da Pinacoteca, para que esta instituição adquirisse a primeira obra de um artista negro! As razões são óbvias, pois o racismo, que ainda persiste no Brasil, era ainda pior...

Além deste, Mestre Valentim, Antonio Bandeira, Rubem Valentim, Jaime Lauriano e Rosana Paulino também estão entre os artistas que compõem a mostra. Além das obras do acervo, a Pinacoteca também traz obras dos novos artistas negros contemporâneos.

A exposição ficará aberta ao público até 17 de abril de 2016 no quarto andar da Estação Pinacoteca.

Pinacoteca do Estado de São Paulo - Estação Pinacoteca
Largo General Osório, 66
De terça a domingo das 10 às 17h30
Ingressos a R$6,00 (inteira) e R$ 3,00 (meia)

"Autorretrato", Arthur Timótheo da Costa (Rio, 1882–1923),
óleo sobre tela, 1908, 41 x 33 cm, Acervo da Pinacoteca 
"Natureza-morta", Estêvão Silva (RJ, 1845-1891),
óleo sobre tela, 1888, 37 x 48,5 cm, Acervo da Pinacoteca
"Vista da cidade de Itú", Miguelzinho Dutra (Itu, SP, 1810-1875),
aquarela e nanquim sobre papel, 
1851, 49,2 x 74,5 cm, Acervo da Pinacoteca
Sem título, Miguelzinho Dutra (Itu, SP, 1810-1875) tinta ferrogálica sobre papel,
20,3 x 16,6 cm, Acervo da Pinacoteca
Sem título, da série "Para tampar o sol de seus olhos", Paulo Nazareth,
(Ba, 1977-),fotografia,  impressão digital sobre papel de algodão, 
2010,
69 x 180 cm, Acervo da Pinacoteca
"Antes que eu me esqueça", Flávio Cerqueira, 2013, escultura pintada
com tinta eletrostática sobre bronze, espelho e madeira

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Ateliê Contraponto muda de endereço

Novo endereço do Ateliê Contraponto
O Ateliê Contraponto de Arte Figurativa, dos artistas Mazé Leite, Alexandre Greghi e Luiz Vilarinho, acaba de mudar de endereço. A localização agora é na Avenida Angélica, um local mais acessível e de maior visibilidade, ainda mais próximo ao metrô Paulista.

O Ateliê Contraponto foi concebido para ser um espaço que, entre outras atividades, ofereça cursos de desenho, pintura a óleo e aquarela seguindo um método baseado no estudo das obras dos grandes mestres da pintura, dando bastante ênfase ao aperfeiçoamento técnico a partir do desenho que, historicamente, tem sido o grande diferencial para a construção de todo grande artista.

Com orientação dentro da linha de pensamento dos mestres da pintura, em especial a realista, o Contraponto busca a expressão individual conquistada pelo aprimoramento da técnica, pois falar de arte pictórica é falar de Belas Artes.

Além das aulas de Desenho, Pintura e Aquarela, que continuarão a ser oferecidas e orientadas por artistas experientes, o Ateliê Contraponto também oferece:

– Galeria de exposições
– Aulas de modelo vivo
– Oficinas e workshops com artistas convidados
– Evento “Sexta com Arte”
– Espaço para convivência entre artistas

O novo espaço do Ateliê Contraponto é ainda mais amplo, mais arejado, e bastante charmoso.

Venha conhecer o NOVO Ateliê Contraponto!

Novo endereço:
Avenida Angélica, 2.341 - Higienópolis
São Paulo - SP
Próximo ao metrô Paulista
(a três casas da rua Maceió)

domingo, 29 de novembro de 2015

"Meu poeta, meu cabo de guerra"

Nauro Machado, poeta maranhense
Na madrugada deste sábado, dia 28 de novembro, morreu em São Luís do Maranhão, um dos maiores poetas da atualidade. Tinha 80 anos de idade e um câncer no esôfago. Foi-se, o poeta.

Passei grande parte da minha juventude em São Luís. Lá fui descobrindo uma das culturas mais ricas do Brasil, e um dos maiores berços de poetas. Em São Luís todo mundo é poeta; e não dá pra não ser, pois a vida lá é cheia de meandros e de história bem concreta impressa nos paralelepípedos daquelas ruas velhas, e nos azulejos dos casarões coloniais na ilha de São Luís, rodeada pela baía de São Marcos, onde o vento dobra as palmeiras e forma as ondas em torno da Ilha do Amor.

Nauro Machado
No começo da década de 1980 muitas vezes ouvi o próprio poeta Nauro Machado declamar seus poemas. Invariavelmente embriagado. Eu era muito jovem, ele já maduro, já sabedor das coisas da vida, inspirava em mim respeito e um certo temor daquele homem de barbas brancas, olhos duros, firmes como punhais. Nauro nunca estava sóbrio, a realidade era pesada demais para sua alma plena de poesia. Da sua boca saiam as palavras mais duras e também as mais doces. A percepção direta do mundo para ele tinha que ser suportada através dos eflúvios do álcool que corria por suas veias e lhe levava até o cérebro uma nova forma das coisas. Eu passava meus dias entre poetas, músicos e atores de teatro, ilustradores, fotógrafos, cineastas. Eu era muito jovem, mas a vida para mim já tinha sentido vivendo dentro da arte. Nauro Machado era a própria poesia vivendo perto de mim e de meus amigos. Referência para todos nós.

Transcrevo abaixo um artigo de um outro dos grandes poetas do Maranhão, grande compositor, meu amigo César Teixeira, fazendo sua despedida de Nauro Machado:


Yesterday!

Cesar Teixeira

César Teixeira
Enfim, Nauro Machado venceu sua olimpíada. Aos 80 anos conseguiu romper a corda umbilical de um espaço que, segundo ele próprio, não era seu, “mas do universo” – para a surpresa da Morte, na outra ponta da corda, depois de ver seus planos estratégicos caírem por terra.

O poeta retornou à casa Paterna não como um filho pródigo arrependido, que recebe de prêmio um novilho cevado, mesmo porque não desperdiçou a sua herança, nem abandonou sua cidade como na parábola. Ao contrário, desde a publicação de Campo sem Base, em 1958, não parou de escrever. Foram 37 livros de poesia, além de antologias, ensaios e artigos.

Era esse o seu ofício, e São Luís a sua inspiradora oficina, não obstante o inferno burocrático das repartições públicas. Para tanto, adaptou-se ao cardápio da dor, do sofrimento e até mesmo do “escárnio da (...) província”, a fim de eliminar o homem ilusório e edificar o poeta.

Compartilhava líricas alfarrobas (menos as dos porcos) com prostitutas e artistas amaldiçoados nos becos da Praia Grande e do Desterro, e saudava deus e o mundo com a expressão “meu poeta, meu cabo de guerra”, fosse um deputado ou um chofer de táxi.

“Yesterday!” era sua palavra de ordem, ou melhor, seu canto de guerra inacabado, quando as fartas doses de Santo Antônio dos Lopes sem mel faziam transbordar no poeta uma mistura de alegria e dor – naufrágio íntimo no esôfago da alma, que nos tornaria cúmplices e irmãos de infortúnio. Somente John Lennon ou o Marinheiro Popeye poderiam nos salvar. E tudo foi ontem.

Nauro Machado retornou ao útero de Deus, “feliz e sofrido, mas verdadeiro”, por ter preenchido o seu espaço com a sua poesia, feito a areia fina de uma milagrosa ampulheta, após consumir toda uma existência e completar-se. Estava morto e reviveu: o filho pródigo agora pode caminhar com seus próprios pés.

Até breve, meu poeta, meu cabo de guerra!

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Parto

Meu corpo está completo, o homem – não o poeta.
Mas eu quero e é necessário
que me sofra e me solidifique em poeta,
que destrua desde já o supérfluo e o ilusório
e me alucine na essência de mim e das coisas,
para depois, feliz e sofrido, mas verdadeiro,
trazer-me à tona do poema
com um grito de alarma e de alarde:
ser poeta é duro e dura
e consome toda
uma existência.

Nauro Machado em "Campo sem base"

CALENDÁRIO

Tomaste parte em nenhuma outra guerra.
Não perdeste pés ou mãos dentro desta.
Não abriste túmulo em nenhum lugar.
Nada quiseste além dos teus haveres.
Teu país de bois na aurora plantados,
levou-o o tempo na usura do ocaso.
Fizeste nada sábado, domingo,
segunda, terça, quarta, quinta e sexta.
Igual a todos, somaste semanas,
Unindo a noite ao dia e o dia às noites.
Escuta: o tempo passa! E o teu passou.
Passou o bonde, o colégio, a criança.
Já o adulto vai-se: está chegando ao fim
como um ronco doído em cosa podre,
como um enlatado para ninguém.
Made in Brazil. Tonel à água lançado
No porto noite. Minha família! Ó alma.

      Nauro Machado em "Masmorra Didática", 1979
Parafuso

Sabem-me o rosto,
sabem-me os pés,
sabem-me a roupa.

Viram-me nu,
viram-me inteiro
no corpo imóvel.

Mas só me sabem,
mas só me vêem,
mas só me enterram:

inexistente,
alheio e estranho,
entrado em mim.

Nauro Machado, em 'Os Órgãos Apocalípticos' 

Abre-me as Portas, Mãe

Abre-me as portas, mãe, enquanto as estrelas 
buscam em mim agora a treva infinda, 
sem luz alguma no meu olhar a vê-las 
nessa cegueira a ser da altura vinda. 

Assim, mãe, invado tua noite, a sabê-las 
eternamente em pó na luz que é finda 
só para mim, que vou comigo pelas 
manhãs nascendo todas cegas ainda. 

Como fazê-las ser de novo vivas? 
Como, se nunca delas fui um conviva 
às vidas feitas festas para as vistas? 

Para arrancá-las da morte onde as pus, 
quero essa noite, ó mãe, roubada à luz 
do céu que, embora cega, tu conquistas.

Nauro Machado em "O Cirurgião de Lázaro"