quinta-feira, 25 de abril de 2013

Pinturas Negras de Goya

Os desenhos acima, e abaixo,
foram feitos com base nas
Pinturas Negras
de Goya, no Museu do Prado,
Madrid, abril de 2013
No Museu do Prado, em Madrid, há uma ala especial para o pintor espanhol Francisco Goya, a Ala Goya. Nessas salas estão inúmeras das pinturas deste grande artista espanhol, incluindo as conhecidas Pinturas Negras.

Ao chegar à sala das Pinturas Negras, que me impressionaram muito, resolvi começar a desenhar, com lápis-carvão e grafite. Os desenhos ilustram este post. Neles, tentei captar essas expressões.

As 14 pinturas que formam o conjunto denominado de Pinturas Negras foram feitas na fase final da vida do pintor, pintadas diretamente sobre as paredes de sua casa, conhecida como a Quinta del Sordo, nos arredores de Madrid e às margens do rio Manzanares. São chamadas assim porque Goya usou pigmentos escuros e negros em temas que também são sombrios. Ele pintou diretamente sobre as paredes de sua casa, com óleo. Depois de sua morte, anos depois, estas pinturas foram trasladadas das paredes para telas, um trabalho que durou anos e foi realizado por Salvador Martinez-Cubells, que era restaurador do Museu do Prado.

Goya já estava velho e doente. E como tinha sido um ativo militante dos ideais explicitados pela Revolução Francesa, ele também era perseguido. Talvez o peso das expressões, dos gestos e da temática geral deste conjunto de pinturas tão carregadas de preto estejam na própria fragilidade de um corpo doente e que envelhecera, o que fazia sofrer Goya. Em 1819 ele foi atingido por uma grave doença que lhe deixou muito prostrado e à beira da morte. Mas sua fragilidade se devia também ao fato de que a instabilidade em que se via a Espanha após o levante constitucional de Fernando Riego, o fizera se resguardar. Ele tinha sido um grande crítico da vida política e social de seu país, não só através da sua pintura, mas principalmente como gravador e caricaturista. Satirizou a religião com suas romarias, procissões e rituais incentivados pela Santa Inquisição; reagiu contra a invasão do exército francês na Espanha em 1808; criticou o Estado espanhol.

Um de seus quadros mais conhecidos - que esté em outra sala no Prado, pois não faz parte das Pinturas Negras - é a grande tela "Os assassinatos de 3 de maio de 1808", onde um grupo de espanhois presos que serão executados se deixa mostrar na figura de um jovem líder de camiseta branca e braços abertos que recebe o foco principal de luz do quadro. Em oposição a ele, de armas apontadas, o pelotão francês de fusilamento, uma massa opaca e rígida como uma máquina de guerra. O peso dessa máquina ameaça o frágil indivíduo, que ao mesmo tempo, de braços abertos, mostra que não teme a máquina, o sistema. 

As Pinturas Negras foram feitas por Francisco Goya entre 1820 e 1823. Nelas há figuras de homens em duelo, padres, freiras e os esbirros da Inquisição. Para ele este mundo já tinha sido ultrapassado pelos ideais novos, pelo tempos novos trazidos pela Revolução Francesa. Talvez pintando estas cenas dentro de sua casa estava livre da censura de qualquer tipo, podendo fazer o que bem entendesse, como entendesse. Por isso que essas imagens, essas 14 pinturas, são tão fortes e parecem significar um manifesto do artista contra todo conservadorismo.

Em maio de 1823, tropas de soldados invadem Madrid com o objetivo de restaurar a monarquia de Fernando VII. A repressão foi imensa a todos os que se opunham à monarquia.   Francisco Goya, temendo por sua vida, resolveu ir embora da Espanha, se refugiando na cidade de Bordeaux, na França, chegando lá em 1824. Desenhou muito ainda nesse período de exílio, que durou até sua morte. Nos desenhos dessa fase final de sua vida há o predomínio de figuras das classes mais humildes e dos marginalizados, assim como figuras de velhos, como um que caminha com a ajuda de uma bengala, barba longa, ar cansado. Dizem que seria seu autorretrato da época, pois o título deste desenho Goya colocou como "Ainda aprendo".

Francisco de Goya y Lucientes morreu em Bordeaux, França, no dia 16 de abril de 1828.

Sobre ele, escreveu Charles baudelaire no poema "Os Faróis", presente na coletânea As Flores do Mal:

(...)

Goya, lúgubre sonho de obscuras vertigens,
De fetos cuja carne cresta nos sabás,
De velhas ao espelho e seminuas virgens,
Que a meia ajustam e seduzem Satanás
(...)




Desenho com lápis-grafite - pintura original de Francisco Goya,
intitulada "O cão semi-submerso"

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Alguns outros desenhos de observação feitos no Museu do Prado:
Um rápido sketch (o Museu ia fechar) em frente ao quadro "Os assassinatos de 3 de maio de 1808"


segunda-feira, 22 de abril de 2013

Natureza-morta ou o momento poético

Óleo sobre tela, 50 x 40 cm, abril 2013
"Siento un gran respeto por la realidad, porque la realidad es la que tiene que dar todo. De ella tienes que tomar lo que más te guste"
Antonio López, pintor realista espanhol

Terminei este estudo, sob a arientação do professor Maurício Takiguthi, de uma das naturezas-mortas de um aluno da escola do pintor norte-americano David Leffel. Não se trata somente de uma simples cópia minha. Trata-se de aprender como essa escola realista pensa a pintura. Nesse sentido, isto não é simplesmente uma natureza-morta, mas um conceito, um pensamento sobre o que é pintar. Para o pintor realista, o mundo à sua frente possui uma cadeia de relações que estão - e devem estar - presentes numa boa pintura. Não se trata só de desenhar, dar pinceladas, colorir, ver a incidência da luz, as sombras, etc.

É preciso ver além da aparência, penetrar profundamente no real à nossa frente, permitindo que ocorra essa relação dialética entre o pintor e seu mundo. Por isso Leffel também insiste que além de aprender a pintar é muito importante aprender a "pensar visualmente". Pintar imagens, ensina ele, significa também "resolver tecnicamente problemas estéticos", para fazer com que a pintura possa ser também simples e compreendida por qualquer pessoa. As grandes pinturas dos mestres são evidentes por si mesmas, não têm nada de esotéricas. Falam com todos.

Mas o olhar do artista traz ao mundo seu modo pessoal de vivenciar a realidade, em seu
“sublime assombro diante da sabedoria da ordenação do mundo”, como disse Nietzsche. O exercício de observar o mundo, de pintar a realidade pode ser comparado ao momento do despertar, ou, dizendo de outro modo, o momento da tomada de consciência. Não o despertar automático, de todo dia, mas o daquele momento em que de repente algo no mundo se apresente absolutamente NOVO a nossos olhos. E até pode ser um NOVO que já foi visto antes: a luminosidade matutina que colore a sala da nossa casa com uma luz nova; um movimento do seu gato, silencioso e harmônico; o rosto envelhecido da pessoa amada; a mão jovem de sua filha; uma flor que começa a se abrir; uma lua fosforescente num céu de outono... enfim, o Real está aí todo o tempo à nossa frente para ser apreendido, absorvido, percebido de forma profunda e nova.

É preciso, às vezes, recusar as certezas em benefício do espanto! O dia a dia nos encerra no obscurecimento das coisas; tudo se torna trivial, comum, normal, em nossa rotina diária. Por isso é bom esse exercício de buscar outros sentidos nas coisas do mundo, dar uma outra cara a tudo, aumentar nossa capacidade de enxergar, expandir o nosso gradiente de percepção. Buscar novos sentidos, não nos satisfazer com a aparência. Um pintor que pinta só a aparência do mundo está perdendo a possibilidade de deixar que o real seja alcançado de um jeito novo. O que o pintor realista David Leffel ensina e mostra é que há modos diversos de acesso ao real.


O pintor realista é aquele que busca produzir sentidos novos aos sentidos já dados e conhecidos. O pintor realista é como o poeta que usa a matéria-prima da linguagem para falar de algo que muitas vezes nem tem linguagem... Não tem palavras para tudo no mundo... Mas há o sentido, e ele sempre pode ser novo! E é preciso falar dele. Para que as pessoas possam ver o que o artista viu.

Por isso este estudo acima não é só uma cópia de uma natureza-morta de um outro artista. Sou eu mesma querendo entender os modos de acesso ao real que pinto, enquanto aprendo a manejar meus pinceis...

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Um curso de pintura em Madrid

Aproveitei meus dez dias em Madrid para praticar um pouco de pintura. Durante cinco dias, quatro horas por dia, fiz as duas pinturas abaixo, na Academia Decinti, dos pintores Alejandro Decinti e Oscar Villalon. A  Academia funciona no bairro de Chamartín, perto do Museu Sorolla.

Alejandro e Oscar me orientaram da seguinte forma: eu iria usar uma palheta bem reduzida, só com as cores primárias e mais preto e branco. O trabalho inicial seria pintar uma grisália com as cores preto e branco, no caso da pintura do velho; uma segunda grisália, onde adicionei o azul cerúleo para que ficasse mais fria, na pintura do negro. Usei como referências duas fotografias do fotógrafo Pierre Gonnord, um francês que mora em Madrid.

No segundo momento do meu trabalho, fui inserindo as cores, respeitando a luz da grisália. Então as pinceladas eram mais transparentes, em camadas, dos tons mais escuros aos mais luminosos. Não cheguei a concluir as pinturas, mas deu para aprender bastante sobre esta técnica. Oscar me disse que os mestres do passado que usavam estas técnicas que incluem as grisálias, os verdaccios e outras bases monocromáticas, faziam isso para isolar a ação do chumbo presente no Branco de Chumbo que fazia com que as pinturas escurecessem. Com esta técnica, a pintura se mantinha intacta, sem sofrer a ação dos elementos químicos que compõem os pigmentos que usamos. O resultado também é diferente da pintura Alla Prima - pintura direta, sem camadas.

Seguem abaixo as duas pinturas, resultado do meu trabalho de 20 horas no ateliê espanhol. A pintura do velho está um pouco mais próxima do fim do que a outra, que ainda precisaria de algumas horas a  mais de trabalho sobre ela. Mas vou deixar assim. Fica como um registro deste curso em Madrid, como aconteceu com o "Moça com brinco de pérola" (original de Jan Vermeer) que pintei em Paris em 2011.

Estudo com base em grisália. Óleo sobre tela. Mazé Leite, 2013, Madrid
Estudo com base em grisália mais fria, com azul. Óleo sobre tela. Mazé Leite, 2013, Madrid