quinta-feira, 31 de março de 2011

Um cartaz para comemorar 140 anos

Desde o dia 18 de março se comemora em Paris os 140 anos da Comuna, um acontecimento que marcou uma época nova de esperança para o mundo, quando um grupo de socialistas tomaram o poder naquela cidade e decretaram a separação entre igreja e Estado, e declararam como direitos básicos, entre outros, a emancipação da mulher, a liberdade de imprensa, o bem-estar do povo, etc. 


Uma série de eventos estão sendo programados para ocorrerem na capital francesa até o dia 28 de maio, como palestras, seminários, exposições, peças de teatro, etc.


Um dos eventos será personificado por artistas, que irão criar um grande mural numa parede da cidade, além de uma exposição que também está disponível no Espace Louise Michel, no bairro de Fresnes.


Coletivos e ateliês de artistas estão mobilizando seus talentos em torno do aniversário da Comuna e a partir de 18 de março os artistas começaram a pintar esse grande mural sobre o tema.


O cartaz, que publico abaixo, foi desenhado pelo artista francês Ernest Pignon-Ernest, que inclui uma referência ao pintor realista francês e um dos lideres da Comuna, GUSTAVE COURBET, especialmente à pintura denominada "A origem do mundo", que chocou a sociedade de sua época e continua chocando a sociedade da época atual... Ele me foi enviado por um leitor amigo do Portal Vermelho, Henri, de Paris, cujo e-mail transcrevo abaixo. Por razões "politicamente corretas" impostas pelo "pensamento correto" um tanto hipócrita da sociedade atual, a Prefeitura de Paris simplesmente censurou o cartaz, assim como o Facebook. Como uma homenagem aos artistas, especialmente Courbet, e aos socialistas franceses, publico-o aqui:



"Li com grande prazer o artigo da Maze Leite sobre a carta de Gustave Courbet aos artistas. Poderas reecaminhar para ela o cartaz do artista e camarada Ernest Pignon-Ernest que incorpora uma dedicaz ao Courbet.

 Hoje, esta dedicaz todavia valeu censura da propria prefeitura de Paris que tinha autorizado a Commemoraçao na Place de l'Hôtel de Ville: o cartaz nao foi impresso pela prefeitura. Outro Amigo que uso ao cartaz  em Facebook foi banido daquela rede.
 Alguns amigos extranjeiros acharon normal aquela censura: uma, feminista, acha a obra machista demais; outro, brasileiro aficionado ao Facebook acha que por a cuantidade de putaria que corre no Facebook, aquele sendo vehiculo para prostituiçao, e normal que a Facebook intente fazer algo par limitar.
 O problema es que curiosamente, o cartaz da commemoraçao fica censurado, mientras que a putaria nao diminue em nada no internet...
 Amitiés,
 Henri"

segunda-feira, 28 de março de 2011

Carta de Gustave Courbet aos Artistas da Comuna de Paris

Desde 18 de março comemoramos os 140 Anos da Comuna de Paris (que durou de 18 de março a 28 de maio de 1871). O pintor francês Gustave Courbet, que teve um papel muito importante nesse acontecimento, foi quem assumiu o comando da Federação dos Artistas da França, nos dias da Comuna. Em uma carta, reproduzida abaixo, ele alerta para a necessidade da união dos artistas, assim como chama a atenção para os espiões alemães anti-Comuna.

Auto-retrato, Gustave Courbet
Gustave Courbet era um jovem pintor de origem camponesa, nascido em Ornans, interior da França. Como tantos, foi para Paris para fazer carreira artística, lá chegando em 1839, quando a cidade vivia momentos de efervescência política, social e artística. Círculos de ativistas políticos de esquerda, artistas e intelectuais enchiam os cafés de Paris. Courbet frequentava o grupo do poeta Charles Baudelaire e dos filósofos Proudhon e Marc Trapadoux, entre outros. Reuniam-se até altas horas da noite, onde elaboravam suas teorias que posteriormente se transformavam em artigos de jornal, ou em panfletos, ou em obras de arte.
Courbet, socialista, partilhava com seus contemporâneos a crença de que a arte podia ser uma força social. Seu ciclo de amigos desprezava os valores burgueses e defendia valores novos para uma sociedade nova, aliando-se, com isso, aos apelos do povo francês por mudanças profundas numa França que vivia um período de muita miséria.
Mas o governo revolucionário da Comuna de Paris foi derrotado, após um verdadeiro banho de sangue nas ruas de Paris. Courbet foi preso, julgado e sentenciado, assim como dezenas de outros, entre os quais destaco, em especial, a militante socialista (e amiga do escritor Vitor Hugo, que lhe dedicou um poema), Louise Michel, uma das líderes da Comuna de Paris.
Gustave Courbet, após a prisão e perseguições de toda ordem, exilou-se na Suíça em 1873, onde morreu em 31 de dezembro de 1877.

Esta é a Carta aos Artistas de Paris, originalmente publicada em “Le Rappel”, em 19 de março de 1871:

"O desesperado", óleo sobre tela de Gustave Courbet

“Paris, 18 de março de 1871

Meus queridos companheiros artistas,

Vocês me deram a honra, em sua reunião, de me indicar seu presidente. Eu os estou convocando aqui, em nome do comitê que foi designado a auxiliar-me, para reportar-lhes sobre nossas fiscalizações e nossas ações. Aproveitaremos também esse encontro para apresentar diversas idéias que surgiram durante o exercício de nossas atividades, em uma proposta para uma nova reorganização da Administração das Belas Artes, que tem como objetivo promover a Exposição e os interesses das artes e dos artistas.
As administrações anteriores que governaram a França quase destruíram a arte sob sua proteção, ao suprimir sua espontaneidade. Essa abordagem feudal, sustentada por um governo despótico e discricionário, não produziu nada além de arte aristocrática e teocrática, justamente o oposto das tendências modernas, de nossas necessidades, de nossa filosofia, e da revelação do homem manifestando sua individualidade e sua independência física e moral. Hoje, numa época em que a democracia deve reger todas as coisas, seria ilógico a arte, que conduz o mundo, ficar para trás na revolução que está ocorrendo agora na França.
Para alcançar esse objetivo, discutiremos em uma assembléia de artistas os planos, projetos e idéias que nos serão submetidos, no intuito de realizar uma nova reorganização da arte e de seus interesses materiais.
Não há dúvidas que o governo não deve tomar a dianteira em questões públicas, pois não é capaz de carregar em seu interior o espírito de uma nação; consequentemente, qualquer proteção será em si mesma prejudicial. As academias e o Instituto, que apenas promovem a arte convencional e banal, para que sejam julgados por seus integrantes, opõem-se necessária e sistematicamente a novas criações da mente humana e infligem a morte de mártires em todos os homens inventivos e talentosos, em detrimento de uma nação e para a glória de uma tradição e doutrina estéreis.
Vejam, por exemplo, o caso deplorável da École des Beaux-Arts, favorecida e subsidiada pelo governo. Essa escola não apenas desvia nossos jovens, mas nos priva da arte francesa, com suas finas procedências, favorecendo, sobretudo, a tradição túrgida e religiosa italiana, que vai de encontro ao espírito da nossa nação. Essas condições podem apenas perpetuar a arte pela arte e a produção de trabalhos estéreis, sem caráter ou convicção, enquanto nos privam de nossa própria história e espírito sem qualquer compensação.
Portanto, para tomarmos decisões sobre bases mais racionais e mais adequadas aos nossos interesses comuns, no intuito de abolir os privilégios, as falsas distinções que estabelecem entre nós hierarquias perniciosas e ilusórias, é desejável que os artistas (como nas províncias e em todos os países vizinhos) definam seu próprio curso. Deixe que eles determinem como farão as exposições; deixe que definam a composição dos comitês; deixe que obtenham o local onde será a próxima exposição. Isso pode ser resolvido até 15 de maio, pois é urgente que todos os franceses comecem a ajudar o país a se salvar de um imenso cataclismo.
É impossível que qualquer artista não tenha um ou dois trabalhos que ainda não tenham sido exibidos. Para os demais, chamaremos artistas estrangeiros. Excluiremos, certamente, os artistas alemães, mesmo que isso seja contrário aos princípios da descentralização e solidariedade. Mas os alemães, após terem se beneficiado de aquisições francesas e comissões por tanto tempo sem reciprocidade, nos obrigam, por sua traição e espionagem, a tomar tal atitude nesse momento.
O local de encontro será anunciado em breve, bem com o as propostas a serem submetidas aos artistas.
Saudações fraternais,
G. Courbet”

sexta-feira, 25 de março de 2011

Garanto que uma flor nasceu


A FLOR E A NÁUSEA

Carlos Drummond de Andrade

Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.

O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.

Uma flor nasceu na rua!

Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
E soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.


Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.


Façam completo silêncio, paralisem os negócios, 
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.


É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.