sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Alcântara do Maranhão e Marcel Duchamp

Passei 21 dias de férias pela Ilha Rebelde, São Luís do Maranhão, neste final de 2010. E dois dias caminhando entre ruínas históricas e estéticas da bela cidade de Alcântara, primeira capital do Estado do Maranhão. Nessas caminhadas, máquina fotográfica a postos, flagrei esta imagem que poderia ter sido transformada em obra de arte conceitual em qualquer museu de arte contemporânea! Como ninguém teve essa ideia antes??? Professores da FAAP e ECA, tremei! Deve ter um artista conceitual em processo de germinação no Maranhão... (tomara que não!)

E claro, ato contínuo, lembrei da famosa "obra de arte" (entre aspas mesmo!) "A Fonte", que ainda faz tremer os admiradores do criador da arte conceitual, o francês Marcel Duchamp.


Eis aqui a "obra" de Duchamp:
Qualquer semelhança é mera concidência? Claro! Ou pode ser que por uma dessas voltas que a vida dá, algum maranhense tenha achado (e eu concordo com ele) que é melhor uma "Fonte" com conteúdo do que uma "Fonte" vazia... E deu uma utilidade para o objeto: encheu-o de plantas que, vivas e alimentadas pela umidade permanente daquele pedaço do Brasil, falam de vida, de cor, de crescimento, de suavidade, de luminosidade, de embelezamento. Em meio à umidade da terra da Fonte alcantarense, microorganismos, minhocas, insetos e ocasionais borboletas movimentam aquele pequeno cosmos. Além de tudo, mostra a presença humana naquele arranjo em meio a flores e outras plantas que enfeitam a casa de um cidadão sensível à beleza do mundo! E que embeleza a vida dos outros!

A "Fonte" de Duchamp, em revanche, não tem nada. É vazia, descolorida, fria, acéptica... Não diz nada, não quer dizer nada, nunca quis. Quando espertamente Duchamp descobriu que havia gente que comprava aquilo, fez não sei quantas cópias de sua "Fontaine" e saiu vendendo por aí, ganhando seu dinheirinho honesto com a imbecilidade alheia...

Mas talvez a "Fontaine" diga mesmo algo, não sejamos sectários a ela: que o fato de ser tão endeusada ainda nos dias de hoje, talvez ela seja mesmo o reflexo vazio de uma sociedade pós-moderna desiludida com a Beleza do mundo e do homem. Sociedade que fica tentando criar discursos para tentar explicar porque é tão superficial, tão deprimida, tão consumista, tão massificada, e onde o indivíduo se encontra tristemente engolfado nessas malhas que o sistema atual (e sua mídia) pinta com aparências de liberdade... Liberdade? Que liberdade tem hoje o indivíduo, obrigado a pertencer ao status quo sob pena de alijamento e preconceito de todo tipo?

A "Fontaine" de Duchamp representa tudo isso, um penico elevado ao status de Arte, que nem mesmo serve - como diz a música de Zeca Baleiro - para guardar "água da última chuva"...

Acho que preferi aquela Fonte lá de Alcântara!

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Sirenes roucas, apitos aflitos

Tempos de chuva, de inundação, de dias cinzas e entardeceres nebulosos... Sem pessimismo, porque mesmo nesses momentos vale reler poemas densos, como este de Drumond, para inspirar neste entardecer na Paulicéia.

Desenho à lápis, 2008



ANOITECER
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


É a hora em que o sino toca,
mas aqui não há sinos
há somente buzinas,
sirenes roucas, apitos
aflitos, pungentes, trágicos,
uivando escuro segredo;
desta hora tenho medo.

É a hora em que o pássaro volta,
mas de há muito não há pássaros;
só multidões compactas
escorrendo exaustas
como espesso óleo
que impregna o lajedo
desta hora tenho medo.

É a hora do descanso,
mas o descanso vem tarde,
o corpo não pede sono,
depois de tanto rodar;
pede paz-morte-mergulho
no poço mais ermo e quedo;
desta hora tenho medo.

Hora de delicadeza,
gasalho, sombra, silêncio.
Haverá disso no mundo?
É antes a hora dos corvos,
bicando em mim, meu passado,
meu futuro, meu degredo
desta hora, sim, tenho medo. 

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Verdade, Fraternidade e Arte


O Museu Lasar Segall, em São Paulo, inaugurou dia 20 de novembro uma exposição de obras de artistas representativos do Movimento Expressionista Alemão, uma forma de fazer arte contra o racionalismo burguês anti-humanista. Iniciado no final do século XIX, o Expressionismo Alemão alcançou todas as formas de arte, da música à literatura, do cinema às artes plásticas.


Catálogo de uma exposição
de Lasar Segall em alemão
Após 1918, fim da primeira guerra mundial, multidões de alemães foram às ruas, como parte do movimento revolucionário Espartaquista, que derrubou o keiser Guilherme II e instalou uma república democrática. Inspirada na revolução russa de 1917, a revolução alemã era liderada pelos principais líderes do Partido Comunista Alemão Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht. Os comunistas conseguiram controlar a região da Baviera, mas a Revolução Espartaquista acabou sendo sufocada por grupos paramilitares de extrema-direita, os Freikorps, que assassinaram os dois líderes da Liga Espartaquista.


A República instaurada foi transferida para a cidade de Weimar, pois Berlim era um barril de pólvora e o clima naquela cidade beirava o caos. O desemprego era enorme, a fome rondava todas as casas e o medo de sair às ruas era muito grande. Era o período em que a serpente do nazismo estava se formando, como foi muito bem retratado no cinema pelo filme de Ingman Bergman, "O Ovo da Serpente". Eram tempos angustiantes.

Mas mesmo em meio a esse clima, esse foi um período de profunda efervescência cultural. Os artistas buscavam se organizar em movimentos, ligas e associações, com o objetivo de contribuir para uma renovação artística e para uma mudança dos valores da sociedade. Uma desses grupos de artistas ficou conhecido como Secessão de Dresden – Grupo 1919, que reúne artistas que mantinham o mesmo ideal de uma arte interiormente verdadeira e preocupada em expressar os problemas sociais daquele período.

O Estatuto do grupo, fundado em janeiro de 1919, destaca estas palavras de ordem: VERDADE, FRATERNIDADE e ARTE. Esses jovens revolucionários se autoproclamavam “O Futuro”. O grupo inicial foi formado por Peter August Böckstiegel, Otto Dix, Will Heckrott, Otto Lange, Constantin von Mitschke-Collande, Conrad Felixmüller, Otto Schubert, a escultora Gela Forster, o arquiteto e escritor Hugo Zehder, e o alemão que se mudou para o Brasil e teve grande influência no movimento modernista brasileiro, Lasar Segall.

Esse artistas valorizavam muito as artes gráficas, com destaque para a xilogravura e sua função como panfleto de propaganda de suas ideias. Esse Grupo 1919 teve publicações como Menschen (Homens) e Neue Blätter für Kunst und Dichtung (Novas folhas para arte e literatura), onde suas obras são reproduzidas e onde são publicados ensaios críticos sobre arte, sobre cultura e sociedade. Também editaram  o álbum com doze gravuras exibidas nesta mostra do Museu Lasar Segall, e promoveram exposições até mesmo de artistas convidados, como Lyonel Feininger, Eugen Hoffmann, George Grosz e Kurt Schwitters, que também estão nesta exposição em São Paulo.

Mas esse grupo também estava aberto à interlocução com artistas de outros países, como o austríaco Egon Schiele e o russo Marc Chagall. Também usavam como referência e estudo obras e idéias de artistas como Max Pechstein, Karl Schmidt-Rottluff, Paul Klee, Wassily Kandinsky e Käthe Kollwitz, a grande gravadora alemã (leia artigo neste Blog). Todos estão nesta mostra do Museu Lasar Segall.

A lista dos artistas dessa exposição dá uma ideia da importância desse evento artístico: Chaim Soutine, Constantin Von Mitschke-Collande, Egon Schiele, Eugen Hoffmann, George Grosz, Karl Schmidt-Rottluff, Kurt Schwitters, Lyonel Feininger, Marc Chagall, Max Beckmann, Max Pechstein, Otto Dix, Otto Lange, Paul Klee, Peter August Böckstiegel, Walter Jacob, Will Heckrott, além de Lasar Segall e Käthe Kollwitz.

O Expressionismo foi um movimento cultural de vanguarda que cresceu em tempos sórdidos na Alemanha pré-nazista. Suas imagens deformadas eram uma expressão da realidade dura que atingia física e subjetivamente o ser humano daquele país naquele período. Deu primazia à expressão dos sentimentos do artista, muito mais do que à descrição objetiva da realidade, como o protesto mais profundo da alma do artista contra uma sociedade que se arruinava. Não havia como idealizar a realidade, pois a fome, a doença, o desemprego e o abandono dominava a vida do povo. Era uma espécie de realismo às avessas, uma vez que diante de realidade tão cruel a visão se tornava áspera, distorcida, agoniada.

As cores das telas eram violentas e a temática era solidão e miséria. O Expressionismo refletia a amargura que se espalhava entre artistas e intelectuais da Alemanha pré-Primeira Guerra e entre-guerras. A arte produzida por eles mostrava um desejo enorme de transformar a vida, de encontrar novos espaços para a expressão artística. Era uma forma trágica de ver um mundo que desmoronava com as guerras imperialistas. Era de fato um movimento que simbolizava o grito de alma do povo e dos artistas e intelectuais alemães. Esse grito que já tinha começado a se expressar no famoso quadro visionário de Edward Munch, O Grito, pintado em 1893. Munch também foi influenciado pelas idéias do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen, que considerava a arte como uma forma de luta em defesa dos anseios sociais.

Esta importante exposição, portanto, reflete um pouco de todo um período muito rico da história recente da humanidade. Com curadoria de Vera d’Horta, ela estará aberta ao público até o dia 20 de fevereiro de 2011, no Museu Lasar Segall, na Rua Berta, 111, Vila Mariana. A entrada é franca.