segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

A estrada aberta

Depois de Ilya Repin - estudo em óleo que finalizei neste sábado, dia 14/12, sobre a pintura original do artista russo Ilya Repin, cujo título é "Retrato do compositor Modest Petróvich Músorgski, exposta na Galeria estatal Tretiakov, Moscou, Rússia.
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2013 está terminando, este ano intenso, que exigiu muito de mim, paciência, perseverança, dedicação, mergulho mais profundo nos meus sonhos. Muito estudo, muito aprendizado à beira do meu cavalete.

Mas 2013 também me recompensou: fruto de tanto esforço, tantos e tão antigos sonhos, um deles - o maior - está se realizando: anuncio a todos os leitores deste blog, todos os seguidores, amigos, pessoas de várias partes do mundo que entram por aqui:

Está nascendo o Ateliê Contraponto!


Travessa Dona Paula, 111, a poucos metros da rua da Consolação

O Ateliê Contraponto é resultado de uma associação com mais três amigos que partilham comigo o mesmo caminho na arte figurativa: a realista. São eles: Márcia Agostini, Alexandre Greghi e Luiz Vilarinho. Nossa parceria foi sendo gestada mês a mês, ano a ano, entre as mesas de desenho e os cavaletes de pintura do Atelier de Maurício Takiguthi. Alguma semente foi plantada ali, em algum momento, quando desenhávamos ou refletíamos sobre o mundo da arte. Algo em nós ficou maduro e o fruto está se concretizando em cores muito entusiasmantes!

Nosso Ateliê Contraponto está localizado na Travessa Dona Paula, 111, em Higienópolis, entre a rua da Consolação e a Avenida Angélica. Será um espaço para aulas de desenho e pintura, mas também um espaço para exposições de artistas figurativos de São Paulo, do Brasil e de qualquer lugar do mundo. Será também um espaço para estudo e discussão dos temas mais importantes da arte na atualidade. Para isso, iremos trazer convidados entre artistas e intelectuais ligados ao pensamento artístico e cultural. Também iremos oferecer oficinas e workshops com artistas convidados, nas áreas de desenho, pintura, aquarela, escultura.

O sonho é grande, o sonho é imenso. Mas o caminho apenas começou e a estrada é longa... Mas vamos!


"A pé e de coração leve
eu enveredo pela estrada aberta,
saudável, livre, o mundo à minha frente,
à minha frente o longo atalho pardo
levando-me aonde eu queira.

Daqui em diante não peço mais boa sorte
boa sorte sou eu.
Daqui em diante não lamento mais,
não transfiro, não careço de nada;
nada de queixas atrás das portas,
de bibliotecas, de tristonhas críticas;
forte e contente vou eu
pela estrada aberta.

A terra é quanto basta:
eu não quero as constelações mais perto
nem um pouquinho, sei que se acham muito bem
onde se acham, sei que são suficientes
para os que estão em relação com elas.

(...)

A terra a se expandir
à esquerda e à direita,
pintura viva - cada parte com
a luz mais adequada,
a música a se fazer ouvir onde faz falta
e a se calar onde não é querida,
a jubilosa voz da estrada aberta,
a alegre e fresca sensação da estrada."


(Walt Whitman, Canto da estrada aberta,
em "Folhas das folhas de relva")

Feliz Natal! Feliz 2014 para todos!

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Expressionismo necessário

Músico cego, do pintor finlandês Alvar Cawén (1886-1935), 1922
Nos fins do século XIX, no norte da Europa, surge e se irradia um movimento artístico, contraposto ao Impressionismo nascido na França. Especialmente desenvolvido na Alemanha, o Expressionismo atingiu diversos setores da arte: a pintura, a literatura, o cinema, a música. Mais tarde, na mesma Alemanha, o regime nazista condenou esse movimento, considerando-o como “arte degenerada”.

O Expressionismo foi uma das primeiras ramificações da chamada “Arte Moderna”, assim como o Realismo e o Impressionismo. Sua principal característica é ter representado culturalmente aquela região da Europa, fria e nevoenta, com aquele temperamento germânico que amava “mais a beleza do caráter do que a beleza da forma”, como bem enfatiza Carlos Cavalcanti em “História da Arte”. Era a contraposição entre as sombras geladas daquele pedaço do mundo e a claridade solar e quente do mundo mais latino, também destaca o professor. Era o predomínio da emoção sobre a razão. Que nascia num mundo pleno de contradições.


Sobreviventes, Käthe Kollwitz, gravura
O engraçado é que enquanto estudava um pouco sobre esse movimento que muito me atrai - desde minha adolescência quando conheci as gravuras de Käthe Kollwitz -, li simultaneamente um artigo que escrevi há alguns anos sobre nossa poeta brasileira Cecília Meireles. O título do meu artigo - não publicado - era exatamente “As sombras de Cecília”. Cecília nasceu no começo do século XX, 1901, e antes dos 3 anos já não tinha mais nem pai nem mãe.

No pêndulo de sua existência, Cecília escrevia como se escrevesse na penumbra. Dá a impressão de que suas mãos riscavam o papel na seqüência do seu olhar que passeava no lusco-fusco do final do dia e do começo da noite. Noite sem a negritude da noite profunda, mas também sem os raios ofuscantes do dia. Noite que ainda era promessa de mistérios profundos, mas que ainda guardava resquícios de realidade, contornos da vida, detalhados pelos últimos raios do sol.


Vista de Toledo, El Greco, 1600
Mas vamos caminhando entre os artistas alemães e esta poeta brasileira, neste primeiro texto sobre o Expressionismo, que apenas pretende introduzir o assunto. Em outros textos, neste blog, já falamos sobre alguns desses artistas expressionistas.

O Expressionismo - movimento no qual não foi enquadrada a poesia de Cecília - é a própria projeção da subjetividade humana, que, do mais profundo do seu sofrimento, tende a deformar a realidade e provocar no observador as mesmas reações emocionais do artista. A visão do artista expressionista é angustiante, pessimista, assombrada por aquele mundo em mudança que já trazia as sementes da I Guerra Mundial, onde morreram milhões de seres humanos.

Enquanto isso Cecília cantava lá no seu Rio de Janeiro:

“Sombra que passas, eu sei que és sombra,
eu sei que és sombra, sombra que falas.
Não deixas passo em nenhuma alfombra
das altas, graves, eternas salas.


Mas os que choram de sala em sala,
mirando espelhos, mirando alfombras,
choram teus passos e tua fala,
e o seu destino de amar as sombras...”


Autorretrato, Otto Dix, 1913
São muito frequentes, no Expressionismo, o uso de símbolos para descrever o estado da alma dos artistas. Ao contrário da solaridade e colorido dos Impressionistas, o Expressionismo usa cores fortes, violentas, pois ele também era uma reação contra os rumos que a sociedade tomava naquele tempo. Era a arte do pintor solitário, das cores tristes, que até já podíamos encontrar bem mais atrás, em El Greco, em Goya, em Mathias Grünewald… 

Mas dois dos primeiros desses pintores nórdicos do século XIX a expressar mais sua alma do que o mundo que viam foram Vincent van Gogh e Edvard Munch. Foi um crítico de arte alemão,  Wilhelm Worringer, quem, em 1908, chamou de "expressionismo" àquela forma particular de arte.

Enquanto a fotografia substituía a pintura na descrição da realidade, os artistas expressionistas se voltaram para mostrar mais como eles “sentiam” sua própria realidade, usando sua arte como um grito contra os sofrimentos daquele mundo que esmagava as pessoas nas cidades já industrializadas, mostrando a miséria, a solidão, a pequenez do homem diante da máquina movida pelo capitalismo daqueles tempos, que trouxe consigo as guerras mortais do século XX...


Agonia, Edvard Munch, 1915
Bem como cantou nossa poeta triste que, na América do Sul, sentia as dores de todo aquele mundo, além das suas:

“Aqui está minha dor – este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.”

Diversos grupos de artistas surgiram na Alemanha, como a “Associação dos Artistas de Munique” (o NKVM); a “Nova Secessão de Berlim”, que gerou dois outros grupos: os “Der Blaue Reiter” (O Cavaleiro Azul) e o “Die Brücke” (A Ponte); o “Grupo de Novembro”. Do “Die Brücke” (de 1905) participaram os artistas Ernst Ludwig Kirchner, Fritz Bleyl, Erich Heckel et Karl Schmidt-Rottluff. Eles eram de Dresden.


Edvard Munch
A forte crítica social que eles imprimiram às suas obras acabaram atraindo a crítica dos conservadores, claro. Sua visão crítica do mundo acabava sendo vista como um perigo para as gerações mais novas. Ernst Ludwig Kirchner, por exemplo, pintava as ruas e a vida urbana de Berlim de uma maneira considerada ácida. Edvard Munch, pintor norueguês, resolveu mudar sua maneira de pintar depois de 1892, usando cores mais fortes para demonstrar suas obsessões com a morte e com as doenças.

Na Alemanha, país onde o Expressionismo mais atraiu artistas, o final do século XIX e as duas primeiras décadas do século XX, já em meio à I Guerra Mundial, viram nascer diversos movimentos e grupos artísticos, onde os debates e inquietações acerca daqueles momentos eram muito intensos. Max Beckmann, Otto Dix, Conrad Felixmüller, George Grosz, Ernst Ludwig Kirchner, Käthe Kollwitz, Franz Marc, Paula Modersohn-Becker e Otto Mueller eram alguns desses artistas. No Brasil, Anita Malfatti, Candido Portinari e Di Cavalcanti foram influenciados também pelo movimento dos artistas do norte europeu. Um deles veio para o Brasil e aqui trouxe as influências de seus colegas alemães: Lasar Segall.


Cena do filme "O Gabinete do Dr. Caligari"
Mas como dissemos no início, o Expressionismo não ficou só nas artes plásticas. 

No cinema, por exemplo, o filme do diretor alemão Robert Wiene, de 1919, “O Gabinete do Dr. Caligari” aparece como um dos primeiros a introduzir no cinema muitos elementos do expressionismo: grande carga de simbolismo, iluminação dramática, vestuários estranhos e personagens sombrios. 

Em seguida, surgem outros diretores seguindo essa mesma linha estética: entre eles, o grande Fritz Lang. As películas que mais representam esta época são: “Nosferatu” de Friedrich Murnau, “Metropolis” de Fritz Lang, entre outros. Era ainda a época do cinema mudo. Depois, já com o cinema falado, Fritz Lang dirigiu “M” (“O Maldito”).

E assim o Expressionismo, na Arte, mostrou um artista chocado diante desse mundo que jogava o sujeito ao seu próprio destino, nesse jogo de “salve-se quem puder” perpetrado por um sistema injusto, discriminador e assassino. Que manchava as cores do mundo com suas grandes sombras pesadas, como asas monstruosas, que varreram milhões de vidas humanas em duas guerras mundiais horrorosas. E ainda continuam nos sobrevoando, ameaçadoramente…

Mas até mesmo nesses momentos, o artista deve falar. A sensibilidade do artista está aí para nos fazer ver que, além de qualquer visão terrível, a Musa sempre canta… e nos encanta…

Como disse Cecília Meireles:

“Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias

não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico

se permaneço ou me desfaço
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.

Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada”.


O sonho da razão produz monstros, Francisco Goya, gravura, 1799

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

A arte pictórica de Eugene Gruzdiev

O pintor russo Evgene Grouzdev
Tinha acabado de publicar este post no Facebook, quando tive a emocionante surpresa de saber que Eugene Gruzdiev - ou Evgeny Grouzdev, como ele mesmo assina - é um pintor de São Petersburgo! O próprio artista me agradeceu este post, tentando falar em português: "Obrigado enorme, muito escreve-se bem!!! Até embaraço-me um pouco, é muito inesperado..." Para mim também, muito inesperado e muita surpresa encontrar um pintor contemporâneo com esta qualidade de pintura! E saber que ele existe e que pratica este tipo de arte dá ainda mais a sensação de que nem tudo está perdido! 

Abaixo o meu texto, publicado ontem, quando nem sabia de que período era esse já grande mestre...

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Conheci este pintor russo no blog do pintor brasileiro radicado em São Petersburgo, Rússia, Gilberto Geraldo. Já pesquisei em todos os lugares possíveis, em sites internacionais inclusive, e não encontrei nenhuma informação sobre Eugene Gruzdiev.

Seria contemporâneo do outro grande pintor russo Ilya Repin sobre o qual já falei aqui em outro post? Seria um pintor atual? Não se sabe...

Enquanto não encontro mais o que falar sobre quem foi Eugene Gruzdiev, sua vida e sua obra, publico abaixo as imagens que capturei no blog do Gilberto Geraldo.

Por que? Simplesmente porque Eugene Gruzdiev pinta do jeito que eu entendo como pintura realista e pictórica: suas pinceladas criam impressão de movimento, ele pinta o essencial, não há contornos definidos por linha, mas volumes; as massas são grandes, ultrapassam as formas.

Nesse estilo pictórico que identifico nele, os movimentos das massas se espalham em cromas e valores. A tinta se espalha, as cores e as tonalidades se derramam buscando as profundezas, como disse há décadas Heinrich Wöllflin. Os limites se tornam fluidos; limites que não são um fim em si, são infinitos.

Tudo é jogo de Luz e Sombra, onde nem tudo precisa ficar claro. Há partes veladas, objetos sobrepostos, massas sobrepostas. Movimento. Aquilo que parece estar oculto pelas sombras do quadro, parece que “luta para entrar na luz” (Wöllflin). Não se busca extrair da cor individual toda sua força e pureza, mas criar harmonia na relação entre as cores, de modo que uma cor realce o efeito individual de outra. Contrapontos.

É esse olhar de pintor que vê o mundo como uma unidade, onde tudo se relaciona que me atraiu em Eugene Gruzdiev.

Eu acho lindo demais isso aqui embaixo!