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sábado, 10 de outubro de 2015

Carlos Drummond de Andrade

"Melancólico Drummond", Mazé Leite, óleo sobre tela, 40x50cm, 2015
Terminada esta tela sobre um dos meus poetas brasileiros preferidos, Carlos Drummond de Andrade, reproduzo abaixo um dos seus poemas mais intensos, mais digno da grande poesia, que o coloca lado a lado com os grandes poetas do mundo, como Walt Whitman, como Fernando Pessoa, como Maiakovski, como Yeats, como Rimbaud, como Baudelaire.

Neste poema, o poeta conta de uma "visão" que teve num momento de êxtase, enquanto passeava por uma estrada, quando à sua frente a "máquina do mundo", a realidade das coisas de repente fica clara à sua frente. Vale ler!

Sobre a pintura, escolhi propositadamente as cores mais frias na direção do violeta e do azul para dar ainda mais ênfase à expressão melancólica do poeta... Lembrava deste poema, quando fiz esta escolha.

A máquina do mundo

E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco

se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas

lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,

a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.

Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável

pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar

toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.

Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera

e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,

convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,

assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,

a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
“O que procuraste em ti ou fora de

teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,

olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,

essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo

se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste… vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo.”

As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge

distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos

e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber

no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar
na estranha ordem geométrica de tudo,

e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que tantos
monumentos erguidos à verdade;

e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,

tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.

Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,

a esperança mais mínima — esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;

como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face

que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,

passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes

em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,

baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.

A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,

se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mão pensas.

terça-feira, 30 de junho de 2015

José Benlliure y Gil

La Barca de Caronte, José Benlliure y Gil, óleo sobre tela,103 x 176 cm, 1919
José Benlliure y Gil
Um dos pintores espanhois que conheci nesta minha última viagem à Espanha foi José Benlliure y Gil. Faz parte da coleção do Museu do Prado seu quadro “El descanso en la marcha”, pintado em 1876. Anotei seu nome e fui pesquisar sobre sua obra e história. Não temos muita coisa sobre sua biografia, mas é um pintor da geração espanhola do século XIX que vale a pena conhecer. Em especial pela pintura impressionante que está no topo deste post, "La barca de Caronte".

José Benlliure y Gil nasceu no pequeno povoado de Canyamelar, situado à beira mar, no município de Valencia, onde também nasceu Joaquín Sorolla, grande pintor espanhol. Ele nasceu no dia 30 de setembro de 1855, numa casa pertencente à família Beltrán, onde seus avós trabalhavam como caseiros. 

Filho de Juan Antonio Benlliure Tomás e Angela Gil Campos, ainda muito pequeno seus pais mudaram-se para uma rua baixa da cidade de Valencia, no bairro de Carmen, bairro de ruas e casas simples, onde José viveu sua infância. Sua família vinha de longa tradição artística. Seu irmão, Mariano Benlliure, se tornou um escultor de muito sucesso; seu outro irmão, Juan Antonio, aprendeu a pintar com José e também se tornou pintor.

Após seus primeiros anos de estudo escolar, foi matriculado na Escola de Belas Artes de Valencia, aos 14 anos, e passou a frequentar o círculo dos pintores que se reuniam em volta do ateliê de Francisco Domingo Marqués (1842-1920), de quem José Benlliure foi aluno.

"El tío José de Villar del Arzobispo",
1919, óleo sobre tela, 79 x 66 cm
Com 16 anos de idade apenas pintou os retratos dos filhos do rei Amadeo I de Saboya. Logo em seguida, com 17 anos, foi para Paris com um bolsa de estudos que ganhou da prefeitura de Valencia. Em 1876, com 21 anos de idade, ganhou uma medalha na Exposição Nacional de Artes com a obra “El descanso en la marcha” (ver abaixo). No mesmo ano, termina seus estudos na Escola de Belas Artes de Valencia.

Casou-se em 1880 com María Ortiz Fullana e muda-se para a cidade de Roma, na Itália, onde nasceram seus quatro filhos. Mais tarde, muda-se para a cidade de Assis, no norte da Itália. Em 1888 viaja pelo norte da África, passando por Argélia e Marrocos, onde se deixou influenciar pela cultura exótica e orientalista, o que era moda naquela época. Diversos outros artistas também tiveram esta influência, como Eugène Delacroix e Paul Gauguin, entre outros.

Em 1904 foi nomeado diretor da Academia de Belas Artes de Espanha em Roma, cargo que deixa em 1912 para se mudar definitivamente para sua terra, Valencia.

"El tío Maties", óleo sobre tela,
34 x 43 cm, 1900
Em 1919 foi nomeado presidente honorário do Círculo de Belas Artes e da Juventude Artística Valenciana, assim como “delegado regio” de Belas Artes daquela cidade. Em 1922, tornou-se diretor do Museu de Belas Artes e, de 1930 em diante, passou a ser o diretor da Real Academia de Belas Artes. 

José Benlliure y Gil foi bastante reconhecido em vida e muito respeitado em sua cidade, que lhe deu, em 1924, o título de “hijo predileto”. Ele também foi membro da prestigiada Academia Real de Belas Artes San Fernando de Madrid, onde estudaram grandes pintores espanhois.

José Benlliure y Gil faleceu no dia 5 de abril de 1937, deixando uma obra em que retratou os costumes do povo valenciano, assim como quadros com temas religiosos e retratos de eclesiásticos e burgueses. 

Benlliure tinha um estilo muito próprio e dava o mesmo tratamento a temas os mais simples e os mais grandiosos.

Graças a seu trabalho de documentar em pintura a vida dos valencianos, hoje é possível ver como era a vida naqueles tempos em sua região. Em suas telas aparecem personagens locais como “Tio Andreu de Rocafort” e o “Tio José de Villar del Arzobispo”, além de outros quadros.


El descanso en la marcha, 1876, óleo sobre tela, 118 x 168 cm
Autorretrato, José Benlliure y Gil
El tio Andreu de Rocafort, 99 x 68 cm, óleo sobre tela
Sacerdote revestido, óleo sobre tela, 85 x 63 cm
Na missa, 96 x 146 cm, óleo sobre tela
Retrato de Maria Ortiz em hábito de Monja, guache sobre cartão, 1887, 32 x 30 cm

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Francisco de Goya


"La maja desnuda", Francisco de Goya, 1790-1800, óleo sobre tela, 191 x 98 cm, Museu do Prado
Fruto de minha última viagem à Espanha, nos próximos posts deste blog pretendo trazer um pouco sobre a vida e a obra dos maiores mestres daquele país, os conhecidos e os desconhecidos. Os pintores espanhois são, para mim, os melhores exemplos de artistas em que vida e obra não se podem separar; assim como não é possível separá-los da cultura de seu país, tão diversa quanto a nossa, e tão profundamente arraigada na alma daquele povo como, por exemplo, as tradicionais touradas. Como enfatiza Antonio López, pintor contemporâneo, a pintura espanhola está ligada à vida, nem sempre à beleza.
Comecemos por Francisco de Goya.
"Retrato de Goya", Antonio López, 1826
Francisco José de Goya y Lucientes nasceu em Fuendetodos, Saragoça, na Espanha, em 1746. Faleceu em Bordeaux, França, em 1828.
Filho de um mestre dourador, Goya teve suas primeiras lições de pintura em Saragoça, por volta dos anos 1760. Na sequência ele mudou-se para Madrid, onde continuou sua formação. Fez uma passagem por Roma, Itália, em 1770, e se deixa influenciar pelo neoclassicismo vigente, como pode ser visto na imagem abaixo, que mostra uma tela pintada por ele nesta época (“Hanibal atravessando os Alpes”).
Goya voltou à Espanha em 1771, quando começou a receber as primeiras encomendas: a decoração da abóboda da basílica do Pilar em Saragoça, entre outras. Em 1773 casa-se com Josefa, a irmã do pintor Francisco Bayeu, que era pintor oficial na época. No ano seguinte, outro pintor, o flamengo Anton Raphael Mengs o convida para mudar-se para Madrid. Mengs viveu na Espanha e lá produziu uma série de pinturas, que podem ser vistas atualmente no Museu do Prado.
"Hanibal atravessando os Alpes", Goya
O período entre 1776 e 1792 marca a ascensão social de Goya. No começo, ele produziu algumas gravuras estudando a partir de pinturas de Diego Velázquez, que sempre foi considerado por ele seu verdadeiro mestre. Em 1779 ele pintou um primeiro retrato da família real, do rei Carlos III, e no ano seguinte foi eleito por unanimidade para a Academia Real de Belas Artes de São Fernando. Mas seu trabalho na abóboda da basílica de Pilar em Saragoça precisava ser terminado, e, com isso, Goya voltou para lá para acabar a obra.
Após seus retorno a Madrid, acabou se tornando o pintor oficial da aristocracia, executando diversos retratos, onde já expressava sua força e seu jeito pessoal de pintar. Fez também pinturas de paisagens, mas se dedicou principalmente a criar tapetes para a Real Fábrica de Santa Bárbara, nos quais Goya utilizou temas populares.
"Ainda aprendo", Goya
Mas desde 1792 Francisco de Goya começou a perder a audição. Especula-se que ele ficou surdo por causa da grande quantidade de chumbo presente nos pigmentos que usava para pintar. Angustiado, ele transmite para sua pintura os seus próprios medos, pintando nesta época cenas obscuras de Madrid, uma série de estudos de Tauromaquia e as gravuras da série “Caprichos”, cheios de figuras monstruosas e demoníacas. Mas a Santa Inquisição ameaçou-o, e teve que interromper esta série de gravuras.
Goya chegou ao século XIX completamente surdo. Isto fez com que ele penetrasse cada vez mais em seu mundo interno. Ele foi se tornando, à medida em que envelhecia, uma espécie de profeta solitário, pintando suas pinturas negras nas paredes de sua própria casa. Mas antes, em 1805, terminou seus dois quadros - que acabei de ver em Madrid, no Museu do Prado - “La maja nua” e “La maja vestida”, duas grandes telas, colocadas lado a lado. Foi o primeiro nu pintado na Espanha após a “Vênus do Espelho”, de Velázquez, pintada em 1650. Na Espanha católica, esta pintura da Maja nua foi completamente condenada. O quadro foi confiscado e Goya foi obrigado a dar explicações ao tribunal da Inquisição em 1814.
A invasão francesa na Espanha, pelos exércitos de Napoleão, em 1808, também inspiraram no pintor uma série de gravuras feitas em água-forte (técnica de gravação sobre metal com ponta-seca e complementada com a utilização de um ácido sobre a chapa). Goya intitulou esta série “Os desastres da guerra”. Mas pintou principalmente o quadro, bastante conhecido, uma tela muito grande intitulada “O três de maio” (abaixo), assim como outra que ele deu como título “O dois de maio”, que celebram a resistência do povo espanhol às investidas de Napoleão. Em especial na pintura abaixo, "O assassinato do três de maio, Goya inova na pintura tanto em termos de composição, como de técnica.
"O assassinato do três de maio de 1808", Goya, óleo sobre tela, 1814
Mas o pintor Goya não podia descansar… O rei absolutista Fernando VII, com sua política de relações submissas ao governo francês, considerava-o perigoso para seus planos e o obrigou a deixar a Espanha. Em 1824 Goya se instalou na cidade francesa de Bordeaux, juntamente com dezenas de exilados espanhois. Ele foi obrigado a abandonar sua recém comprada casa de campo perto de Madrid, por causa da perseguição de Fernando VII.
"O afiador", Goya,
óleo sobre tela, 1808-1812
Em Madrid ainda, Goya se refugiou inicialmente na casa de um médico a quem tinha feito um retrato, o doutor Duaso. Mas lhe pareceu melhor fugir para a França. Inicialmente em Bordeaux, ele resolveu seguir até Paris, onde passou alguns meses, vivendo completamente só, mas sem parar de pintar e desenhar. Desde seus últimos tempos em Madrid, Goya já vinha realizando desenhos que mostravam suas inquietudes psicológicas e suas preocupações sociais.
O exílio para um homem com 78 anos de idade, e doente, era um golpe muito pesado. Sem se adaptar a Paris, resolveu voltar a Bordeaux em setembro de 1824. Lá estavam seus amigos, entre eles o poeta Moratín, de quem fez um retrato a óleo. Deu aulas de pintura e desenho para Rosario Weiss, filha de uma conhecida, Leocadia Zorrilla. Mas seu temperamento lutador não se acalmava. A partir de 1825 começou a fazer a série de gravuras intituladas “Los toros de Bordeaux”, junto com mais quatro telas a óleo sobre o mesmo tema. Mas também fez miniaturas sobre marfim, aguadas, desenhos.
"A obra", Goya, óleo sobre tela,
1786, 127 x 169 cm
Em 1826 Goya fez uma viagem a Madrid, onde obteve uma anistia. Continuou pintando, mas voltava para sua casa em Bordeaux. Uma de suas últimas pinturas foi “A leiteira de Bordeaux”, em 1827. Entre 1824 e 1827 ele fez muitos desenhos, entre os quais o famoso “Ainda aprendo”, onde talvez ele tenha se auto-retratado, pensando em sua permanente inquietude.
Em 1828, Francisco de Goya piorou de saúde. Há uma carta, de 17 de janeiro, que ele escreveu a seu filho, já demonstrando como sua saúde só se deteriorava. Sua nora e seu neto foram para Bordeaux, ao encontro dele; seu filho, Mariano, e sua mãe, somente chegaram no mês de março, quando ele já estava muito mal. Faleceu na noite de 15 para 16 de abril de 1828 e foi sepultado num pequeno cemitério da cidadezinha francesa, longe de sua terra. Mas em 1927 seus restos mortais foram trasladados para Saragoça, aonde até hoje se conserva seu túmulo.
Um dos maiores mestres espanhois estava com 82 anos de idade, enfermo, surdo e começando a ficar cego. Mas apesar disso tudo, se expressava cada vez com mais liberdade, força e inspiração, usando todo o seu tempo para se dedicar a seus desenhos e suas pinturas. Ainda antes de ser exilado, ele havia deixado nas paredes de sua casa de campo as marcas do seu pincel inquieto e de sua mente repleta de angústias e questionamentos sobre a vida: suas “pinturas negras” maravilhosas, que pude admirar de novo no Museu do Prado há alguns dias.

"A leiteira de Bordeaux", 1827, talvez uma das últimas pinturas de Goya
"O parassol", Goya, óleo sobre tela, 1777
"A pradaria de São Isidro", Goya, óleo sobre tela, 1788
"La maja vestida", Goya, óleo sobre tela, 1802-1805
"Cachorros e instrumentos de caça", Goya, óleo sobre tela, 1775
"As parcas", uma das pinturas negras de Goya, 1820-1823, 266 x 123 cm
"Os estragos da guerra", Goya, gravura

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Quem tem alma não tem calma

Dentro de nove dias embarco mais uma vez para a Espanha.

Desde o mês de março, a pintura espanhola vem novamente tomando conta de mim, em especial a de Diego Velázquez. Desde então, já fiz dois estudos sobre obras suas, como esta abaixo que representa o "El Bufon don Sebastian de Morra", de 1645 e "A costureira" de 1640.


Cópia de "El bufon don Sebastian de Morra",
Mazé Leite, abril de 2015, óleo sobre tela
Mergulhada em estudos sobre este grande pintor espanhol, teóricos e práticos, a vida vai me levando de novo para a Espanha. Desta vez para estudar mais, pesquisar mais, ver de perto, beber, me embriagar dos grandes pintores espanhois... 

Desde março, revoluções internas me dominam, me angustiam, me fazem perder o sono de madrugada... Penso no meu caminho na pintura, como uma pintora brasileira que vive em um país ensolarado, tropical, "bonito por natureza" mas vivendo momentos tão tensos e até mesmo perigosos. Está muito perigosa a vida no Brasil! Nesta semana, meu sobrinho Rondinelli Ferreira foi morto num assalto por causa de um celular. Só tinha 18 anos... Todos os dias esta mesma tragédia se repete na vida de inúmeras famílias do meu país. Que fazer?

Me pergunto: pintar a vida é pintar o que?

Pensamentos livres vão alcançando a superfície do mar revoltoso do meu cérebro: que é arte? que é se expressar em arte? pra que serve arte? pra que serve técnica?(leia post anterior aqui) Vêm vindo os pensamentos...

Arte pela arte é auto-compensação, é auto-indulgência, é querer se satisfazer sozinho, como se sozinhos fôssemos no mundo. Arte pela arte é refúgio covarde, ou egoísta, quando não se pode - ou não se quer - pensar sobre o mundo. Arte pela arte é a idealização da impotência, a concretização da fraqueza.

Caminhos existem para o artista, e enxergo estes aqui:

- OU fazer arte apenas para obter vantagem econômica, mesmo sendo espoliado por galeristas e curadores - o que pode levar à superficialidade mais escrota!

- OU resistir às pressões do sistema de arte atual, contrariando-o, e ao mesmo tempo se fechando, se isolando do mundo - o que pode levar à depressão, à loucura;


- OU resistir ativamente, coletivamente, consciente de que está tendo uma função cultural válida, mesmo num tempo tão desastroso como o que vivemos. Prefiro esta alternativa.
Retrato de Antonio López,
ainda em execução - Mazé Leite, óleo
sobre tela, maio de 2015

Lucien Freud já disse uma vez algo no sentido de que a arte deve assombrar, incomodar, mobilizar.

Mas a pergunta continua: pintar a vida é pintar o que? A resposta não vem fácil e isso algumas vezes dá raiva.

Nem sempre a raiva é um sentimento ruim; muitas vezes ela é necessária para nos empurrar em outro caminho, escolher outra coisa. Sinto raiva muitas vezes! Raiva do mundo, das coisas, das pessoas, de mim mesma, das minhas próprias tonterias.

Nesta noite passada, noite gelada, olhei para o céu escuro, busquei um horizonte entre prédios e falei para mim mesma, tentando acalmar as angústias dos dias presentes:

- Lembra daquela estrela do teu céu de antigamente? Vê que hoje há uma ali, à esquerda no céu, assemelhada àquela daqueles tempos em outro mês de maio? Lembra que ela iluminava os espaços em volta, de tão quente estrela que era? Também havia a escuridão em torno dela, aquele espaço negro no céu, negro de dar medo daquela garganta imensa do infinito que podia me engolir a qualquer hora, não fosse a gravidade... Mas a luz daquela estrela espantava a escuridão e a escuridão da noite foi perdendo fôlego. A estrela maior, o Sol, nasceu e começou a dissolver meus medos, minhas raivas, aquelas batalhas que às vezes trovejam dentro de mim... Os raios do sol abanam a fogueira da minha existência. O arder do fogo da vida, para arder, precisa de abanos. E hoje um vento solar me abana e me leva para bem longe daqui.

Por isso vou para a Espanha.

Vou pensando como Fernando Pessoa:

"Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é..."


Lá vou eu!

segunda-feira, 30 de março de 2015

Nicolas Poussin, o "pintor-filósofo"

"Dança da música do tempo", Nicolas Poussin, 1640
Neste ano de 2015 completam-se 350 anos da morte do pintor clássico francês Nicolas Poussin. Para comemorar a data o Museu do Louvre, em Paris, fará uma exposição que tem a finalidade de trazer à luz a originalidade da pintura de temas sagrados, fonte de uma reflexão pessoal do artista sobre Deus. Sempre inspirado por nomes do passado clássico greco-romano, o”pintor-poeta”, como também é chamado, conhecia e admirava a obra de Ovídio e Virgílio. A exposição do Louvre tem como título "Poussin e Deus".


"Autorretrato", Poussin, 1650
Mas Poussin também era o “pintor-filósofo” impregnado com as ideias e virtudes do antigos, o que aparece como uma marca do conjunto da sua obra. Mas ele também fez grandes pinturas com temas cristãos, que são menos conhecidas, especialmente inspirado em temas dos evangelhos bíblicos. Esse misto de pintura profana e sagrada na obra do mestre francês demonstra o leque amplo de temas aos quais ele se dispôs a enfrentar (pinturas de história, composições religiosas, mitologia, paisagens, retratos), a partir de seus pontos de vista.

Mas, quem foi Nicolas Poussin?

Ele nasceu na aldeia de Villers, em Andelys, região à noroeste de Paris, no dia 15 de junho de 1594. Aos 18 anos, ele sai da casa dos pais porque estes desaprovavam a sua ideia de se tornar pintor. Foi para Paris sem nenhum recurso e, após os primeiros tempos de muita necessidade, ele foi aceito no ateliê do pintor Ferdinand Elle, passando depois para o de Georges Lallemant. Mas Poussin não ficou muito tempo com nenhum dos dois. Quando ele viu pela primeira vez os desenhos do pintor italiano Rafael e de seu discípulo Giulio Romano, começou a estudá-los com muito afinco.

Apaixonado pela arte de Rafael, Poussin quis ir em direção à Itália. Na primeira tentativa, caminhou à pé até Poitou (cerca de 150 km de distância de Paris). Teve que retornar e chegou fatigado e faminto e com isso caiu doente. Foi para sua cidade natal, onde se restabeleceu. Mas sua vontade de chegar à Roma, colocou-o de novo na estrada. Ele queria se aperfeiçoar na terra do mestre Rafael. Nicolas fez duas tentativas de chegar à Roma, sem sucesso. Na primeira, ele alcançou Florença; na segunda só chegou até Lyon. Nas duas ocasiões, foi forçado a parar sua viagem e a retornar a Paris.


"A inspiração do poeta"(detalhe), Poussin, 1630
Na primeira vez que voltou a Paris, após ter conseguido chegar em Florença, Poussin conheceu o pintor Philippe de Champaigne e com ele trabalhou na decoração do Palácio de Luxemburgo. Passou por alguns ateliês de pintores em Paris, mas não ficou muito tempo com nenhum. Por isso, Nicolas Poussin é considerado um pintor auto-didata. Nesse período ele conseguiu sobreviver graças a algumas encomendas que recebeu.

Em 1623 ele concorreu com outros artistas para pintar uma série de seis quadros onde contava a vida de Santo Inácio de Loyola, encomendados pelos padres Jesuítas. Ganhando a concorrência, Poussin chamou a atenção de um poeta da Corte da famosa família Médici, família de marchands italiana. Desta forma, Nicolas Poussin foi apresentado às ricas famílias italianas.

Pela terceira vez ele seguiu na direção de Roma, onde chegou em 1624. Começou a estudar os mestres antigos, inicialmente com o escultor François Duquesnoy. Nesse período, ele já despertava a inveja de artistas locais que provavelmente instigaram soldados italianos a atacar Poussin, ferindo-o na mão direita, mas sem grandes prejuízos. Foi socorrido por Jacques Dughet, seu conterrâneo, que o recebeu em casa e lhe dispensou todos os cuidados para que ele ficasse bom. Poussin casou-se em 1629 com a filha de seu amigo, Anne Marie. Como não tiveram filhos, adotaram o irmão mais novo da esposa, que não somente herdou o nome de Poussin, como desenvolveu seu talento para a pintura de paisagem. Chamava-se Gaspard Poussin.


"Companheiros de Rinaldo", Poussin, 1634
Na sequência, Poussin foi encarregado de diversos trabalhos pelo Cardeal Francesco Barberini, que era sobrinho do Papa Urbano VIII. Começou a receber diversas outras encomendas, em Nápoles, na Espanha, na França. Em seu país, recebeu diversos convites para retornar para a França. O rei Luís XIII e o cardeal Richelieu lhe deram como tarefa supervisionar os trabalhos que estavam sendo feitos no Palácio do Louvre; foi nomeado primeiro pintor do rei e diretor geral dos serviços de decoração das casas e palácios reais.

Mas como despertou a inveja de outros artistas como Simon Vouet, Poussin resolveu rever sua família em Roma. Pediu licença ao rei e retornou para casa em 1642, junto com seu filho Gaspard, prometendo voltar. Mas Richelieu e Luís XIII morreram. Com isto, Poussin considerou que não tinha mais compromisso em Paris. E não voltou mais à França. Morreu em Roma em novembro de 1665.

Nicolas Poussin viveu em um tempo de grande riqueza intelectual. Metódico e racionalista, Poussin voltou seus estudos para a obra clássica de Rafael e dos pintores venezianos. Detestava a pintura de Caravaggio! Desejava mais que tudo “reviver a antiguidade”, como diz German Bazin em seu livro “Barroco e Rococó”. Após todo o fervilhar das ideias do período do Renascimento, as ideias estéticas também eram construídas com base na Razão e na Moral, o dito bon sens. Era o tempo de Pierre Corneille e de René Descartes, o grande teórico racionalista que desenvolveu o método cartesiano de pensar, que conhecemos e nos influencia até hoje.

Nessa época, a França era o país mais poderoso da Europa e de maior população. Este país tinha assimilado, segundo Bazin, “com o maior êxito o espírito do Renascimento”, que trouxe muitas novidades em todos os campos do conhecimento humano, assim como as ideias de uma classe social que começava a ter grande ascensão, a burguesia. Mas outras ideias também disputavam espaço e aristocratas e burgueses se digladiavam para impor suas visões políticas, econômicas e filosóficas dentro de um sistema em evolução.

Poussin, vivendo na Itália, se identificava totalmente com as correntes do pensamento racional, que predominou durante todo o século XVII, alcançando o XVIII… E trazendo em seu bojo a Revolução francesa de 1789, início de grandes movimentações políticas e sociais na França. O pensamento racional dentro da obra de arte, segundo Walter Friedland em seu livro “De David a Delacroix”, tinha um “viés moralizante”. A preocupação, inclusive a de Poussin, era com o conteúdo ético e didático da obra. Suas pinturas de caráter cristão são um exemplo disso. Ele parece ilustrar trechos dos Evangelhos e da história de Jesus.

Mas mesmo apegado ao passado clássico, Poussin foi o autor de grandes composições pictóricas e um pintor de grande expressão artística. Olhava para o bom gosto da antiguidade, em busca do Belo ideal, onde se podia apreender o intelecto puro e a moral. Ele - conta-se - gostava muito de andar à pé pela cidade de Roma, perdido em seus pensamentos, meditando, observando, anotando o que lhe chamava a atenção da diversidade da vida. Estudou perspectiva em Matteo Zacollini, arquitetura em Vitruvio e Palladio, pintura em Alberti e Leonardo da Vinci. Também fez estudos de anatomia, desenhou a partir de modelos vivos. Muitas vezes repetiu seus estudos e temas, sempre se colocando disponível para novos aprendizados. À medida em que envelhecia, seu pincel se tornava ainda mais suave, sua pintura mais harmônica, sua composição mais rica. Levava uma velhice pacífica, mas trabalhando sempre muito. Era modesto, sóbrio, franco e muito afável de caráter. Ele mesmo refletia a pintura que almejava: correto, verdadeiro, sincero. Um homem e pintor virtuoso.


"Assunção da Virgem", Poussin, óleo sobre tela, 134,4×98cm, 1630
"Sagrada Família", Poussin
"Rapto das Sabinas", Poussin, 1633

quinta-feira, 19 de março de 2015

Um dia pra comemorar

Parte do meu trabalho de pintura a óleo no Ateliê Contraponto

Hoje o Ateliê Contraponto completa um ano que foi inaugurado, no dia exato do meu aniversário! Dia de festejar, de me alegrar com um sonho que está sendo realizado dia a dia. Neste espaço muito charmoso da Travessa Dona Paula, em São Paulo, tenho produzido bastante, junto com meus parceiros; desenhamos quase diariamente, pintamos e damos aulas de pintura a óleo e desenho. E vamos crescendo!

Este Blog está perto de completar 400 mil acessos! Ele também tem sido um espaço importante onde eu possa colocar minhas ideias, meus estudos, minhas pesquisas sobre Arte. Ele tem sido útil para muita gente também, o que me faz muito alegre, porque é para isso que ele também existe.

Um dia desses, recebi um telefonema de Isabel Rocha Mattoso. Não a conheço pessoalmente, ainda. Mas ela me deu um feedback muito incentivador sobre os textos que produzo e publico neste blog. Ela me enviou um poema, que transcrevo abaixo, exatamente hoje, com tanta coisa para comemorar! Obrigada, Isabel, e a todos os leitores deste blog! Obrigada a todos os meus alunos e todos os amigos do Ateliê Contraponto! Obrigada a todos os meus amigos, por serem quem são não minha vida, cada um do seu jeito!

Longa vida ao Ateliê Contraponto!

Longa vida a este Blog que fala de Arte!

Longa vida para todos nós!



Imagens de um mundo sem fim

(Para Mazé, que sabe pintar!)

 Isabel Mattoso


Minha tela é um papel de qualquer cor
O que a  colore de verdade são palavras
Atrozes, algozes, que me forçam ao limite do que sei
Do que não sei, do que penso saber
Do  que virei a  saber, do que jamais saberei.

O que colore o papel  do poeta é a intuição da forma, da cor, das sombras que avançam sobre a tarde evanescente.
É o saber que caminha nos espíritos muito antes de cada nascimento
E que  continuará  sua jornada muito depois de cada morte
Ele apenas atravessa o  ser e tento capturá-lo neste  breve instante
Para  deixá-lo partir nas letras que se amontoam em palavras que se abraçam e tomam  corpo e alma. 
Minha tela de folhas de papel barato   inveja as pinturas  impressionistas, realistas, hiper realistas,
Os mestres do quatroccento, do barroco, do cubismo, fauvismo, do pontilhismo,do expressionismo, do surrealismo... De qualquer movimento,  de todos os tempos,
As gravuras e esculturas  que arranham , modelam , cinzelam matrizes e recriam o mundo.

A fruta sobre a mesa, a dobra da saia, o olhar  que nos alcança do passado
O brinco de pérola, a girafa em chamas, cada madona
O cristo crucificado, o café em paris, o girassol,
O grito , as mulheres da oceania, as bailarinas, as cerâmicas,
O jardim e a ponte , o onda gigante , o oriente num haikai de imagens  de delicadeza sem fim
Jazz, o volga, o sena, as cavernas e os bisões, o desenho da criança e seu traçado incerto...
Os olhos azuis, as bandeirinhas, o sertão
O touro, a dor, um povo, a guerra, o prazer velado e o descarado
A intimidade devassada, ainda que permitida
As portas do inferno se abriram para que pudéssemos  enxergar  além...

Pobre caneta  de tungstênio,
Ridículo  teclado de plástico preto...
Com que instrumentos banais surgem as palavras
Ainda assim , eu as amo  , as persigo em sonhos e devaneios
As amasso, rasgo,  abraço , professo mil desaforos!
Até que me digam a verdade
Que revelem  o que foi segredado pelo espírito
 Então, como um anelo, a vida em mim se faz real.