sexta-feira, 20 de março de 2015

Exposição: Arte Realista do Ateliê Takiguthi

"Retrato de Walter", Maurício Takiguthi, óleo sobre tela, 2015
O Ateliê e Galeria Contraponto irá inaugurar, no dia 25 de março próximo, uma exposição de trabalhos artísticos intitulada “Arte Realista do Ateliê Takiguthi”. A abertura se dará a partir das 19h e contará com a participação de mais de 30 expositores, entre eles o próprio Maurício Takiguthi, que já fez uma primeira exposição individual, no ano passado, nessa mesma galeria.

Todos os trabalhos que serão expostos são fruto do trabalho de um ano de estudo sob a orientação de Maurício Takiguthi, em seu ateliê da rua Frei Caneca. “São o resultado do ato de exercitar a concepção pictórica que ensinamos em nosso ateliê”, diz Maurício. “Nós enfatizamos a prática como forma de traduzir a realidade a partir de um pensamento visual, um trabalho que contém análise conceitual ou técnica, sem cair na mera cópia, invariavelmente mecânica e previsível.”

Em seu ateliê, Takiguthi ensina a seus alunos a interagir mais com o real visível e a prática, a sair do padrão convencional da visão cotidiana que olha mas não vê. Neste sentido, ele valoriza muito o resgate da tradição da pintura que mostra como é necessário recuperar o papel primordial da visão: “por que as pessoas não conseguem ver? Porque deduzem o que vêem. E deduzem porque, hoje em dia, perdeu-se muito da capacidade de contemplação que permite a visão mais profunda das coisas”, diz o pintor. Que acrescenta: “Quem só copia o modelo, não o vê!” Por isso, no Ateliê de Arte Realista de Takiguthi os alunos aprendem, entre outras coisas, a desacelerar seu tempo, a conectar-se com o “fazer”, a ampliar sua sensibilidade e a resgatar o papel da disciplina que a prática artística requer.

Por isso, esta exposição não pretende, na opinião de Maurício Takiguthi, ser uma mostra de obras de artistas, mas uma mostra do resultado de todo um trabalho desenvolvido durante anos em seu ateliê, que resgata também o conceito do “ofício” do desenhista e do pintor. Preocupa-se em tratar a arte como a busca do entendimento visual a partir dos insights cotidianos pela reverência a esse ofício. A arte, dessa forma, vai muito além do entretenimento, circunscrito ao seu aspecto lúdico, como muitos hoje em dia apregoam.

Além dos trinta alunos expositores, o próprio Maurício Takiguthi irá expor três pinturas inéditas, realizadas nesta fase atual de seu trabalho e poderão ser observadas de perto por todos os que forem visitar a mostra nesta galeria.

Esta já é a sexta exposição organizada pelo Ateliê Contraponto. A abertura será no próximo dia 25 de março, quarta-feira, a partir das 19 horas, com entrada Catraca Livre. A exposição estará aberta ao público de 26 de março a 25 de abril de 2015.

quinta-feira, 19 de março de 2015

Um dia pra comemorar

Parte do meu trabalho de pintura a óleo no Ateliê Contraponto

Hoje o Ateliê Contraponto completa um ano que foi inaugurado, no dia exato do meu aniversário! Dia de festejar, de me alegrar com um sonho que está sendo realizado dia a dia. Neste espaço muito charmoso da Travessa Dona Paula, em São Paulo, tenho produzido bastante, junto com meus parceiros; desenhamos quase diariamente, pintamos e damos aulas de pintura a óleo e desenho. E vamos crescendo!

Este Blog está perto de completar 400 mil acessos! Ele também tem sido um espaço importante onde eu possa colocar minhas ideias, meus estudos, minhas pesquisas sobre Arte. Ele tem sido útil para muita gente também, o que me faz muito alegre, porque é para isso que ele também existe.

Um dia desses, recebi um telefonema de Isabel Rocha Mattoso. Não a conheço pessoalmente, ainda. Mas ela me deu um feedback muito incentivador sobre os textos que produzo e publico neste blog. Ela me enviou um poema, que transcrevo abaixo, exatamente hoje, com tanta coisa para comemorar! Obrigada, Isabel, e a todos os leitores deste blog! Obrigada a todos os meus alunos e todos os amigos do Ateliê Contraponto! Obrigada a todos os meus amigos, por serem quem são não minha vida, cada um do seu jeito!

Longa vida ao Ateliê Contraponto!

Longa vida a este Blog que fala de Arte!

Longa vida para todos nós!



Imagens de um mundo sem fim

(Para Mazé, que sabe pintar!)

 Isabel Mattoso


Minha tela é um papel de qualquer cor
O que a  colore de verdade são palavras
Atrozes, algozes, que me forçam ao limite do que sei
Do que não sei, do que penso saber
Do  que virei a  saber, do que jamais saberei.

O que colore o papel  do poeta é a intuição da forma, da cor, das sombras que avançam sobre a tarde evanescente.
É o saber que caminha nos espíritos muito antes de cada nascimento
E que  continuará  sua jornada muito depois de cada morte
Ele apenas atravessa o  ser e tento capturá-lo neste  breve instante
Para  deixá-lo partir nas letras que se amontoam em palavras que se abraçam e tomam  corpo e alma. 
Minha tela de folhas de papel barato   inveja as pinturas  impressionistas, realistas, hiper realistas,
Os mestres do quatroccento, do barroco, do cubismo, fauvismo, do pontilhismo,do expressionismo, do surrealismo... De qualquer movimento,  de todos os tempos,
As gravuras e esculturas  que arranham , modelam , cinzelam matrizes e recriam o mundo.

A fruta sobre a mesa, a dobra da saia, o olhar  que nos alcança do passado
O brinco de pérola, a girafa em chamas, cada madona
O cristo crucificado, o café em paris, o girassol,
O grito , as mulheres da oceania, as bailarinas, as cerâmicas,
O jardim e a ponte , o onda gigante , o oriente num haikai de imagens  de delicadeza sem fim
Jazz, o volga, o sena, as cavernas e os bisões, o desenho da criança e seu traçado incerto...
Os olhos azuis, as bandeirinhas, o sertão
O touro, a dor, um povo, a guerra, o prazer velado e o descarado
A intimidade devassada, ainda que permitida
As portas do inferno se abriram para que pudéssemos  enxergar  além...

Pobre caneta  de tungstênio,
Ridículo  teclado de plástico preto...
Com que instrumentos banais surgem as palavras
Ainda assim , eu as amo  , as persigo em sonhos e devaneios
As amasso, rasgo,  abraço , professo mil desaforos!
Até que me digam a verdade
Que revelem  o que foi segredado pelo espírito
 Então, como um anelo, a vida em mim se faz real.

quarta-feira, 4 de março de 2015

Picasso e a modernidade espanhola, no CCBB-SP

Cerca de 90 obras pertencentes ao Museu Reina Sofia, de Madrid, Espanha, estarão sendo expostas a partir do próximo dia 25 de março no Centro Cultural Banco do Brasil, centro de São Paulo. Com ênfase em obras de Pablo Picasso, que mostram como este artista influenciou a moderna arte espanhola, a mostra ficará em cartaz até o dia 8 de junho próximo. A entrada é grátis. 


Pablo Picasso
A exposição mostrará um pouco do caminho de Picasso como artista, até chegar à realização de “Guernica”, à sua relação com outros artistas da arte moderna espanhola, como Gris, Miró, Dalí, Domínguez e Tàpies, entre outros presentes na mostra. Mas os holofotes principais desta exposição estarão focando especialmente as obras de um dos grandes mestres da arte do século XX, Pablo Picasso (leia mais sobre ele aqui).

Essa exposição foi organizada e realizada em colaboração com o Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía e a Fundación Mapfre. Exposição realizada inicialmente na Fondazione Palazzo Strozzi, Florença, até o mês de janeiro deste ano. Depois de São Paulo, a mostra segue para o Rio, e poderá ser visitada entre 24 de junho e 7 de setembro. Ao todo, serão apresentados 90 trabalhos – metade deles de autoria do mestre cubista. Entre os quadros de Picasso que integram a mostra, estão “Cabeça de Mulher” (1910), “Busto e Paleta” (1932), “Retrato de Dora Maar” (1939) e “O Pintor e a Modelo” (1963).


O catálogo da mesma
mostra na Itália
A arte moderna espanhola mostra a sensibilidade artística dos espanhois e sua forma especial de ver o mundo, como resquícios de uma visão barroca que vem de muito longe. Isto também encontramos no cinema de Luiz Buñuel e Pedro Almodovar. Qualquer um de nós que tenha tido acesso às criações artísticas espanholas consegue identificar uma linha que unifica desde Velázquez ao próprio Almodóvar, numa coisa que podemos chamar de “uma certa espanholice”, conhecida e personificada muito bem por meu amigo Jeosafá Gonçalvez, que descende daquele povo al igual que yo, que traigo en mi nombre un López que viene de hace mucho tiempo...

A arte espanhola é geralmente vista como uma arte de expressão que beira o drama, nunca se identificando com a visão lógica e racional. Não existem medidas lineares na alma espanhola. O próprio Velázquez não obedecia regras vindas “de fora” e se concentrou em seu próprio jeito de pintar, com pinceladas certeiras e livres. Pintava o rei Filipe, mas também os aleijados, os deformados da Corte. Mesmo as tentativas cubistas de Picasso tinham uma razão de ser que vinham do fundo de um artista muito bem informado sobre seu mundo: estraçalhado por uma Europa em frangalhos que em menos de 30 anos passou por duas guerras sanguinolentas. Picasso atravessou diversas circunstâncias históricas, socio-econômicas e políticas que lhe faziam se redefinir gradualmente como artista.


Naquele período a relação com a realidade era difícil: homens matando homens, milhões morrendo na guerra, de fome por causa da guerra, de doenças por causa da guerra. As vidas de todos reviradas. Na Espanha, para piorar, o fascismo de Francisco Franco criou um mundo de terror para os espanhois, milhares dos quais tiveram que fugir de seu país para não morrer, de morte matada ou de fome. Muitos vieram para o Brasil. 

Na minha última viagem à Madrid, em 2013, voltei no avião ao lado de uma senhora espanhola que beirava os 90 anos de idade. Veio conversando comigo as 10 horas de viagem do vôo Madrid-São Paulo, me contando coisas dos tempos de Franco, o fascista. Entre outras coisas, ela me contou: “Era tudo uma loucura! Os vizinhos, os parentes, as pessoas que a gente conhecia, começaram a nos dar medo. Você não podia usar uma correntinha de ouro no pescoço. Teu vizinho ou teu parente te roubava para comprar comida! Em casa, um pão teria que durar vários dias. Minha mãe partia um pequeno pedaço para cada filho, e muitas vezes ela mesma ficava sem o pedaço dela. Meu pai saia atrás de trabalho e não tinha. Todo mundo vivia de cabeça baixa, a gente falava pouco. O medo era geral. A gente ouvia tiros pelas ruas, andava se esgueirando nas calçadas… Meu pai foi preso duas vezes, suspeito de ser comunista.” Por isso, assim como milhares de espanhois, ela - que esqueci o nome - veio morar no Brasil, para onde estava voltando de férias, para visitar umas amigas. Sozinha, e com quase 90 anos. O Brasil é o país que tem o melhor povo do mundo, disse ela.


Ruínas de Guernica, cidade espanhola,
após o bombardeio nazista
Mas voltemos à exposição do CCBB. O público também poderá ver estudos e esboços que resultaram na obra-prima “Guernica”, um painel que Picasso pintou em 1937, e que representa as atrocidades cometidas pelas ações da direita fascista e nazista durante a Guerra Civil Espanhola, que durou de 1936 a 1939. O painel, de 3,49 metros de altura por 7,76 metros de comprimento expõe os horrores causados pelos aviões da força aérea alemã nazista contra a população da pequena cidade de Guernica. Aliados do general Franco, os alemães fizeram deste ataque um treino para posteriores ações contra os aliados. Foram lançados 300 quilos de bombas contra o povo da pequena cidade dos bascos.

Em 2001 eu parei diante deste painel durante umas duas horas, dentro do Museu Reina Sofia aonde ele se encontra, em Madrid. Minha alma chorava. Aqueles corpos despedaçados, desesperados, e aquele cavalo em agonia, me mostravam um mundo em que não vivi, mas que nunca deve ser esquecido, para que esse horror não mais se repita. Mas me levava também a lembrar do horror da ditadura militar no Brasil - que vivi! - que assassinou e torturou centenas de pessoas como eu. Quando vi “Guernica”, para minha sorte, ele já não estava mais protegido por vidro blindado e eu pude vê-lo frente a frente.


Do lado esquerdo do quadro, junto com uma mãe gritando de dor com seu filho no colo, aparece a cabeça de um bovino. Seria a representação do antigo Minotauro, criatura mítica - da antiga mitologia grega - um ser com a cabeça de um touro e o corpo de um homem, ou seja, oscilando entre o humano e o bestial. Picasso já tinha feito, no começo da década de 1930, uma série de estudos sobre a saga do minotauro, relacionando-o com as famosas Touradas do seu país. Picasso acabou colocando a imagem do monstro como parte de sua representação da tragédia do povo de Guernica.

O quadro parece uma constelação de relações nem sempre apreensíveis. No meio do quadro, há um cavalo que relincha sobre corpos esquartejados. Picasso era comunista, o cavalo representava o povo: mesmo com a cabeça cortada, e com uma expressão de dor, mas não de derrota, o cavalo luta. Acima de sua cabeça, uma luz se acende e um braço estendido apresenta uma lamparina acesa. Por todo lado, corpos esfacelados. Mas há luz, há esperança. Esta é a grande mensagem de Picasso.

Esta exposição do CCBB, portanto, será uma boa oportunidade para ver de perto as obras deste artista espanhol, além dos outros, e em especial, seus estudos para a “Guernica”. Tomara que mais uma vez 400 mil pessoas façam fila para ver uma grande exposição, como o fizeram para ver Ron Mueck. E que a arte dos espanhois sirva para despertar reflexões sobre os momentos em que vivemos nos dias atuais: momentos “peligrosos”, em que forças bestiais subterrâneas resolveram colocar a cabeça para fora… No mundo, e no Brasil.


"Guernica", painel de Pablo Picasso, óleo sobre tela, 1937