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terça-feira, 17 de novembro de 2015

Fotografia do cotidiano

"Trajetos", fotografia de Gabriela Leite
Gabriela Leite, fotógrafa, designer e videomaker, é uma jovem paulistana que tem a mania de fotografar o cotidiano da sua cidade com a câmera do celular. Como resultado, ela publicou recentemente o livro de fotografia intitulado "Trajetos", que foi indicado ao Prêmio Miolo(s) de Publicações Independentes, ficando entre os cinco finalistas. O livro foi publicado pela editora independente Avocado.
Gabriela trabalha no site Outras Palavras, além de ser editora de vídeo na produtora Superfilmes Cinematográfica. Foi diretora e produtora de “Cidade Reinventada”, documentário de curta-metragem feito em co-produção com o Canal Futura. Entre outros curta-metragens, realizou “Moradores de Niemeyer”, selecionado para a Mostra Internacional de Filmes Curtíssimos, em Brasília. Foi assistente de edição na produtora Outros Filmes. Tem experiência com projeto gráfico de livros e edição de fotos, e mantém, como projeto pessoal, a editora de livros independente Avocado. 
Abaixo, ela escreve sobre esta prática de fotografar cenas do cotidiano paulistano, dentro dos ônibus da cidade.

Trajetos, fotografia de Gabriela Leite
Trajetos
Gabriela Leite*
O cotidiano, muitas vezes ignorado por aqueles que buscam o extraordinário, é uma verdadeira fonte criativa. Todos os dias escovamos os dentes, tomamos café da manhã e pegamos algum transporte para algum lugar. “Trajetos” enxerga no ônibus um universo rico em significados e relações. A fotografia possibilita observar os pequenos momentos com outros olhos.
Trajetos, fotografia de Gabriela Leite
Com o avanço das tecnologias ao longo do século XX, as câmeras fotográficas foram deixando de ser grandes e pesadas, e as compactas começaram a surgir. Apesar de que desde o século XIX já havia fotógrafos de rua, como Eugène Atget, foi com as câmeras pequenas que esse gênero se desenvolveu. Henri Cartier Bresson, com sua pequena Leika, consagrou o gênero e virou referência para todos os fotógrafos, até hoje. Como ele mostra, fotografar espaços públicos exige um olhar atento, à procura de algo de poesia dentro do cotidiano.
“Trajetos” procura seguir essa vertente. As fotografias que o compõem começaram a ser feitas casualmente, em percursos de ônibus do dia a dia, na cidade de São Paulo. Depois, ao perceber que havia um universo interessante ali, as saídas fotográficas começaram a ser feitas na busca de explorar mais o tema. As fotos são tiradas com a câmera do celular, pela praticidade e discrição proporcionadas por ela. Aqui, não procura-se fazer fotos grandes ou com a qualidade impecável, mas sim buscar relações estéticas entre os corpos e o ambiente dos ônibus, priorizando o enquadramento.
“Trajetos” procura captar fragmentos do cotidiano das pessoas. Dentro do dia a dia delas, o tempo que se destina a apenas sentar-se (ou ficar em pé) e esperar o meio de transporte se locomover pela cidade até o momento de chegada (em casa, no trabalho ou onde for) é considerado um momento morto. Nesse sentido, qualidade de vida é inversamente proporcional ao tempo em que passamos em trânsito diariamente. Nos coletivos, desconhecidos compartilham um espaço em que têm que conviver, muitas vezes estando bem próximos; mas raramente é um lugar onde haja real interação. Cada pessoa concentra-se em sua solidão e espera -- às vezes usando o celular, lendo livros, ouvindo música; às vezes simplesmente em silêncio.
Trajetos,
fotografia de Gabriela Leite
A ideia é transformar esses trajetos compartilhados das pessoas em algo para ser visto, pensado e sentido. A primeira fotografia, “Olha”, diferente das outras, é de uma mulher cujo cotidiano foi quebrado (pelo menos por um segundo), ao reparar que estava sendo fotografada. Ela serve como entrada para as outras fotografias -- nas quais as pessoas estão apenas esperando passivamente -- nos mostrando um olhar atento: não apenas observada, mas observa também, representando, de alguma maneira, a fotógrafa.
Em uma época em que qualquer telefone vira uma câmera fotográfica, tudo está registrado -- de eventos públicos aos mais pessoais, como uma selfie de amigos ou uma fotografia do prato  de comida -- quase ninguém fotografa-se ou fotografa no transporte público, o que o reafirma como um não-lugar. "Trajetos” captura as pessoas em momentos nos quais elas não estão fazendo pose, nem passando por uma situação que julgam valer ser registrada.
Outro aspecto de “Trajetos” é a maneira como ele relaciona o ônibus, as pessoas e a cidade. A paisagem fora do coletivo está sempre mudando e compõe com algumas fotos de maneira a inseri-las no espaço urbano. Às vezes, é difícil distinguir onde é cidade, onde é ônibus, se a pessoa está dentro ou fora dele. Em outras, a paisagem enche a foto de significados -- com pixações, cercas farpadas, publicidade. De certa maneira, “Trajetos” pode ser visto como um retrato de um pequeno fragmento de São Paulo, registrado de dentro do transporte que abriga tantos paulistanos todos os dias.
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* Fotógrafa, designer gráfica, videomaker, Gabriela Leite nasceu em 1989 em São Paulo. Formou-se em Comunicação e Multimeios pela PUC-SP, em 2013. Fez curso de Linguagem Fotográfica com o fotógrafo Carlos Moreira, em 2010-2011 e Estudos de Fotografia Analógica PB com a fotógrafa Regina Martins, em 2009-2010.
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Abaixo, mais alguns momentos captados pela câmera de Gabriela Leite:
"Trajetos", fotografia de Gabriela Leite

"Trajetos", fotografia de Gabriela Leite

"Trajetos", fotografia de Gabriela Leite

"Trajetos", fotografia de Gabriela Leite

"Trajetos", fotografia de Gabriela Leite

"Trajetos", fotografia de Gabriela Leite

"Trajetos", fotografia de Gabriela Leite

"Trajetos", fotografia de Gabriela Leite

"Trajetos", fotografia de Gabriela Leite

"Trajetos", fotografia de Gabriela Leite

"Trajetos", fotografia de Gabriela Leite

domingo, 26 de maio de 2013

Viradas culturais

Virada Cultural 2013: e o povo na rua dançando...
Andar pelo centro de São Paulo lotado de pessoas de todas as regiões desta megalópole é uma sensação muito boa. Desde a Pinacoteca do Estado até o Pátio do Colégio, é possível andar a pé nas ruas sem carro, ver a cidade, observar que ainda temos prédios lindos, que contam histórias dos vários passados desta cidade. Ao lado do vale do Anhangabaú, ainda é imponente o edifício Martinelli, que já foi o mais alto do Brasil por mais de dez anos, desde a década de 1930. Essas centenas de pessoas que passeiam noite a dentro pelas ruas do centro, vieram aqui para assistir a shows de música, teatro, dança, cultura popular, cultura clássica. Essa aglomeração que reune anualmente 4 milhões de pessoas no centro de São Paulo é a nossa Virada Cultural.

O centro de São Paulo ainda é o ponto de confluência dos paulistanos. Lugar de passagem para o trabalho, espaço de comércio, de escritórios, da Praça da Sé, do Largo de São Francisco e das velhas arcadas da Faculdade de Direito da USP. Mas é também o lugar do abandono de prédios e ruas, da degradação das construções invadidas, transformando antigos belos prédios em favelas verticais, como as que são vistas próximas à Estação da Luz. 

E, principalmente, é onde os pobres, os miseráveis, os moradores de rua, os loucos, os menores abandonados e os menores e maiores melientes se juntam em bandos, para se defender ou para atacar, se preciso for... É onde magotes de pessoas que mais parecem zumbis se juntam também para fumar aquela pedra que está virando epidemia em todo o território brasileiro: o crack. Os molambos humanos da Cracolândia agora espalhada, com seus olhares travados e oleosamente úmidos, mal tem consciência do que se passa. Apenas devem ver mais possibilidades de arrumar uns trocados para comprar a próxima pedra...

É aqui, nesta região toda, bela e triste, encantadora e amedrontadora, que acontece desde 2005 o maior evento cultural da cidade de São Paulo.
Gal Costa, na Virada Cultural 2013

Neste ano de 2013, todos os torcedores contra a gestão petista na maior capital do Brasil fizeram questão de alardear para todas as regiões que a Virada Cultural “Petista” deu em violência, deu em arrastões e roubos, deu em morte. A Polícia Militar - do governo do Estado, nas mãos do PSDB - fez ouvidos moucos e fechou os olhos para o que acontecia. Não podiam sair de suas bases, disseram eles todas as vezes que foram chamados a intervir.

Pois bem. A Virada Cultural foi criada em 2005 pelo governo Serra, do PSDB. Até onde sabemos, essa gente não tem muito interesse em juntar gente e por isso deve ter se surpreendido quando as multidões foram para as ruas. Porque gente gosta de arte, gente precisa de arte para viver. Como de bebida e de comida, e de saúde e educação, e de segurança e transporte público de qualidade. E gente gosta de passear com os outros do lado, mesmo desconhecidos, para celebrar alguma coisa, ou simplesmente para se ajuntar. E se ajuntar para ouvir música, por exemplo, é uma das experiências mais enriquecedoras do espírito humano; milhares de pessoas cantando juntas é um momento de maravilhamento que nos fortalece e nos aproxima ainda mais.

Mas, na minha opinião, este modelo se esgotou.

A Virada Cultural de São Paulo precisa se reinventar, se redistribuir, se descentralizar e, acima de tudo, a Prefeitura da gestão de Fernando Haddad precisa fazer a “Virada Cultural” que a cidade necessita! E não é num evento único anual que isso vai acontecer. A Virada Cultural tem que acontecer no dia a dia da cidade, aproveitando todos os espaços públicos que são muitos, todos os centros culturais que são muitos, todos os museus, bibliotecas, CEUs, escolas municipais, associações de moradores... Esses lugares precisam ter suas atividades culturais em TODOS os finais de semana, dando oportunidade para que o povo se agrupe em redor de trupes de artistas, de bandas de música, de teatro, de todas as intervenções artísticas possíveis.

Anualmente até pode-se fazer um resumo de toda esta efervescência cultural da nossa cidade, fazendo uma Virada de 24 horas de arte e cultura. Mas DESCENTRALIZADA. 

Por que não levar Gal Costa para cantar em São Mateus, por exemplo? 

Por que a Orquestra Sinfônica de São Paulo não pode ir se apresentar no Jardim São Luís e a Daniela Mercury na Vila Sabrina? 

Por que a Viradinha Cultural não pode se espalhar pelos CEUs e escolas municipais da cidade, dando oportunidade para todos os artistas voltados para o público infantil poder se apresentar? 

Por que não se pode abrir todos os Museus da cidade nestas 24 horas com entrada livre e gratuita para que todos possam ver as exposições disponíveis nesses espaços culturais? 

Por que os cinemas não podem se integrar e também passar 24 horas de filmes de qualidade, dos clássicos aos brasileiros, para que o povo possa ter escolha entre uma comédia da Globo Filmes e um filme de Charles Chaplin, por exemplo? 

Por que as Bibliotecas Públicas não podem abrir por 24 horas as suas portas para que o mundo dos livros seja conhecido e absorvido por nossa gente?

São questões que precisam ser revistas por uma gestão popular na Prefeitura de São Paulo, sob o comando de Fernando Haddad. Já sabemos que a gestão de Dilma Roussef não tem dado a devida importância à Cultura brasileira, não a mesma que foi dada por Luis Inácio. O Secretário de Cultura de São Paulo é ex-Ministro da Cultura do período do Presidente Lula, que apoiou a criação dos Pontos de Cultura, que apoiava o Cultura Viva, que tinha interesse em dar vez aos produtores culturais de todo o Brasil, de norte a sul. Cabe a nós torcer para que ele se volte para a vida cultural de São Paulo que acontece no dia a dia? 

Há milhares de artistas por aqui, de todos os naipes e linguagens, fazendo seu trabalho, uns mais outros menos silenciosamente, diariamente, em todos os recantos, desde a Zona Leste à Zona Sul, do Centro, da Zona Norte e da Zona Oeste. Basta ver o crescimento dos Saraus poético-músico-literários que abastecem com arte as periferias da cidade. Basta ver as feiras de arte, as rodas de samba, as bandas de garagem, os grupos de teatro, de circo, de poetas, de grafiteiros, de hip-hop, os pintores em seus ateliês, os desenhistas urbanos, as festas de padroeiros, os batuques nos terreiros, a dona de casa que canta no tanque de lavar roupa...

Porque o ser humano precisa de Arte para viver, sim! A vida não é só o automatismo do comer-beber-dormir, e trabalhar só para se manter vivo! A vida é mais: exige força, exige combate, exige coragem, exige lucidez para lidar com os embates diários da existência em um sistema injusto onde a distribuição da riqueza produzida pela maioria imensa é apossada por uma minoria absurda! Mas viver também é sonhar, é criar, é imaginar e tudo isso necessita de expressão. Sem arte, sem o simbolismo que a arte proporciona, sem o prazer da alma que a arte propicia e que eleva o ser humano ao status de criador e que produz encantamento, o que resta? Ir para os aglomerados de desesperados que lotam os templos evangélicos ou os infestados caminhos das drogas?

As escolhas são feitas diariamente, senhores. E o caminho da fruição artística e da riqueza cultural do nosso povo e dos nossos artistas está aqui diariamente, senhor Secretário!



quarta-feira, 24 de agosto de 2011

"Um homem é o espelho do outro"

Boris, pastel sobre papel canson, Mazé Leite, 2011


"Suponhamos aquilo que produzimos como seres humanos. Cada um de nós se afirmaria duplamente em sua produção: em relação a si próprio e ao outro. Em minha produção, eu realizaria a individualidade da minha vida. E contemplando o objeto produzido, alegro-me ao reconhecer minha própria pessoa como um potencial que se realizou como algo visível, tangível, objetivo.

O uso que você faça do que eu produzi, e o prazer que eu obtenha, dar-me-ia a alegria espiritual de satisfazer, através do meu trabalho, uma necessidade humana, de contribuir para a realização da natureza humana e de aportar, ao outro, o que lhe é necessário. Nossas produções seriam como espelhos em que nossos seres se irradiam de um para o outro. Um homem é o espelho do outro."


(Karl MARX, in "Economia Política e Filosofia", 1844)


Um dia desses fomos a São Francisco Xavier, interior de São Paulo. Na volta, pensamos que podia ser bom voltar pela rodovia Fernão Dias. Só que no caminho - estrada de terra - nos perdemos, quando vimos este homem aí acima. Paramos. Cumprimentamos o homem que se misturava  ao mato e ao fim do dia, quase noite.

Perguntei: posso tirar uma foto do senhor? Sim, respondeu simpático. E contou que é filho de um lituano que veio para o Brasil na década de 1930, que seu pai falava 5 idiomas, fluentemente, entre eles russo e francês. Que ele - esse homem - se chama Boris; seu sobrenome eu não entendi, mas era algo que soava como soam os sobrenomes do norte da Europa. E o Boris nos indicou o caminho certo de voltar para São Paulo. Trouxe esse homem em meu coração. Esta é minha homenagem a ele.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Mendigo contemporâneo do centro de São Paulo

Foto no viaduto Santa Ifigênia, centro de São Paulo, 8 de maio de 2011


Um homem pede esmolas no centro de São Paulo, pleno domingo de sol de outono. Um estranhamento ronda sua figura plástica, pictórica, coberta de uma mesma tonalidade marrom como sua pele. Sigo pelo viaduto Santa Ifigênia, mas meus pensamentos ficam lá com aquela figura.

O mundo que ronda esse homem transformou-se num grande mercado e ele tenta, lá do seu jeito torto e trágico, captar as sobras, os restos da Grande Feira deste mundo pós-moderno. O capitalismo passa como uma máquina monstruosa sobre esse homem, relegado à ignorância, à fome, ao abandono, à solidão mais absoluta de um homem só, sozinho contra um mundo!


O jovem mendigo (1645-1650), de
Bartolomé Esteban MURILLO (Sevilha, 1618 -1682)
Museu do Louvre-Paris-França
Um pintor espanhol do século XVII, Bartolomeu Esteban Murillo (1618-1682) também pintou um mendigo. No caso, um menino mendigo, um menino de rua, como tantos que havia na Sevilha desse tempo, quando a Espanha vivia sua Idade do Ouro.


O mendigo de Murillo é um garoto vestido com trapos, com os pés sujos, sentado no chão, sozinho no canto de um interior em ruínas. Ele parece ocupado em se livrar das pulgas que incomodam. 

Murillo escolheu, como artista, pintar os pobres de seu tempo. Ele se inspirou na pintura de Caravaggio, o mestre italiano. Como este, também inclui os contrastes violentos de luz e sombra que caem sobre suas figuras pintadas, que recuperam algo de sua dignidade de ser humano.

Mas o mendigo de São Paulo é sombrio naturalmente. Nada tem de gracioso, de harmônico, de digno. É mais um dos muitos que encontramos vagando pelo centro da cidade, expostos à fome, ao tempo, às drogas. Porque são mendigos de agora, mendigos versão contemporânea, sobrevivendo em permanente asfixia, numa rotina que se repete como os piores sonhos! Eles e seus pés andarilhos.
Desenho com lápis grafite, 2010