terça-feira, 29 de julho de 2014

Modelo vivo há mais de 50 anos, Vera França ganha homenagem no Ateliê Contraponto

Neste 30 de julho, quarta feira, a partir das 19 horas, o Ateliê Contraponto fará a abertura da Exposição Coletiva Vera França Modelo Vivo. São mais de 40 artistas que estarão expondo seus desenhos, pinturas e esculturas feitos a partir das poses da modelo vivo Vera França. Na ocasião, será feita uma homenagem a esta senhora de 73 anos que é parte viva do trabalho artístico com modelos vivos produzido em São Paulo.


Há mais de 50 anos Vera França, que completa 73 anos de idade este ano, posa como modelo vivo para artistas pintores, escultores, desenhistas. O Ateliê Contraponto promoveu, nos últimos dois meses, diversas sessões com a modelo posando, o que levou ao ateliê dezenas de artistas. Destes, 45 pessoas irão participar desta Exposição Coletiva, com desenhos, pinturas e esculturas, muitas delas feitas na década de 1970 e 1980. 

São eles:


Ana Maria Cardoso
Alexandre Greghi
Agota Mandelot
Bernardita Uhart
Carolina Simões de Oliveira
Carlos Morgani Filho
Cristina Kannebley
Cintia Yuri Eto
Daniela Lucheta
Djalmira de Freitas Rosa - RS
Denise Muller
Deryn Pompeia
Elizabete Siqueira Pimentel
Eliana Reis
Ednilson Martins
Eduardo Ochi
Eijy Yajima
Estela Alexandra Bueno Stolar
Fabiana Boiman
Fioravante Mancini Filho
Gabriel Spinelli
Gabriela Luzzi de Almeida
Guilherme Martinez
Guilhermo Von Plocki
Ivone Yoko Suzuki Sakurai
Jair Diniz
Lucia Helena Manzoni
Luciano Ogura
Luiz Vilarinho
Mabel Dibastiano
Marisi Mancini
Marcia Agostini
Mazé Leite
Marcelo Parra
Meirelle Lerner
Nuria Torrents
Newton Batista de Santana
Omar Alejandro Sãnchez Rico
Pedro Torres
Renata Stahel
Rubi Imanishi
Rosalva Maria Campos Siqueira
Sandra Longeaud
Sarita Genovez
Silvia Ferraro
William Pereira da Silva

Mais informações:

Exposição Coletiva Vera França Modelo Vivo
Abertura: 30 de julho às 19h
Local: Ateliê Contraponto
Travessa Dona Paula, 111 Consolação
A 5 minutos do Metrô Paulista
Telefone: 3938-5058

domingo, 27 de julho de 2014

À maneira de Degas - II

Continuando a falar sobre o livro "Degas dança desenho", de Paul Valéry, o poeta continua mostrando como era o pintor Degas, aplicado, sério, completamente dedicado ao seu ofício:

“No Louvre, um dia, eu percorria com Degas a Grande Galeria. Paramos em frente a uma importante tela de Rousseau que representa magnificamente uma alameda de carvalhos enormes.

Depois de um tempo de admiração, observei com que consciência e paciência o pintor, sem perder nada do grande efeito da massa de folhagem, executara o detalhe infinito ou produzira a ilusão suficiente desse detalhe a ponto de fazer pensar em um labor infinito.

- É soberbo - eu digo -, mas deve ser tedioso fazer todas essas folhas… Deve ser até muito chato…

- Cale-se - diz Degas -, se não fosse chato não seria divertido.”
Retrato de Edmond Duranty

Degas era coerente com seu pensamento: uma obra terminada era resultado de uma infinidade de estudos. Para ele, nunca uma obra era considerada terminada. “Acontecia de ele retrabalhar telas há muito tempo penduradas na paredes da casa de seus amigos, levá-las para seu antro, de onde elas raramente voltavam. Alguns, de cuja casa era frequentador, chegavam a esconder o que tinham dele.

Degas acompanhava a política de seu tempo. Acompanhou passo a passo o famoso julgamento do Caso Dreyfus (um judeu condenado injustamente de espionagem em 1894 e que foi belamente defendido por um artigo escrito por Émile Zola, intitulado “J’accuse…!”). “Tornou-se quase fanático”, diz Valéry. “Roía as unhas”. Se conhecidos ou amigos discordavam de suas posições políticas, eram cortados de sua convivência.

Mais Valéry:

“Não conheço arte que possa envolver mais inteligência do que o desenho. (...) Quem não mede o intelecto e a vontade de Leonardo ou de Rembrandt após uma análise de seus desenhos?”

Mas hoje “quase tudo é feito sem estudos; ou melhor, quase tudo não passa de estudos, e mais ainda, estudos inutilizáveis” Um bom estudo deve ser mais profundo do que qualquer quadro, e permanecer na sombra do ateliê. Não deveria jamais estar à venda, jamais em Museus”. Aumentou o número dos maus pintores, continua Paul Valéry. 

Ninguém se diverte mais estudando cuidadosamente e com reflexões que podem levar muito longe (Leonardo), um tecido jogado sobre uma cadeira, uma folha, uma mão… nem buscando nesse confronto com o objeto, sem pressa e sem utilidade imediata, certa ciência de si mesmo, da manobra combinada de seu intelecto, de seu desejo, de sua visão e de sua mão sobre uma coisa dada… e com o público ausente. (Este último ponto é capital: deve-se tentar espantar apenas a si mesmo.)”


E prevê, décadas atrás:

“Foi assim que a infeliz Pintura viu-se presa dos métodos rápidos e poderosos da política e da Bolsa”.

Degas era louco por Desenho. “O trabalho, o Desenho, tinham se tornado nele uma paixão, uma disciplina, o objeto de uma mística e uma ética que se bastavam por si mesmas (…)”. Com 70 anos de idade Degas disse a seu amigo Ernest Rouart:

- “É preciso ter uma ideia elevada, não do que se faz, mas do que se poderá fazer um dia; sem o quê não vale a pena trabalhar.” Ou seja, não importa o tempo “perdido” no apuramento técnico, pois ele leva incontestavelmente a patamares muito mais altos que poderão ser alcançados pelos que se dedicam a estudar.

Pois

“A ideia de possuir inteiramente a prática de uma arte, de conquistar a liberdade de fazer uso de seus meios com tanta segurança e leveza quanto de nossos sentidos e membros em seus usos comuns, é daquelas ideias que arrancam de certos homens uma constância, um esforço, exercícios e tormentos infinitos”.

Uma folha de papel, algum lápis ou caneta, é o suficiente para esse mergulho fundo no reino da criação. Tudo é muito simples e tudo muito complexo. Nessa dicotomia, Degas dizia que a pintura é, para os sem conhecimento, algo bastante fácil. Mas quando se tem conhecimento… ah… se torna muito difícil! “Ah! então… É completamente diferente!”.

Se o pintor buscava os caminhos mais fáceis, isso dizia - e diz - muito a respeito de seu próprio caráter. O caminho mais fácil não é o caminho “da obra de um homem completo”. E Valéry complementa: quanto mais o artista se distancia do aprendizado ao qual se dedicaram os maiores mestres, mais “é do homem total que estamos nos distanciando assim. O homem completo está morrendo.”


"Aula de balé", Degas
Arte moderna e Grande Arte

“A arte moderna tende a explorar quase exclusivamente a sensibilidade sensorial, em prejuízo da sensibilidade geral ou afetiva, e de nossas faculdades de construção, de adição das durações e de transformações pela mente. Sabe maravilhosamente bem despertar a atenção e usa todos os modos para estimulá-la: intensidades, contrastes, enigmas, surpresas”. Não é isso o que vemos nos dias de hoje, com a espetacularização da arte?

“(...) observo que o modo de ser da modernidade é exatamente o de uma intoxicação. Precisamos aumentar a dose, ou trocar de veneno. Essa é a lei”!!!! Nada mais atual, não é? E Paul Valéry explica:

“O que chamo de ‘Grande Arte’ é simplesmente a arte que exige que todas as faculdades de um homem sejam utilizadas nela, e cujas obras sejam tais que todas as faculdades de outro sejam invocadas e se interessem por entendê-las…”

“O demônio da mudança-pela-mudança é o verdadeiro pai de muitas coisas…” e em nossos dias atuais.

Passando de um período a outro, de uma moda a outra, sugere “que não há objetos, que é preciso proibir-se a expressar mais do que as propriedades da retina… Tudo começa a vibrar.

O Desenho não é a Forma


“Degas gostava de falar sobre pintura e não suportava que se falasse sobre ela".

Valéry perguntava o que ele entendia por Desenho. Respondia:

“O Desenho não é a forma, é a maneira de ver a forma”. Valéry dizia não compreender o que ele falava. Degas gritava, berrava que o poeta não entendia de nada e se metia em coisas que não eram de sua alçada...

Durante um jantar com Mallarmé, Degas disse que “um artista só é um artista em poucos momentos, por um esforço da vontade”. Isso foi ouvido por Berthe Morisot, a pintora impressionista.

Em sua convivência com o pintor Degas, Valéry foi aprofundando suas reflexões sobre arte, que expõe no livro “Degas dança desenho”. São muito atuais e parecem ter sido escritas para esta época contemporânea. Como um artífice da linguagem, Valéry dizia que “a linguagem do país das Artes é turvada com toda uma metafísica que se mescla de maneira muito íntima às puras noções da prática.” E mais:


“Nunca vi nada de certo e ordenado sobre o desenho, por exemplo, que é antes de mais nada uma arte complexa, cuja análise ótica e motora não foi realizada, nem mesmo iniciada, a meu conhecimento.

“Se tivesse existido, a célebre expressão de Degas, ‘o modo de ver a forma’, teria sido completamente diferente: teria explicado o que ele queria dizer, e não o sentido que cada um pode atribuir-lhe.

“Mas eis a pior consequência da impureza da linguagem das grandes artes: ela leva a não se saber mais o que se quer. Nada mais espantoso do que certos comentários ou programas de artistas, carregados de filosofia, de considerações às vezes matemáticas e frequentemente ingênuas, invocadas com vistas a preparar para o entendimento de suas obras e a dispor o público para suportar sua visão. Mas ao contrário, a visão nas artes deve por si só introduzir a fruição e, se houver alguma ideia a sugerir, conduzir a ela por suas percepções. Um pintor deveria sempre pensar em pintar para alguém que não tivesse a faculdade da linguagem articulada… Não devemos esquecer que uma coisa bela nos deixa mudos de admiração…”

Os medíocres possuem mais certezas

Valéry adiciona a seu texto algumas recordações “muito preciosas” de Ernest Rouart sobre seu amigo Edgar Degas, como estas:

- “Degas não se contentava muito facilmente, e raro achava que uma pintura estivesse no ponto.

- “Para ficar satisfeito, aquilo de que precisava é que sua obra fosse completa, não na perfeição dos detalhes, mas na impressão de conjunto que ela daria; na construção, antes de tudo, e na coordenação dos elementos diversos que a compunham, ou seja, nas relações corretas das linhas do desenho, dos valores e das cores entre si.

- “A necessidade de retomar uma coisa que considerava incompleta jamais o abandonou e, em sua casa, inúmeras eram as telas que tinha a intenção de retocar, não as achando dignas de deixar seu ateliê no estado em que se encontravam”.


"Melancolia", Degas
Como professor de Rouart, era rígido. Um dia mandou o aluno ao Louvre para copiar um quadro do pintor italiano Mantegna, “A sabedoria vence os vícios”. Sua orientação era de que a primeira coisa a fazer era uma imprimação em verde (uma camada de pinceladas em pigmento verde misturado a terebentina, bastante diluídas). E lembrou ao aluno que deveria deixar secar essa primeira camada “durante meses”, pois o próprio “Ticiano esperava talvez um ano antes de retomar um quadro!”.

No fim de sua vida, diz Valéry, Degas tinha se enamorado ainda mais da cor e dos efeitos que ela pode produzir. “Sua admiração pela cor e pela técnica dos antigos levava-o com frequência a fazer pesquisas nesse sentido e a desenvolver teorias e sistemas sobre a execução natural da pintura, sobre a técnica, como ele dizia”.

É lutando sobre a tela que um artista como ele consegue conciliar a teoria e a prática”, observou Ernest Rouart.


"A espera", Degas
No dia 25 de setembro de 1917, Degas morreu. “Morre tendo vivido demais, pois morre de sua luz. O começo de sua lenta diminuição foi marcado pelo enfraquecimento mais pronunciado da visão. O trabalho, pouco a pouco, tornou-se impossível para ele, e sua razão de viver esvaiu-se antes de sua vida. Uma das últimas obras que fez foi seu retrato com barba branca, arrepiada e curta, e com boné. Mostrava-o e dizia: ‘Pareço um cachorro’.”

Era um solitário perene “e o foi em todas as modalidades da solidão. Solitário pelo seu caráter; solitário pela distinção e pela particularidade de sua natureza; solitário pela probidade; solitário pelo orgulho do seu rigor, pela inflexibilidade de seus princípios e de seus julgamentos; solitário por sua arte, ou seja, pelo que exigia de si mesmo”.

Justamente por ter sido o ser “estranho” que Degas foi, é que Paul Valéry questiona: “Não seria hoje uma espécie mais ou menos desaparecida, essa espécie de personagens difíceis e incorruptíveis?” Ele, Degas, era avesso a qualquer tipo de bajulação que foi se tornando cada vez mais um costume nos tempos modernos. Para ele o brilho no mundo moderno era desprezível; odiava - e odiaria ainda mais hoje - esses que se voltam a agradar o mercado e a crítica, fazendo apenas o que se espera deles:

“Uma noite Degas fazia troça de Forain, que corria, chamado por um timbre imperioso, para atender o telefone. ‘É isso, o telefone?... Tocam um sinete e você acorre...’ Seria fácil generalizar essa expressão sarcástica. ‘É isso a Glória?... Você é citado, e acha que é alguém!...”

Nada mais contemporâneo...