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sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Antes que o ano acabe...

Estudo em pastel preto&branco sobre uma pintura de Rembrandt - dez/2011

Rainer Maria Rilke, poeta e escritor de língua alemã, nascido em Praga (atual República Tcheca) no final do século XIX (1875), certa vez recebeu uma carta de um jovem poeta, acompanhada de um poema, para o qual ele solicitava uma opinião sincera de Rilke. Queria saber se era de fato um criador, um artista.


Estudo com pastel em tons de cinza,
dezembro/2011
Lembrei disso ao terminar este estudo acima, em pastel, sobre um auto-retrato de Rembrandt. Após dias observando a forma de trabalhar daquele maravilhoso pintor holandês, tentando seguir em sua direção, eu pegava no pastel sentindo, alternadamente, a dor e a delícia que toma conta de mim em minhas tentativas de representação pictórica do mundo. Há um sofrimento inerente a esse processo, ao qual me sinto incapaz de fugir: apanho muito, muito enquanto desenho e pinto, nessas preliminares que antecedem o surgimento da figura que quero ver surgir no meu cavalete. Sofro se não alcanço o ponto certo, o tom certo, o valor certo. Sofro se há mais sombra do que devia; se uma certa sutileza foge de mim, se uma massa muito ampla se transforma numa espécie de bicho selvagem que não domino e que me domina; sofro se minha mão oscila, treme, fica insegura quando o toque deve ser o mais leve ou o mais pesado naquele ponto... Mas a delícia vem... Após horas de trabalho, suor, tensão, angústia, a figura vem se mostrando ali na minha frente, com uma harmonia que parece inacreditável, um equilíbrio ainda um tanto quanto incerto, mas que me mostra uma possibilidade de crescimento maior a partir dali... Parece que se abre um mundo imenso de possibilidades novas, uma coisa que às vezes é tão grande, tão grande que parece muito maior do que eu possa transmitir... 


Desenho desde o jardim de infância. Cresci desenhando. Minha vida tem sido em torno do desenho, mesmo que durante anos eu tenha me voltado para o desenho gráfico virtual, com o computador. Mas o desenho está sempre – esteve sempre – a minha vida inteira ali à minha espreita, quando eu pensava que já não precisava mais dele e que o computador estava aí para acelerar todos os processos... Ledo engano. O computador serve a outro tipo de produção. Jamais vai substituir o traço incerto, oscilante, denunciante da alma humana, da mão criadora do mundo. Uma máquina não substitui a alma e o coração do artista...


Olhei de novo para meu estudo sobre Rembrandt. O que ele, Rembrandt, acharia disso? Será que ficaria satisfeito com meu trabalho? Como me avaliaria? Lembrei de Rilke. Peguei o livro na minha estante “Cartas a um jovem poeta”. Li a primeira carta, que já tinha lido antes outras tantas vezes.


Cópia inacabada em óleo da obra "Moça com
brinco de pérola" de Jan Vermeer - outubro/2011
Estavam lá estes dois trechos que mais me tocam: 


 - o primeiro, que fala da dificuldade que temos de traduzir o real que vemos e experimentamos. As palavras faltam. As palavras falham. As palavras são ainda poucas, confusas, estranhas. Há algo no Real que continua indizível. E até invisível para quem não sabe Ver. Fala Rilke: 


“As coisas estão longe de ser todas tão tangíveis e dizíveis quanto se nos pretenderia fazer crer; a maior parte dos acontecimentos é inexprimível e ocorre num espaço em que nenhuma palavra nunca pisou. Menos suscetíveis de expressão do que qualquer outra coisa são as obras de arte, — seres misteriosos cuja vida perdura, ao lado da nossa, efêmera.”


A segunda parte da carta, provoca o artista, interroga-o: você consegue viver sem desenhar, pintar, escrever? Não??? Então transforme sua vida na busca disso do qual você não consegue fugir. Fale, Rilke:


“Pergunta se os seus versos são bons. Pergunta-o a mim, depois de o ter perguntado a outras pessoas. Manda-os a periódicos, compara-os com outras poesias e inquieta-se quando suas tentativas são recusadas por um ou outro redator. Pois bem — usando da licença que me deu de aconselhá-lo — peço-lhe que deixe tudo isso. O senhor está olhando para fora, e é justamente o que menos deveria fazer neste momento. Ninguém o pode aconselhar ou ajudar, — ninguém. Não há senão um caminho. Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto acima de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranqüila de sua noite: "Sou mesmo forçado a escrever?” Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples "sou", então construa a sua vida de acordo com esta necessidade. Sua vida, até em sua hora mais indiferente e anódina, deverá tornar-se o sinal e o testemunho de tal pressão. Aproxime-se então da natureza. Depois procure, como se fosse o primeiro homem, dizer o que vê, vive, ama e perde.” 


O pequeno Arlequim e sua mãe, pastel colorido, novembro/2011