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terça-feira, 24 de novembro de 2015

O pintor russo Valentin Serov

Cavalos na praia, Valentin Serov
Autorretrato, Valentin Serov, 1885
O Museu Estatal Tretyakov de Moscou, Rússia, está apresentando uma importante exposição da obra do pintor russo Valentin Serov, marcando os 150 anos de seu nascimento. A mostra foi inaugurada no último 7 de outubro e se encerrará em 17 de janeiro de 2016. Serov é considerado um pintor realista, formado na escola clássica da pintura europeia, e no final de sua vida se aproximou das linguagens contemporâneas. Sem abandonar o figurativismo.

Esta retrospectiva das melhores pinturas e desenhos de Serov ocupam três andares da galeria. A exposição ajuda a mostrar a grande variedade do patrimônio criativo do mestre, não só através de seus retratos famosos, mas também com suas pinturas de paisagens e arte monumental, que foram gradualmente negligenciadas pelos pesquisadores das artes.

Valentin Aleksandrovich Serov nasceu em São Petersburgo em 19 de janeiro de 1865. Filho do compositor russo Aleksandr Serov e de Valentina Bergman, também compositora, que vinha de famílias de origem alemã e inglesa. 

A infância de Serov se passou dentro do meio artístico em que viviam seus pais, ambos músicos. Seu pai, Aleksandr Serov, era também conhecido na época, além de compositor, como crítico musical. Tinha 43 anos quando se casou com sua aluna de 17 anos de idade, Valentina Bergman, com quem teve seu único filho Valentin Serov. Sua casa sempre estava cheia de convidados, entre músicos e estudantes de música. Lá se discutiam as ideias de liberdade e igualdade, defendidas pelo teórico Tchernichévski. O pai músico tinha amigos intelectuais como Turgeniev, além de artistas da música e da pintura. Discutia-se muito a política da época e as ideias que se iam fermentando e que depois confluiram para a revolução russa do começo do século XX.
Retrato de S.M. Dragomirovoy, Serov,1889

Após a morte de seu pai (Valentin tinha seis anos de idade), a vida de Serov mudou. Sua mãe tinha paixão pela música e pelas atividades sociais ligadas a ela. Em 1872 sua mãe resolve mudar-se para Munique, na Alemanha, onde Valentin teve suas primeiras lições de desenho com Carl Kepping, conhecido gravador e ceramista. Vendo que o filho possuía grande talento para o desenho, mudou-se com ele para Paris, onde já vivia então Ilya Repin, o artista de quem ela já conhecia a fama, por causa de seu quadro “Os barqueiros do Volga” (leia aqui). Era 1874 e Valentin foi estudar com Ilya Repin. Seu único entretentimento eram as aulas com o mestre e os desenhos que fazia de forma independente.

Em 1875 mãe e filho retornaram à Rússia. Em 1876 mudaram-se para Kiev. Valentina Bergman não conseguia ficar parada e a vida nômade para Serov continuou. Em 1878, ele retomou suas aulas sistemáticas com Ilya Repin, que havia voltado também para Moscou. Para Serov, Repin era quase um membro da família e acompanha seu desenvolvimento em todos os aspectos. 

Retrato do escritor Maxim Gorky, Serov 
Se inscreveu na Academia de Belas Artes em 1880, que deixou em 1885, pedindo licença "para tratar a saúde”. Em suas memórias Valentin se dizia cansado da Academia. O que o incomodava? Tudo! “As paredes aqui, os corredores ..." Ele tinha desejado entrar para a Academia com a intenção de estudar com Pavel Chistyakov. Mas o seu método de ensino era bruto: zombava dos alunos, lhes chamava de impotentes, de infantis, fazendo críticas impiedosas todo o tempo. Mas Serov se submeteu ao tratamento dado por Chistyakov, pois sua opinião valia mais para ele ainda que a de Repin. Por seu lado, Chistyakov gostava de Serov e tinha orgulho dele. Foi este professor quem primeiro lhe abriu os tesouros do museu Hermitage e que lhe falou sobre a necessidade de estudar os antigos mestres. 

Em 1885 faz uma viagem a Munique e Holanda. Em Munique, Serov estuda a coleção da Alte Pinakothek, e faz cópias de Velázquez. 

Desde cedo, Serov se destacou como grande retratista. Ele seguia as características principais do que se denomina como “impressionismo russo”, ou seja, a preocupação com o movimento da luz e das massas de cor, a harmonia dos reflexos de luz.

Depois de 1890, se assumiu ainda mais como retratista. Seus modelos preferidos eram atores, artistas e escritores, e chegou a fazer retratos de Konstantin Korovin, Isaac Levitan, Nicolai Leskov e Nicolai Rimski-Korsakov. Ele havia optado em pintar com uma paleta mais restrita, sem muita variação de cores, ao contrário de seus colegas que optaram por um estilo colorido em especial na década de 1880. Serov preferia os tons mais cinzas e marrons. Ele havia feito a escolha de seus contemporâneos Anders Zorn e John Singer Sargent, preferindo dirigir seus estudos para as obras de pintores como Diego velázquez, por exemplo. Ele era um apaixonado pela obra do pintor espanhol Velázquez.


Mika Morozov, Valentin Serov
A partir de 1894 Serov começou a participar do movimento “Os Itinerantes”, e com esses companheiros executou várias pinturas de encomenda, como o retrato do grão-duque Pável Aleksandrovich, entre outros. Suas pinturas e desenhos se destacam bastante, pela execução hábil e composições grandiosas. Simultaneamente pintava retratos mais intimistas, em sua maioria de crianças e de mulheres. Com as crianças que pintou, desejava capturar-lhes o gesto e a pose para enfatizar a espontaneidade dos movimentos.

Valentin Serov usava com frequência várias técnicas para se expressar, desde a aquarela, aos pasteis, e as litogravuras. Foi se tornando cada vez mais gráfico e sucinto, especialmente na última fase de sua vida. Entre 1890 e 1900 pintou paisagens do campo, para si mesmo, geralmente em férias em sua dacha na Finlândia ou em Domotkanovo, a propriedade de seu amigo Derviz. 

A fase final de sua vida como pintor tem início por volta de 1900. Rompeu sua relação com o grupo “Os Itinerantes” e passou a fazer parte de outra associação de artistas que tinha também uma revista. Era o grupo do “O mundo da Arte”, que mantinha uma série de atividades como organizar exposições, propagandear as realizações da arte moderna russa e europeia. Nas reuniões de pauta para a revista “O mundo da Arte” em geral ele ficava calado, mas quando falava era sempre cáustico em suas críticas. Estava sempre com um lápis na mão desenhando.


Yuri e Sasha, desenho de Serov
Serov começava a mudar seu estilo de pintura, abandonando as características ditas “impressionistas” de sua pintura anterior, e foi se aproximando mais dos modernistas. Mas a compreensão realista da natureza de seus retratos continuou constante. 

Valentin Serov defendia os valores democráticos das revoluções russas de 1905. Membro de a Academia Imperial das Artes de São Petersburgo desde 1903, abandonou-a em protesto contra a execução de trabalhadores em greve e suas famílias, no dia 9 de janeiro de 1905, episódio que ficou conhecido como “domingo sangrento”. 

Serov também usou sua criatividade para executar pinturas históricas, dando aos fatos da história a importância que lhes devia. Também criou peças gráficas, fez ilustrações para livros, de caráter históricos ou científicos. Em seus últimos anos de vida, Serov pintou temas tirados da mitologia grega clássica, dando-lhes sua interpretação pessoal. 

Valentin Serov morreu em Moscou no dia 5 de dezembro de 1911. Deixou uma vasta obra, considerada das melhores do realismo russo e ele mesmo é considerado um dos maiores mestres da pintura europeia do século XIX. Em 1914 foi realizada uma exposição póstuma com sua obras em Moscou e São Petersburgo.

"Ele era mais do que um artista, era um buscador da verdade", disse o pintor Konstantin Korovin sobre o amigo Valentin Serov.


O rapto de Europa, Valentin Serov, 1910
Nikolai Rimski-Kosarkov, Serov, 1898
"Os dois meninos Serov", Valentin Serov, 1899
"Retrato de Isaac Levitan", Serov
"Outubro em Domotkanovo", Serov, 1895
"Alexandr Serov", Valentin Serov, 1897 - inacabado
"Banhando o cavalo", Serov
"Jovem com peras - retrato de V.S. Mamontova", Serov, 1887

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Vanguarda Russa - as raízes de um novo tempo

A arte deve ligar-se estreitamente com a vida.
Fundir-se com ela ou perecer.” (Maiakóvski
)

Neste segundo semestre de 2009, precisamente entre 15 de setembro e 15 de novembro, o Centro Cultural Banco do Brasil trouxe para São Paulo uma Exposição com mais de cem obras de arte pertencentes ao Museu Estatal Russo de São Petersburgo, a maior e mais importante mostra de arte russa já exibida em nosso país. A exposição já tinha passado anteriormente por Brasília e Rio de Janeiro, organizada pelos curadores cubanos Rodolfo de Athayde e Ania Rodríguez.


Mais de cem obras de 52 artistas russos estão expostas no centro de São Paulo, numa boa amostra das diversas tendências nas artes plásticas russas dos finais do século XIX e início do século XX. Entre as obras se encontram telas, cartazes, esculturas, peças de vestuário, desenhos gráficos e louças do Museu de São Petersburgo, além de dois filmes, um sobre a vanguarda russa e o outro sobre a obra de Kazimir Maliévitch.

No final do século XIX, os movimentos artísticos que ficaram conhecidos pelo nome de vanguarda russa, mudaram os rumos da história da arte naquele país em todos os setores: nas artes plásticas, na música, no teatro, na poesia, na arquitetura e no cinema que começava a nascer. Até por volta dos anos 1930, a Rússia assistiu a um fervilhar de movimentos artísticos de diversos matizes plenamente integrados às transformações que a sociedade russa ia tomando.

Programas e manifestos iam surgindo a partir de grupos e associações de artistas, nesse momento onde havia um fértil debate de ideias em meio à nascente intelligentsia russa. Esse espírito, que norteava intelectuais e artistas da virada do século XIX para o século XX, estava em perfeita harmonia com o cenário histórico em que mudanças urgentes se faziam necessárias em todos os aspectos da vida social daquele povo. Aquela efervescência de idéias e aquele momento de alta criatividade e produtividade artística “puseram em circulação idéias destinadas a exercer efeitos cataclísmicos não só na própria Rússia, mas muito além de suas fronteiras”.i Como disse em entrevista exclusiva à revista Princípios (leia abaixo), o curador da mostra, Rodolfo Athayde, pode-se mesmo dizer que aqueles foram os tempos onde se gestou a revolução bolchevique de 1917.

Mas voltemos um pouco atrás na história russa, para compreender um pouco melhor o surgimento dessa vanguarda de artistas e intelectuais.

A partir de 1697, Pedro I, mais conhecido como Pedro o Grande, iniciou um processo muito intenso de europeização da Rússia. Tendo enviado expedições à Europa, das quais ele mesmo participou, trouxe para aquele país várias centenas de mestres, técnicos, médicos e homens letrados, que foi recrutando pelos países por onde passou. Além disso, trouxe cartas topográficas, livros e invenções. Em relação aos costumes e à moda, introduziu a forma de vestir à francesa e ordenou que todos os homens russos que insistissem em usar barba longa (costume tradicional) pagariam um imposto. Pedro o Grande também manda traduzir para o russo diversas obras em francês, alemão e inglês. Em 1703 manda edificar São Petersburgo, a nova capital, num projeto urbanístico inspirado nos padrões ocidentais. Ainda no mesmo ano, manda construir Peterhof, cidadezinha próxima a São Petersburgo, conhecida por um impressionante complexo de palácios, que foi concluído em 1725, último ano do seu reinado.

Ora, toda essa ocidentalização trouxe modificações estruturais à vida social e cultural do povo russo. Nas artes plásticas, por exemplo, estava no auge a arte da pintura de ícones, de longa tradição, cujo apogeu se estendeu dos séculos XIV ao XVIII. Mas após o aculturamento produzido por Pedro o Grande, os artistas plásticos começaram a se voltar para temas laicos, como paisagens e figuras, fugindo da temática religiosa anterior. Até Pedro o Grande, as representações bidimensionais da figura humana era combatida pela igreja ortodoxa. Mas com este czar, muitos artistas foram enviados a escolas de arte da Europa, especialmente da França, onde aprendiam noções de pintura como de gama cromática e de valor pictórico, ausentes nos pintores de ícones. O cavalete e a tela surgiram pela primeira vez, impondo um processo de pintura diferente. Os pintores de ícones, até então, como o famoso Andrei Rubliev, usavam “tábuas de madeira 'viva', trabalhada por dias e meses, antes que se inscrevam os primeiros contornos ou se apliquem as cores à base de ovo e de água”ii.

Defesa da cultura russa

Na contramão dessa europeização cultural e em meio à efervescência política e ideológica do século XIX, os artistas se rebelaram e passaram a criar movimentos de defesa da cultura russa, que antes era descartada como bárbara e rude. Os artistas rejeitaram o padrão ocidental e buscaram criar uma cultura nacional nova que fosse baseada no camponês e nas tradições artísticas nacionais, de há muito esquecidas. Voltaram-se para a busca das raízes culturais do povo. Mesmo artistas mais abstratos, como Vassili Kandínski, mostra um colorido de formas que ele mesmo admite ter descoberto nas izbás, as casas dos camponeses que tanto o tinham encantado em seus tempos de jovem estudante de arte. Mikhail Lariónov, um dos precursores da vanguarda russa, se inspirou na arte popular urbana, onde o atraíam os painéis e letreiros de lojas e oficinas feitos por artesãos, assim como os lubok – xilogravuras camponesas – que também inspiraram muitos outros pintores. Lariónov e Gontchárova organizaram exposições de ícones, luboks e peças do artesanato popular.

Era uma época de experimentações, de busca de novos conteúdos, de novas formas, de novas cores e de um novo mundo. O espírito da épocazeitgeist, como se diz em alemão – atravessava o clima intelectual e cultural desse período: espírito de rebeldia, de contestação, de revolução social, política e cultural. Grupos se formavam, movimentos novos nasciam a cada dia, enquanto jovens artistas produziam, como Natalia Gontchárova, uma das mais importantes artistas da época. Ela se preocupava em evocar as tradições populares em suas obras, reproduzindo cenas da vida camponesa e trazendo inovações baseadas na tradição dos ícones. Uma de suas obras, “Os Evangelistas”, presente na mostra, causou escândalo em Moscou quando exibida em 1912 numa exposição denominada “O Rabo do Burro”. Por sua semelhança aos ícones e porque uma obra de tema sacro não poderia estar presente numa mostra profana como aquela – de uma arte de ruptura – ela foi censurada.

Outro pintor presente na mostra, Vladimir Tátlin, inicialmente um pintor de ícones, começou a criar seus quadros em relevo nos meados da década de 1910. Sua ideia básica era fazer com que os objetos de sua obra saltassem da tela para fora, reconstruindo novas formas tridimensionais. Seu trabalho “Contra-Relevo de Esquina”, complexo em aço, alumínio, zinco e madeira, presente na mostra, traduz o mundo industrial que ele via surgindo e passava a adotar formas e materiais da moderna tecnologia. Era o artista-engenheiro engajado na construção de objetos concretos. Tátlin criou também duas maquetes de obras que ele intitulou de “Homenagem à III Internacional” e “Projeto para a Tribuna de Lênin”. Ele foi o precursor do movimento que depois ficou conhecido como Construtivista, juntamente com o pintor e fotógrafo Alexandr Rodtchenko.

Kuzma Petrov-Vodkin apresenta trabalhos em óleo de caráter realista. Era pintor, artista gráfico e cenógrafo, tendo estudado em diversas escolas de arte, na Rússia, Alemanha e França. Tornou-se o primeiro presidente da Associação dos Pintores de Leningrado, em 1932, e foi representante no Conselho de Deputados de Operários, Camponeses e Soldados do Exército Vermelho. Seu entusiasmo pelas obras do pintor francês Matisse e pelos cubistas não foi menor do que sua admiração pela arte tradicional dos ícones, cujo resultado foi uma série de pinturas de caráter narrativo pronunciado, figurativo.

Pavel Filónov, um dos organizadores do grupo futurista “União da Juventude”, foi o criador do cenário para a primeira peça teatral de Maiakóvski, “Vladimir Maiakóvski”, e assim como os outros artistas, estava envolvido diretamente com a revolução de 1917, que ele saudou ardorosamente. O trabalho de Filónov apresenta uma delicadeza e sensibilidade de toque incrível. Suas telas em óleo dão a impressão de aquarelas, com finas e leves pinceladas. Sabe-se que ele trabalhava meticulosamente em suas pinturas, dezoito horas por dia, cujos detalhes eram rigorosamente planejados.

Nessa exposição também encontramos obras de Marc Chagall, Vassili Kandínski, Kasimir Maliévitch, Mikhail Matiútchin, Maria e Boris Énder, que seguiram caminhos diversos na arte plástica. Mais voltados para o abstracionismo, suas obras também significavam uma linguagem de ruptura, e mesmo que se voltassem mais à valorização da cor e da forma, eram coerentes com o sonho de construção social de um novo mundo. Participavam desses diversos movimentos de artistas que buscavam formatar visualmente a nova sociedade. Nenhum deles foi insensível às guerras, por exemplo, e organizaram várias exposições em ajuda aos feridos.

Arte e vida

Esta é uma característica muito marcante daquele rico período em que se desenvolveram as artes de vanguarda. Nos pintores mais realistas até nos mais radicalmente abstratos como Maliévitch, notava-se um profundo envolvimento entre vida e arte. “A Revolução deu um senso de realidade às suas atividades e uma direção, longamente aguardada (...) – uma vez que não havia, em suas mentes, nenhuma dúvida que os impedisse de identificar suas descobertas revolucionárias no campo artístico com essa revolução econômica e política”iii diz a pesquisadora inglesa Camilla Grey, no começo dos anos 1960. O próprio Maliévitch que defendia a arte abstrata como uma forma rebelde dentro das artes plásticas afirmava que “o cubismo e o futurismo foram as formas revolucionárias da arte que prenunciaram a revolução na vida política e econômica de 1917”iv.

Yevgenia Petrova, que é hoje uma das curadoras do Museu Estatal de São Petersburgo, reconhece, em seu texto publicado no catálogo da mostra brasileira, que a vanguarda russa representou um rico momento de florescimento de diversas tendências artísticas numa conjuntura social e política onde se preconizava o surgimento de um mundo novo e onde se preparavam, sob o comando de Vladimir Lênin, os passos para uma mudança estrutural na sociedade russa, trazida pela revolução bolchevique. Até mesmo o famoso – e louvado no mundo ocidental – “Quadrado Negro” de Maliévitch “e outras obras-primas da vanguarda não surgiram nem no lugar vazio e nem de repente. Eles nasceram graças aos processos notadamente criativos da cultura russa do final do século XIX-início do século XX”.v

Rodolfo de Athayde afirmou que essa vanguarda promoveu “uma mudança extraordinária na História” exatamente por causa do vigor artístico e intelectual que caracterizaram aqueles anos. Essas “obras evidenciam a inquietude cultural dos anos que precederam o Outubro Vermelho, período em que o desejo de renovação resultou num contexto de transgressões onde os artistas passaram a buscar o seu próprio caminho na arte”, diz o curador cubano.

Virada Russa” apresenta, então, a força viva presente na cultura russa, cujos reflexos podem se notar naqueles quadros ricos em pesquisa e experimentação de cores, desenhos, formas e temáticas, que testemunham a profundidade da alma do povo russo. É uma grande demonstração de que arte e vida caminham lado a lado, e que deve ser assim, mesmo a contragosto dos que hoje preconizam uma arte abstratamente vazia. Arte sem vida é arte sem alma.
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Entrevista com Rodolfo de Athayde:

O curador da mostra Virada Russa, o cubano Rodolfo Athayde, radicado no Rio de Janeiro, concedeu uma entrevista exclusiva à revista Princípios, sobre a exposição.

Mazé – Rodolfo, qual foi o seu objetivo ao idealizar esta exposição sobre os artistas russos no Brasil?
Rodolfo – Nossa intenção, minha e de Anya Rodrigues, é chamar a atenção do público brasileiro para a qualidade da arte plástica russa do final do século XIX até por volta de 1935. Mostrar para o público as fontes e as raízes da arte contemporânea mundial. Trouxemos artistas como Kandínksi, Chagall, Maliévitch, que são mais conhecidos, mas trouxemos dezenas de outros como Rodchenko, Gonchárova e Pavel Filónov, que ainda eram desconhecidos do público brasileiro. Em especial Filónov tem uma pintura de alta qualidade plástica, que não deixa nada a desejar aos pintores ocidentais, como Paul Klee, por exemplo.
A arte russa, assim como a arte cubana, mostram as diferenças e a riqueza da arte que é feita fora da Europa. Ano passado trouxemos também, eu e a Anya, uma exposição de artes plásticas cubanas, trazendo para o Brasil uma amostra da criatividade dos artistas cubanos. Desta vez, a exposição sobre arte russa possibilita um maior conhecimento sobre a vanguarda russa, um movimento que foi tão fundamental para as artes no mundo todo.
Mazé – O que era a vanguarda russa?
Rodolfo – Esses grupos de artistas que ficaram conhecidos como a Vanguarda Russa representavam um conjunto de tendências artísticas que foram vitais para o desenvolvimento das artes no mundo dos séculos XX e XXI. Aqueles artistas foram os primeiros a fazer experiências com novos materiais, com cores, com texturas, com objetos e até com a geometria. Eles faziam experimentos realmente radicais para os padrões da época, como se pode ver na exposição, e influenciaram direta ou indiretamente o desenho contemporâneo. Eles foram os responsáveis por fixar uma estética da modernidade que aqui no Brasil foi representada pelos Neoconcretistas da década de 50, artistas brasileiros que se basearam nos princípios da vanguarda russa.
Eles também, sem dúvida, influenciaram o design moderno, especialmente o design gráfico, uma vez que foram os primeiros a criar uma estética visual gráfica, como podemos ver através dos famosos cartazes russos. Com esses artistas, as artes gráficas foram enriquecidas com cartazes grandes, de cores chapadas, traços geométricos novos e com jogos e alterações de perspectiva. Eles revolucionaram mesmo as artes visuais!
Mazé – E o realismo socialista?
Rodolfo – O realismo socialista foi uma experiência negativa. Com a imposição do decreto da arte do realismo socialista em 1935 o Estado impediu o desenvolvimento desses movimentos artísticos, e alguns artistas deixaram a URSS. O Estado queria que a arte representasse, através do retorno ao realismo figurativo radical, as idéias de um homem novo e uma sociedade nova. Mas aquelas figuras hercúleas, descaracterizadas, fictícias, sem base na realidade, figuras de um mundo sem drama, irreal. Isso foi muito negativo porque cortou o movimento artístico natural que nascia do meio daqueles artistas de vanguarda.
Mazé – Qual é sua opinião sobre a arte contemporânea?
Rodolfo – Muito repetitiva. Os artistas atuais batem sempre sobre a mesma tecla, usando a mesma linguagem que há mais de cem anos foi inaugurada por aqueles artistas. Naquele momento, há cem anos, a arte tinha uma conexão com o mundo a seu redor e com tudo o que havia. Na Rússia do começo do século XX, os artistas produziam uma arte nova como um movimento radical mesmo e em perfeita consonância e harmonia com a revolução bolchevique. Esses movimentos geraram o movimento social mais importante na história do mundo no século XX que foi a revolução bolchevique de 1917. E hoje a arte contemporânea pretende repetir os padrões artísticos dos princípios do modernismo e da vanguarda russa, mas vemos que essa forma foi se esvaziando, com o tempo, e hoje é vazia de conteúdo. A arte contemporânea se liga puramente na questão formal, sem peso algum na atual circunstância, sem conexão com nada, sem sentido.
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Bibliografia:
BERLIN, Isaiah. O Nascimento da Intelligentsia russa. p. 241 In Pensadores Russos. São Paulo: Companhia das Letras.
MAIAKÓVSKI, Vladimir. Resumo da palestra Abaixo a Arte, Viva a Vida. In Maiakóvski – Prosa e Poesia.
MARCADÉ, Jean-Claude. Ícone e Vanguarda na Rússia, duas faces maiores da arte universal. In 500 Anos de Arte Russa. Rio de Janeiro: Brasil Connects, 2002 .
GRAY, Camilla. O Grande Experimento. Arte Russa 1863-1922. São Paulo: Worldwhitewall Editora Ltda. 2004.
PETROVA, Yefgenia e outros. Virada Russa. São Paulo: Editora Palace Editions. 2009.
i BERLIN, Isaiah. O Nascimento da Intelligentsia russa. p. 241 In Pensadores Russos.
ii MARCADÉ, Jean-Claude. Ícone e Vanguarda na Rússia, duas faces maiores da arte universal. In 500 Anos de Arte Russa.
iii GRAY, Camilla. O Grande Experimento. Arte Russa 1863-1922.
iv idem
vPETROVA, Yefgenia. Arte Russa nos Anos de Vanguarda. In Virada Russa.
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Artigo publicado inicialmente na REVISTA PRINCÍPIOS, novembro de 2009