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segunda-feira, 30 de junho de 2014

Anders Zorn, o pintor realista sueco



Autorretrato
Anders Leonard Zorn é um pintor de origem sueca, nascido em 18 de fevereiro de 1860. 
Sua pintura a óleo e suas aquarelas são compostas de paisagens sobre a vida no campo, de retratos e nus, e também mostram sua forma especial de representar a água. Ele é, junto com Carl Larsson, o pintor mais popular da Suécia.

Anders Zorn passou sua infância numa fazenda perto da cidade de Mora. Sua família tinha uma vida simples no campo, e isto marcou sua vida e sua obra, como mostram as numerosas obras que descrevem a vida camponesa na Suécia. Ele também fez vários quadros de sua mãe e de sua avó, a quem era muito apegado. Seu pai, Leonhard Zorn, um cervejeiro alemão, conheceu sua mãe durante uma viagem dele à Uppsala. Ela engravidou, mas Anders Zorn jamais viu seu pai. Foi criado pela mãe e avós maternos.

Em 1872, quando seu pai morreu, ele herdou uma pensão em dinheiro que lhe permitiu ir estudar na Academia Real de Belas Artes de Estocolmo. Inicialmente ele aprendeu a técnica da escultura em madeira. Imediatamente ele se interessou pela aquarela e muito cedo ele se tornou um prodígio de aquarelista em meio aos que frequentavam a academia. A sua tela “De luto” foi selecionada, entre outras, para a apresentação anual da Academia.
De luto, Anders Zorn, aquarela, 1880

Insatisfeito com o conservadorismo da Academia de Belas Artes, Anders Zorn a abandona em 1885 e sai em viagem pela Espanha, Paris e Londres. Nesses lugares, ele realiza diversos retratos em aquarela, nas quais chama a atenção para seu domínio técnico.

Casa-se em 1885, na Suécia, com Emma Lamm e viajam juntos para Constantinopla e Alger. Ele sempre observa a água dos mares por onde passava. Depois eles retornam à Suécia, e Zorn constroi uma casa na cidade de Mora, onde nasceu. 

Em 1889, ele foi a Paris participar da Exposição Universal daquele ano, mesmo período em que o Impressionismo começa a ser reconhecido como uma grande forma de pintura. Sua obra passa a ser bastante apreciada na França, para onde ele volta regularmente. Em 1906 ele expõe em Paris 166 quadros, e teve uma grande aceitação por parte de críticos e do público.

Nos últimos anos de sua vida, ele se dedica novamente à escultura e à gravura. Anders Zorn faleceu em Estocolmo, no dia 22 de agosto de 1920.

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Algumas de suas pinturas:






Gravura de Anders Zorn




quarta-feira, 11 de junho de 2014

Vera França modelo vivo

Vera França posando para retrato no ateliê de Maurício Takiguthi
Há mais de 50 anos Vera França, que completa 73 anos de idade este ano, posa como modelo vivo para artistas pintores, escultores, desenhistas. O Ateliê Contraponto está recebendo o “Projeto Vera França Modelo Vivo” idealizado por Jair Diniz, que inclui quatro sessões com a modelo posando, seguida de exposição de trabalhos inspirados em dona Vera. Dia 30 de julho será aberta a exposição com uma homenagem festiva dos artistas paulistanos à sua modelo mais antiga.
A modelo Vera França
Vera França é pernambucana de nascimento, nascida em Afogados da Ingazeira. Um de seus primeiros empregos foi em um parque de diversões em Salvador, Bahia, como bailarina de can-can. Tinha uns 19 anos, diz ela. Um belo dia foi convidada a posar como modelo em uma escola de Belas Artes na capital baiana. Assim começou uma carreira que já dura cerca de 52 anos.
De Salvador, Vera França veio para São Paulo onde, na época, havia uma carência grande de pessoas que posassem para os artistas. Chegou aqui em abril de 1966 e foi morar no quarto de empregada do apartamento do artista Flávio de Carvalho. Ajudava na casa e posava para ele, que na época morava na avenida Ipiranga. Através dele, foi apresentada a diversos outros artistas e com isso sua carreira como modelo vivo foi crescendo. Foi com esta profissão que Vera criou suas duas filhas e hoje ajuda a criar seus netos.
As sessões com modelo vivo são fundamentais para qualquer pessoa que desenha, pinta, grava, esculpe. Artistas plásticos, designers, ilustradores, sketchers, gravadores e escultores sabem o quanto é importante o estudo da anatomia do corpo humano, o estudo dos movimentos, do gestual, das direções, das proporções, para sua evolução individual nas artes visuais. São momentos ricos de aprendizado e por isso é tão importante que existam modelos como Vera França.
Auguste Rodin trabalhando em seu ateliê
Por isso, tantos artistas ao longo da história devem tanto a essas pessoas que se dispõem a posar para eles! Podemos afirmar que grande parte das obras de arte que conhecemos deve-se a estas inúmeras pessoas que se postaram quietos – ou em movimento – à frente de cavaletes e mesas de trabalho dos artistas.
Lucien Freud, por exemplo, quase nunca pintava sem um modelo vivo à sua frente, assim como Auguste Rodin, o escultor. Caravaggio, para a grande maioria de seus quadros, teve modelos, entre seus conhecidos, posando para ele. John Singer Sargent, Joaquin Sorolla, Diego Velázquez, Degas, Gustave Courbet – a lista é imensa! – construíram grandes obras de arte a partir do estudo do corpo de modelos que posaram para eles. Podemos afirmar que nenhum grande artista pode abdicar da prática do desenho ou pintura com modelo vivo.
Desenhar, esculpir ou pintar uma pessoa posando amplia altamente o repertório pessoal do artista com traços, com massas, com valores, com tonalidades, com espaços, com proporções, com gestos, com expressão.
Por isso é tão importante essa homenagem a Vera França, que já possou para inúmeros artistas, ateliês, faculdades de arte. Ela já possou na Pinacoteca, no Centro Cultural, no Sesc. Desde 1966 vem ajudando artistas em seu trabalho de criação e em seus estudos.
No Ateliê Contraponto serão feitas quatro sessões de modelo vivo, com Vera França posando. Em seguida, no dia 30 de julho, haverá a abertura da exposição de trabalhos produzidos a partir dessas poses. Os artistas também farão uma homenagem a esta senhora de 72 anos que é parte viva do trabalho artístico com modelos vivos produzido em São Paulo há mais de 50 anos.
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A programação no Ateliê Contraponto é esta:

- hoje, dia 11 primeira sessão de modelo vivo com dona Vera
- dia 25 de junho, segunda sessão
- 19 e 26 de julho - sábados - sessões de modelo vivo
- dia 30 de junho - abertura da exposição de trabalhos com o tema "Vera França" e homenagem festiva à modelo.

Para participar desta homenagem, basta se inscrever pelo e-mail contato@ateliecontraponto.com.br

Cena do filme "L'artiste et sont modèle", de Fernando Trueba, produção França e Espanha, 2013

segunda-feira, 2 de junho de 2014

O resgate dos valores humanos

Maurício Takiguthi expôs na Galeria Contraponto
Maurício Takiguthi inaugurou o Ateliê e Galeria Contraponto em São Paulo, em março passado, com uma exposição de seus trabalhos de pintura mais recentes. Extremamente dedicado a seu ofício, Takiguthi impressiona não só pela qualidade de sua obra, mas também pela profundidade de seu pensamento. Conversar com ele é um exercício que sempre desafia os mais desatentos a um esforço de concentração um pouco maior do que se precisa para desencadear um diálogo comum. Porque ele “pensa” seu trabalho.

Maurício Takiguthi
Mais uma vez entrevistei esse pintor que tem uma escola aqui em São Paulo, o Ateliê de Arte Realista. Há dez anos atrás, Maurício Takiguthi estava quase sozinho em sua teimosia de ensinar as técnicas da arte figurativa. Dez anos depois já podemos contar com pelo menos meia dúzia de ateliês figurativos em São Paulo, com dezenas de praticantes, entre estudantes e artistas. O mais recentes destes ateliês que por aqui surgiram é o Ateliê Contraponto, do qual faço parte com mais três colegas.

Mas voltemos à nossa conversa com Takiguthi, que tanto insiste no resgate do conhecimento e da tradição, na busca do auto-aperfeiçoamento do artista como um caminho solitário mas comprometido com o que há de mais profundo no conhecimento do próprio ofício. Tudo isto, diz ele, para resgatar valores mais humanistas.

Maurício diz que desde que começou sua formação e seu trabalho como pintor, há uns 28 anos, ainda se mantém basicamente como a mesma pessoa que se coloca diante do mundo como aprendiz: vivendo “cheio de dúvidas, questões, e instigado pela curiosidade de querer entender o que os mestres viam”. Mas acrescenta que não há como medir a plausibilidade deste tipo de desejo, desta ambição. Nunca podemos saber aonde nossos desejos nos levam, mas serve como um motor que nos move e que move o pintor Maurício Takiguthi até hoje “depois de 28 anos de estrada”.

“Continuo insistindo em obter respostas, acrescenta ele. Porque continuo frustrado boa parte do tempo por não tê-las. Porque continuo ‘apanhando’ e, mais importante, porque continuo sentindo tesão pelo realismo que me instiga na esperança de um dia ter acesso”.

Ter acesso ao que?

Aqui podemos buscar apoio no pensamento do filósofo alemão Friedrich Wilhelm von Schelling (1775-1854), que em seu texto “A relação das artes plásticas com a natureza” mostra como o olhar do artista, penetrando no Real, enxerga o mundo através da sua essência, que é acessível ao nosso espírito (mente). E Schelling adverte que aquele que apenas enxerga do mundo a sua casca, a sua superfície, a ele “jamais será facultado atingir o processo profundo”. Enquanto que para o artista que tem consciência de si e de seu papel, sabe o caminho para desvendar as aparências que muitas vezes a realidade toma. Diz Schelling: “Antes de mais nada, a natureza vem ao nosso encontro de modo hermético e sob uma forma mais ou menos rígida. Assemelha-se à beleza sóbria e serena que não chama a atenção por meio de sinais gritantes e nem atrai o olhar vulgar. Como podemos fundir, digamos, do ponto de vista espiritual, aquela forma aparentemente rígida a fim de que a força mais clamorosa das coisas flua juntamente com a força de nosso espírito, transformando-as num só molde? Temos que ultrapassar a forma, para, aí então, readquiri-la como algo inteligível, vívido e verdadeiramente sentido. (grifo meu)

"Ensimesmado I", Takiguthi,
óleo sobre tela
Todos os grandes artistas, desde os da pintura, passando pela literatura, pelo teatro e pela música alcançaram o cerne, a essência do mundo, criando obras seminais que se sobrepõem à nossa concepção de tempo; obras que emocionam pessoas que estão separadas de seus criadores por séculos de distância, que permanecem encantando, gerando pensamentos, inspirando.

E intrigando. Qual é o processo profundo, qual é o caminho que nos leva a este mergulho do qual retornamos como criadores?

Não é uma resposta fácil. Mas um caminho possível é o exercício do ofício ao qual cada um se propôs e é isso o que diariamente Takiguthi ensina a seus alunos. Por sua origem japonesa, ele se reporta muitas vezes aos ensinamentos zen-budistas que dizem que “a prática é que é expressiva”.

“Desse ponto de vista, diz ele, somos algo a partir do que fazemos e não do que dizemos ou acreditamos”. Por isso fica difícil criar qualquer adjetivo que qualifique o sujeito, pois no momento em que uma pessoa se dá uma denominação, por exemplo se chama a si próprio de “artista”, isso cria, segundo Maurício, uma predisposição a que “as palavras comecem a substituir ilusoriamente o que fazemos, obscurecendo a realidade dos fatos e a visão sobre nós mesmos”.

"Ensimesmado V", Takiguthi,
óleo sobre tela
Ou seja: a ideia é fazer ao contrário do que se faz atualmente, onde o poder do discurso é imenso, mas a prática é subestimada. Nas artes contemporâneas, antes da obra há uma retórica altamente hermética sobre ela, o discurso substituindo a coisa concreta. Se sobrepõe o mundo do idealismo mental contra o contato direto com a realidade. O ofício do artista acontecendo prioritariamente no mundo da mente, gerando nebulosidades que, como bem diz o poeta Affonso Romano de Sant’Anna, fazem com que as artes visuais atuais possam melhor ser interpretadas do ponto de vista da psicanálise.

Mas a prática concreta é mais enfática do que qualquer discurso. “Faz sentido, acrescenta Maurício, pois “se somos honestos é porque praticamos atos honestos e não simplesmente porque dizemos aos outros ou temos essa ideia sobre nós mesmos... E em geral a pessoa que se preocupa demais em se autodefinir ou falar de suas qualidades pessoais é que provavelmente está mais ocupada em convencer-se ou convencer ao outro – pela retórica, e não por atos concretos. Pode servir como marketing pessoal, mas não como autoaperfeiçoamento”.

Por isso a “leitura da ação” diz mais do que a definição verbal.

Neste ponto, pergunto a Takiguthi a respeito da temática de sua pintura atual. As figuras que ele pinta são fortes, parecem habitar um lugar entre a vida e a morte, com gestos dramáticos, olhares densos; figuras que parecem nos apontar nossos próprios medos, nos defrontando incomodamente. Ao mesmo tempo, os traços são fluidos, gestuais, gerando movimentos em ondas que parecem todo o tempo nos levar para dentro dos abismos dessas figuras.

Ateliê e Galeria Contraponto
“Diferentemente do que se associa a um realista, eu procuro não ficar na mera imitação da natureza ou atingir qualidades ‘fotográficas’. Não sou adepto da ideia de que o melhor propósito de uma pintura é de parecer com uma fotografia. Quero registrar na tela a minha percepção interna da natureza humana ou, mais relevante para mim, conseguir visualizar minha realidade interior. Muito disso se passa pelo diálogo silencioso com o que faço: a partir da imersão no processo que nem sempre é fácil, dadas as grandes distrações da vida numa metrópole, procuro me debruçar sobre questões intrínsecas da pintura e do desenho.”

Os fundamentos conceituais, os instrumentos técnicos, a prática e a estrutura mental se fundem e combinam num todo complexo e se tornam elementos com os quais ele trabalha para recriar o que ele chama de “etéreo”, que evidencie um certo estado de espírito, ou sensação. “Talvez este seja o resumo do tema da minha vida como pintor: ter a ambição impossível de traduzir essa qualidade invisível por meio de asserções visuais no campo do indizível”.

Ou seja, Takiguthi parece buscar expressar aquele lugar onde o reino das palavras não existe. Resta a sensação, a contemplação, a absorção da alma do artista em contato com a alma do observador, criando um uníssono impossível de traduzir em palavras, porque faz parte daquele espaço onde navega toda a subjetividade humana. Este também é o papel da arte: produzir essa conexão entre o Real e o artista que traduz pictoricamente o que vivenciou, alcançando um timbre possível de ser compreendido por outro ser humano.

- Que relação há entre o que você pinta hoje e o tempo contemporâneo, Maurício? Pergunto a ele.

“Se está falando do tempo contemporâneo enquanto relação entre a postura tradicional e o status quo com sua lógica pós-moderna, que tem a arte como entretenimento, barulho, escândalo ou transgressão... nenhuma!” diz ele. Maurício Takiguthi insiste em se voltar para a arte tradicional que para ele é sinônimo de conhecimento, do caminho solitário do mestre em busca da construção, do sentido dos valores permanentes do ser humano, do resgate da contemplação da arte, da observação seletiva baseada em critérios. Daí sua crítica de que hoje não há espaço para isso, em especial aqui no Brasil.

"Letárgico I", Takiguthi,
óleo sobre tela
Takiguthi explica que o tempo contemporâneo impõe um fluxo interminável de informações, de imediatismo pragmático que força as pessoas a produzir “num ritmo ansioso e alucinado” do qual é difícil escapar. “O que pode ser feito é minimizar seus efeitos pela consciência dessa forte influência quase arrasadora, dada a impossibilidade de o indivíduo simplesmente descolar-se social e culturalmente dessas imposições”, acrescenta.

Mas diz também que a pintura pode desempenhar esse papel que ele chama de “campo de respiro” em outro tipo de ar. “Não o ar viciado e barulhento que exige aceitação acéfala das regras, mas um ar onde o tempo transcorre de maneira diferente, mais desacelerada. Onde o ar, ao invés de ser estritamente racional, calculista, mecânico, previsível, vinculado fortemente às demandas da utilidade, pode assumir uma dimensão intuitiva, voltada para a introspecção e contemplação das coisas visíveis e invisíveis”.

Ele afirma que essa mudança de perspectiva na relação com o tempo e “o deslocamento para estados mentais mais sensoriais”, apazigua o espírito, amplia a sensibilidade. É uma proposta a uma resistência ao modus operandi exigido pela sociedade atual, que exige do ser humano coisas além da sua capacidade, física e mental. Me pergunto se não seria por isso que hoje temos uma sociedade onde se usa tanto remédio para depressão e se faz uso de tantos narcóticos? Esse deslocamento da prioridade aos valores humanos em prol da produção e do consumo não está criando uma sociedade doente, com indivíduos massacrados diariamente em busca da sobrevivência? O esvaziamento de símbolos universais, o corte radical com a tradição histórica perpetrado inclusive por artistas ditos modernos e contemporâneos não estaria nos distanciando cada vez mais de nós mesmos, dos nossos sonhos, da nossa capacidade de criadores do mundo?

Talvez isso dependa da busca novamente do que é essencial, do que não é óbvio atualmente, “das qualidades perenes, universais, que demandam tempo e maturidade para poder visualizar e compreender”, complementa Maurício.

"O louco", Takiguthi,
óleo sobre tela
Neste ponto da conversa, relembro um diálogo que aconteceu entre nós e outros amigos, num sábado à noite no Ateliê Contraponto, quando Maurício disse que está abdicando da possibilidade de ser chamado de “artista”. Aquilo me interessou e logo quis saber o motivo. Takiguthi respondeu:

- “Já faz um tempo que venho constatando a existência de um patrulhamento ideológico, forte mas implícito, em torno das exigências para que uma pessoa seja considerada um artista: que deva estar “antenada” na busca pela próxima tendência (como na moda) - perdendo, assim, a conexão com sua busca interna; que deva ignorar as habilidades do seu campo de atuação (que significa conhecimento prático e técnico); que faça prevalecer a habilidade retórica de convencer o outro de que o que faz é arte, em detrimento do conhecimento em profundidade que lhe permita pensar o que faz ou fazer o que pensa; entre outras. Este patrulhamento serve fundamentalmente para tornar oficial o monopólio da verdade e manter a posse da “aura” artística, tão importante numa sociedade sufocadamente racional”.

Hoje qualquer um pode, ou quer, se dizer “artista”. Mas raríssimos são aqueles que preferem praticar seu ofício, no suor do dia a dia sobre a mesa de desenho, frente ao cavalete, questionando, buscando aprender cada vez mais, se aperfeiçoando como o Demiurgo de Platão, o Grande Artesão, cujo próprio significado está naquele que trabalha, no artífice, no operário manual. Demiurgo, palavra grega que vem de duas outras: demios, significando “o povo” e ourgos, que significa “trabalhador”, aquele que trabalha para que outros aproveitem do produto do seu trabalho em muitas formas.

A atriz Fernanda Montenegro
Fernanda Montenegro, a conhecida atriz brasileira, numa entrevista recente a um canal de televisão ilustrou bem o que o Maurício fala sobre a prática do “ofício”. Disse ela que as pessoas “confundem teatro com liberdades, até com licenciosidades, com realização de sua opção sexual, com glórias, paetês, retrato no jornal, riqueza…” Hoje em dia a deformação já surge, diz ela, nas famosas “celebridades”. E completa: “Todo mundo vira artista hoje em dia, todo mundo pode ser artista… Mas ator não é todo mundo que pode ser!” Ela sugere aos que desejam a glória de ser ator, que desistam, que vão fazer outra coisa da vida. A não ser que se “ficar em tal desassossego que não tem nem como dormir se ficar sem aquilo” então deve tentar. Mas se não houver esse distanciamento em relação ao deslumbramento que hoje a palavra “artista” causa em qualquer um, ela simplesmente solta: “Não é do ramo!”

Pois os que são do “ramo” conhecem a delícia e a dor da prática diária, silenciosa, profunda do ofício. Os que são do “ramo” não projetam nada no futuro, se dispõem unicamente ao aperfeiçoamento de si mesmos como artesãos, seja no teatro, na literatura, na música… e na pintura.

Mas o problema é que o artista de hoje aceita, acrescenta Takiguthi. “Apesar de aparentemente pregar a transgressão como estilo de vida, está mais desesperado em se enquadrar e ser cooptado pelo sistema. Sob a lógica atual, faz de tudo para chocar/entreter o espectador para poder existir artisticamente. Cultua o ego ao tentar virar celebridade, abre mão do comprometimento sincero com a obra, para transformá-la numa extensão do próprio umbigo e vitrine de si mesmo. Defende verborragicamente a todo custo a auto-imagem que cria de si como artista/celebridade, por uma via afetada, ególatra e arrogante. Caça desesperada e exclusivamente a fama, a reputação e os interesses mercadológicos. O seu foco concentra-se nos aspectos extrínsecos à sua prática e, certamente, quer ser maior do que faz”.

"Genealogia", Takiguthi,
óleo sobre tela
Foi num dia em que refletia sobre isso que Maurício Takiguthi se viu “esgotado” com esse estado de coisas. Ao ver como a palavra “Arte” se encontra atualmente tão contaminada - assim como outras palavras - é que ele recorreu a uma frase de uma música de Raul Seixas e decretou para si mesmo: “Pára este mundo que eu quero descer!”

Com isto, ele disse que prefere simplesmente seguir outro caminho aonde possa se manter fiel ao ofício do pintor e desenhista realista. Isto como reação contra a busca do reconhecimento, da autorização “do outro” para o que faz, “autorização” dada hoje somente por instituições artísticas, legitimadores da arte como críticos, curadores e senhores do mercado de arte. Ele prefere exercer seu ofício solitário “com simplicidade, leveza, serenidade e liberdade, sem idealizações ou ideologias descartáveis”.

Essa busca, esse retorno à ideia de “ofício” para Maurício Takiguthi é a reafirmação do compromisso harmonioso e silencioso com o processo do trabalho. E complementa:

- “É materializar uma inversão radical nos valores: no lugar da “aura”, a realidade concreta do cotidiano; no lugar do glamour, o trabalho árduo; no lugar da retórica, a sinceridade e a sensibilidade para algo existente.  Enfim, é só isso que eu desejo ardentemente hoje em dia: quero respeitar meu ofício, reverenciar a prática, dedicar toda a atenção e energia aos seus elementos intrínsecos para compreender a sua essência, sob o rigor da excelência”.

Voltando-se para seu ofício, o artesão escuta, vê melhor o que faz e o que vê. Estabelece “uma interação sensível com um mundo complexo e infinito, onde pequenas revelações e insights cotidianos fazem muito sentido”, finaliza ele.

"Cárcere", Takiguthi,
óleo sobre tela

segunda-feira, 31 de março de 2014

Delacroix, o mais legítimo dos filhos de Shakespeare

Autorretrato de Eugène Delacroix como Hamlet.
Junto com a celebração de 450 anos do nascimento de William Shakespeare, o Museu Delacroix, em Paris, expõe obras de Eugène Delacroix, numa mostra intitulada “Delacroix, o mais legítimo dos filhos de Shakespeare”. A exposição vai do dia 26 de março até 31 de julho de 2014.
“Selvagem contemplador da natureza humana”, segundo as palavas de Delacroix, Shakespeare teve um lugar particular na criação do artista. Por isso, o Museu Delacroix está apresentando pela primeira vez um conjunto de litogravuras da série “Hamlet”, assim como as pedras onde Delacroix desenhou seus originais.
"Hamlet e Horacio diante dos coveiros",
litogravura de Delacroix
Pintor culto, grande leitor de literatura, Eugène Delacroix também era um assíduo frequentador do teatro. Entre os anos 1820-1830, quando houve um renascimento da cena teatral em Paris, Delacroix, além de frequentar as peças, também passou a estudar as novas teorias que surgiam em relação ao papel do ator. Novas peças de Diderot foram encenadas. Em seu jornal, Delacroix não deixa de comparar as habilidades do ator com aquelas do pintor: “A execução na pintura deve sempre considerar a improvisação, e aqui está um ponto de convergência com o que faz um ator no teatro”.
Em setembro de 1827, o jovem Delacroix assiste a uma das representações da peça “Hamlet” no teatro Odeon, onde a célebre atriz inglesa Harriet Smithson fez o papel de Ophelia, e deixou o público francês impressionado com sua representação. Ele tinha acabado de chegar de uma viagem de Londres junto em visita a seus amigos pintores Thales e Newton Fielding.
A morte de Polonius, Ato III, Cena IV,
litogravura de Delacroix
O fascínio de Delacroix pela figura de Hamlet, um príncipe sensível e atormentado, foi profunda. Desde o começo dos anos 1830 ele tinha tido a ideia de consagrar a este personagem da peça de Shakespeare uma série de litogravuras, como o fez para ilustrar a tradução francesa do “Fausto” de Goethe em 1827.
Então o Museu Delacroix está trazendo ao público a oportunidade de ver de perto o conjunto de pedras litográficas desenhadas pelo artista, assim como as pranchas impressas por ele. Neste ano de 2014 se completam 450 anos do nascimento de William Shakespeare e esse museu celebra, desta forma, esta efeméride tão importante para o mundo do teatro e da literatura. As obras de Delacroix expostas desta vez raramente têm sido expostas.
"Romeu e Julieta no túmulo dos Capuleto", pintura de Delacroix

sexta-feira, 7 de março de 2014

Uma trilha sonora para o inferno?

Jardim das Delícias, Hieronymus Bosch, 1503-1504, Museu do Prado, Madrid, Espanha


Retrato de Hieronymus Bosch,
anônimo, pintado por volta de 1575
Hieronymus Bosch, célebre pintor do Renascimento, tem sido citado diversas vezes nos últimos dias depois que uma estudante da Universidade Cristã de Oklahoma, EUA, resolveu decifrar as notas musicais que o pintor inscreveu na bunda de uma de suas figuras contidas no célebre quadro “Jardim das Delícias”.

Amelia Hamrick (nome da estudante) resolveu analisar o tríptico pintado por Bosch e viu que em uma das figuras dispostas no local onde seria o “inferno” havia uma inscrição de notas musicais. Ela resolveu transcrever essas notas e tocá-las para ver o resultado, que pode ser ouvido num vídeo divulgado no Youtube (veja abaixo).


Detalhe do "Jardim das Delícias"
Curiosidades e brincadeiras à parte, o pintor que teria pensado numa música para o reino de Hades, era muito sério. Este quadro - “Jardim das Delícias” - se encontra no acervo do Museu do Prado em Madrid. Foi pintado em 1504 e descreve a história da criação e os reinos dos céus e dos infernos. Mas essa pintura também representa simbolicamente as angústias e superstições das pessoas que viviam na mesma época do pintor holandês. Ele é o maior dos quadros pintados por Bosch e o mais intrigante. É composto de três partes, por isso chamado de tríptico.


Ampliação do detalhe
A primeira parte representa o Paraíso, expresso em cores claras em tons de verde, azul, amarelo e ocre. Tudo parece tranquilo, harmonioso. A parte central é uma verdadeira explosão de cores vivas e de figuras nuas, parecendo mostrar um paraíso um pouco mais voluptuoso. Na terceira parte do tríptico, as cores são mais escuras como preto, azul escuro e cinza, e diversos instrumentos musicais surgem como se fossem instrumentos de tortura, em meio a cenas de crimes, de guerras e de incêndio, a própria imagem do caos. Numa das figurinhas que se encontram embaixo de uma espécie de violoncelo e de uma harpa, Bosch tatuou em sua bunda uma anotação musical.

Vamos ver quem foi esse pintor que há 600 anos apresentava uma pintura tão intrigante.

Seu nome verdadeiro era Jeroen Anthonissen van Aeken e nasceu em 1450 na Holanda, num lugar chamado Hertogenbosch, numa família modesta, cujo pai e avô foram também pintores. Quase todos os membros de sua família foram pintores, incluindo seu irmão mais velho Goessen. Por isso acredita-se que ele tenha recebido sua formação no próprio estúdio do pai ou do avô.


"Julgamento", 1476-1516
Mas Bosch se casou com uma moça da rica aristocracia em 1478, e por causa disso foi aceito como “membro notável” da Confraria de Nossa Senhora, uma sociedade religiosa fundada em 1318, que era dedicada ao culto da Virgem Maria. Bosch vivia então uma vida tranquila, entre sua casa, seu ateliê e a Confraria. Logo seu nome passou a ser conhecido longe de sua terra natal.

Desde 1490 ele passou a assinar seus quadros como “Hieronymus Bosch”, sendo que o “Bosch” seria uma referência à sua terra de nascimento, Hertogenbosch.

A partir de suas leituras da Bíblia e dentro da atmosfera de misticismo que reinava em toda a Idade Média, Bosch abandonou a iconografia tradicional desde o começo de sua pintura para buscar representar coisas que seriam “sacrílegas” e pecaminosas. A danação infernal era um tema de grande inspiração para ele. Mas tudo se misturava, céus e infernos, e ele também não deixou de satirizar a moral da época. Bosch parecia se preocupar com a ideia da condenação eterna para a humanidade que vivia em pecado. Além do “Jardim das Delícias”, onde ele pintou o inferno, fez também o “Os sete pecados capitais” entre 1475-1480.


"Dois monstros", desenho feito por Bosch
com pena e tinta marrona sobre papel
No começo do século XVI, Hieronymus Bosch fez uma viagem à cidade italiana de Veneza, que lhe influencia no sentido de passar a pintar quadros com mais espaços e paisagens, que ele inseriu em suas telas representando a vida de santos. Por volta de 1510 havia surgido uma nova forma de pintar figuras nos quadros: aquelas que apareciam com somente a metade dos corpos, inclusive em primeiro plano.

O estilo de Bosch é basicamente caracterizado por apresentar personagens caricaturizados e figuras que pertenciam ao repertório imaginativo da Idade Média. Seu estilo foi imitado depois por vários artistas, incluindo Pieter Brueghel, o Velho, além de ter influenciado até mesmo a pintura expressionista do começo do século XX, assim como os surrealistas.

Por outro lado, pintores alemães como Martin Schongauer, Matthias Grünewald e Albrecht Dürer influenciaram a obra de Bosch.

Além de sua religiosidade voltada ao culto de Maria, especula-se também que ele teria participado de seitas que se dedicavam à prática do ocultismo. Mas não se tem prova disso porque pouco se conhece sobre sua vida. Mas em alguns de seus quadros se encontram símbolos ligados à alquimia, assim como cenas que parecem ter sido retiradas de seus sonhos ou pesadelos. Vale lembrar também que o ano de 1500 representava para as pessoas do século XV o ano do fim do mundo, quando a besta do Apocalipse seria solta sobre a terra e Deus iria julgar os bons e os maus, enviando estes últimos para queimar eternamente nas chamas do inferno.

O Museu do Prado possui a maior coleção das pinturas de Bosch, pelo fato do rei Filipe II da Espanha ter sido um ávido admirador e colecionador de obras do pintor holandês. Isso é muito curioso, pois parece combinar muito com a cultura e o espírito espanhol que gerou um Miguel de Cervantes e artistas como Francisco Goya, El Greco e mesmo Salvador Dali. No Prado podem ser encontradas obras como “O carro de feno”, “O jardim das Delícias”, “Os sete pecados capitais”. Em nosso Masp - Museu de Arte de São Paulo - podemos ver um suposto estudo seu para o quadro “As tentações de Santo Antão”, cujo original se encontra em Lisboa, no Museu Nacional de Arte Antiga. Na Espanha, Bosch é também conhecido como “El Bosco”.

Bosch entrou para a história como “criador de demônios” e pintor satírico. Mas sua importância é particularmente importante por ter inovado a pintura de seu tempo, criando novas composições.

Hieronymus Bosch morreu em agosto de 1516.


"As tentações de Santo Antão", Bosch, óleo sobre madeira, entre 1495-1515


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Ouça a música "copiada" por Amelia Hamrick:


terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Modelo Vivo no Ateliê Contraponto

"Ateliê do artista", Gustave Courbet, 1855, 361 x 598 cm

As sessões com modelo vivo são fundamentais para qualquer pessoa que desenha, pinta, grava, esculpe. Artistas plásticos, designers, ilustradores, sketchers, gravadores e escultores sabem o quanto é importante o estudo da anatomia do corpo humano, o estudo dos movimentos, do gestual, das direções, das proporções, para sua evolução individual nas artes visuais. São momentos ricos de aprendizado.


Uma sessão com modelo vivo, na Grande Chaumière
Numa sessão com modelo vivo, nós fazemos desenhos de observação a partir de poses curtas (com 30 segundos a 2 minutos de duração por exemplo) ou poses mais longas com até meia hora de duração. Para isso, os modelos precisam estar bem alongados, pois ficar na mesma posição por meia hora, 40 minutos, não é coisa muito fácil. O trabalho, para os modelos, exige muito de seu corpo físico, além de muita concentração.

Por isso, tantos artistas ao longo da história devem tanto a essas pessoas que se dispõem a posar para eles! Podemos afirmar que grande parte das obras de arte que conhecemos deve-se a estes inúmeros anônimos que se postaram quietos - ou em movimento - à frente dos cavaletes e mesas de trabalho dos artistas. Lucien Freud, por exemplo, quase nunca pintava sem um modelo vivo à sua frente. Caravaggio, para a grande maioria de seus quadros, teve modelos entre seus amigos e amantes posando para ele. John Singer Sargent, Joaquin Sorolla, Diego Velázquez, Degas, Gustave Courbet - a lista é imensa! - construíram grandes obras de arte a partir do estudo do corpo de pessoas que posaram para eles. Podemos afirmar que nenhum grande artista pode abdicar da prática do desenho ou pintura com modelo vivo.

Sessão com modelo vivo no Ateliê de
Maurício Takiguthi, nov.2013 - à esquerda
Marcia Agostini, Mazé Leite e Sarita Genovez.
Para nós, artistas, essa prática é tão intensa quanto para os modelos. Nas poses curtas, por exemplo, que servem como aquecimento e como forma de parar o pensamento para ver, e desenhar o mínimo necessário, a mão pode ficar dura, o braço trava, a mente se perde. Por isso é bom estar relaxado, solto. Respirar ajuda muito a relaxar. O segredo é não se deixar travar, e seguir desenhando. Observando e colocando no papel (ou outro tipo de suporte) o que vejo no modelo.

Essa questão de saber quanto tempo teremos para uma pose é importante para que possamos medir nosso trabalho, até onde podemos chegar. Também serve para que possamos ir calibrando nosso ritmo de acordo com o tempo que temos. É importante evitar, no meio do desenho de uma pose, fazer uma pausa ou interromper o trabalho prematuramente, para evitar que essas atitudes de negligência nos retirem o foco ou nos levem a cometer algum tipo de erro.

Em geral, quando iniciamos no desenho com modelo vivo fazemos traços hesitantes, lentamente, com medo de riscar a folha de papel… É assim mesmo no início, para todo mundo. Mas devemos nos esforçar para, ao contrário, não hesitar em fazer traços gestuais mesmo que mais leves, que poderão ser mais marcados em seguida. A pessoa pode fazer traços menos precisos no começo, porque a precisão, a segurança e a firmeza se adquire com a prática. Com a prática, alcançamos os desenhos mais simples, mais concisos, mais soltos. Com a prática nos tornamos mestres. Só com a prática! Nenhum mestre nasce feito, nem de nascimento, nem de "feito na faculdade". A melhor escola é a prática diária, a vida! 

Desenhar não é um ato que se faz só com a mão, mas com todo o braço, todo o ombro, todo o corpo, no final das contas. Todo o nosso ser deve estar envolvido com aquilo que fazemos. 

Desenhar um modelo que está vivo à nossa frente amplia altamente nosso repertório pessoal com traços, com massas, com valores, com tonalidades, com ar, com espaços, com proporções, com gestos, com expressão.

Venha participar das sessões com Modelo Vivo no Ateliê Contraponto!

Serviço:
20 de fevereiro - 5ª feira
das 19h às 21h

ATELIÊ CONTRAPONTO
Travessa Dona Paula, 111 - Consolação
a 5 minutos a pé do Metrô Paulista
COMO CHEGAR


Detalhe da sala para a prática com Modelo Vivo,
na Académie de la Grande Chaumière - Paris, 2011