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quinta-feira, 28 de julho de 2011

Um Museu para as Artistas

Pintura da holandesa Clara Peeters, de 1611, uma representante da arte barroca europeia

Existe em Washington, DC, Estados Unidos, um Museu Nacional, único no mundo, dedicado exclusivamente a reconhecer as contribuições das mulheres artistas. O National Museum of Women in the Arts (NMWA) foi criado em novembro de 1981 como uma empresa privada sem fins lucrativos.

Durante toda a história da arte, pouco se ouve falar de artistas do sexo feminino. Mas elas existiram em grande número!

É o que mostra a coleção permanente do Museu, composta por mais de 3.000 obras de artistas desde o século 16 até o presente. São pinturas, esculturas, desenhos, gravuras e muitos outros trabalhos em papel. A coleção representa uma ampla gama de estilos dessas artistas, que vão desde Lavinia Fontana, pintora italiana do século XVI até Käthe Kollwitz, gravadora alemã do século XX, sem falar nas artistas mais recentes e contemporâneas. O Museu também tem várias importantes coleções especiais, incluindo a joalheria em prata feita por mulheres ourives inglesas e irlandesas dos séculos XVIII e XIX.

Museu Nacional das Mulheres Artistas,
Washington DC, EUA
A história do museu está ligada a dois estudiosos e pesquisadores da arte norte-americanos: Wilhelmina Cole Holladay e Wallace F. Holladay. Nos anos 1960 eles começaram sua coleção de obras de arte e se interessaram pelo debate em torno da sub-representação das artistas mulheres e de vários grupos raciais e étnicos em coleções de museus e exposições de arte.

Por mais de 20 anos os Holladays foram em busca da arte feita por mulheres. Foi a partir de 1980, que Wilhelmina Holladay começou a dedicar suas energias e recursos para a criação de um museu que iria mostrar mulheres artistas e suas obras.

Em 1983, adquiriram um prédio onde funcionou um antigo Templo Maçônico, que foi remodelado e adaptado para funcionar um museu de arte. Em 1987, o Museu Nacional de Mulheres Artistas foi aberto com a exposição inaugural “Mulheres Artistas norte-americanas” do período de 1830 a 1930. Essa mostra teve a curadoria da historiadora de arte e militante feminista Eleanor Tufts, que fez pesquisas sobre trabalhos produzidos por artistas mulheres nos EUA.

Importância

Pintura de Lavia Fontana,
Itália, século XVI

“Se fosse costume enviar as meninas para a escola e ensinar-lhes as mesmas matérias que são ensinadas aos meninos, elas aprenderiam tão plenamente quanto eles e entenderiam as sutilezas de todas as artes e ciências.”

Esta frase foi dita em 1405 por Christine de Pisan, filósofa e poeta, nascida em Veneza, Itália, em 1364. Ela morreu no mosteiro de Poissy, na França, por volta de 1430. Christine de Pizan é considerada a primeira mulher dedicada à literatura de língua francesa e viveu de seu trabalho como escritora. Era muito erudita, acima da média de mulheres e de homens de sua época. Compôs desde tratados de política e filosofia, assim como poemas. Retirou-se para um convento no final da vida.

A arte tem desempenhado um papel muito importante em nosso mundo, desde sempre. Mas em especial no século XVI, a sociedade aristocrática e eclesiástica europeia possuiu pintores homens altamente treinados, assim como gravadores e escultores, que tiveram como patronos líderes políticos e religiosos, além de intelectuais da época. No entanto, as mulheres que praticavam as artes plásticas eram limitadas a estudar com seus pais e esposos. Eram geralmente proibidas de praticar as técnicas de maior prestígio artístico, tais como pintura em afresco, ou estudar anatomia e perspectiva e outras informações necessárias para se obter sucesso como artistas profissionais. Além disso, não tinham, como os homens, liberdade para viajar, para conhecer outros países, estudar com os mestres italianos, por exemplo, como fizeram tantos artistas do sexo masculino, de variadas regiões do mundo.

"Retrato de mulher em vermelho",
pintura de Marianne Loir, França, séc. XVIII
A maioria dessas mulheres que pintavam, desenhavam e esculpiam eram em geral filhas ou esposas de artistas, com quem adquiriam as habilidades. Mas a elas só era permitido pintura de “estilo menor”, como paisagens, cenas de gênero, etc.
Mas no norte europeu, durante os séculos 16 e 17, por conta da religião calvinista e luterana, as artistas da Holanda e da Alemanha, especialmente, tinham algumas vantagens sobre as mulheres do sul. Um país mais voltado ao comércio, a Holanda especialmente se tornava uma nação poderosa, tendo vencido a Espanha, de quem se tornou independente, e mesmo a França, países de tradição monárquica e católica.

Na Itália, a Igreja Católica era a principal provedora da arte e pagava altas comissões aos trabalhos de artistas homens. A Igreja não aceitava a arte de mulheres. Mas no Norte da Europa, após a Reforma Protestante, as mulheres desempenharam um papel extremamente importante no desenvolvimento da vida e também da pintura, a partir de 1600.

Algumas delas, flamengas e holandesas, se tornaram tão proeminentes que conseguiam até ganhar a vida pintando naturezas-mortas e cenas domésticas, como é o exemplo de Rachel Ruysche e Judith Leyster.

Autorretrato de Rosalba Carriera
com sua irmã, Itália, século XVII
E Clara Peeters, que viveu entre 1594 e 1659. Ela foi uma pintora bastante ativa em sua época. Esta holandesa, precocemente começou a mostrar talento e entrou para a história da arte como uma das representantes da arte barroca europeia. Ela foi uma das precursoras da pintura de gênero holandesa.

Mas no sul da Itália, especialmente em Bolonha, surgiu também uma série de artistas notáveis. Bolonha tinha tradição de ser uma cidade com longa história de atitudes progressistas em relação às mulheres. Os registros mostram que 23 pintoras e pelo menos uma escultora estavam ativas em Bolonha entre 1500 e 1600. Entre elas, Lavinia Fontana, filha de um pintor de sucesso, que desenvolveu uma carreira ilustre como retratista. Elisabetta Sirani foi pintora de temas religiosos e mitológicos antes de atingir a idade de vinte anos.

Sem estender muito mais, na França do século XVIII, Rosa Bonheur se especializou na pintura de animais, apresentando uma técnica surpreendente. Ela nasceu em 16 de março de 1822 e foi uma pintora realista francesa, muito admirada em seu país, assim como na Inlgaterra e nos EUA.

Escultura de Camille Claudel
Camille Claudel, nascida em Paris em dezembro de 1864, foi uma grande escultora, aluna do escultor Auguste Roudin. Ela começou bem pequena ainda a se interessar em fazer esculturas, e recebeu muito incentivo de seu pai. Hoje ela é considerada uma das principais artistas francesas do século XIX.

Aqui no Brasil, as artistas mulheres também sofreram preconceito e discriminação, apesar de terem tido uma participação bastante razoável na pintura brasileira.

Sabe-se que muitas delas estudaram na Academie Julian, de Paris, a principal escola privada, em nível internacional, a aceitar mulheres como alunas a partir do final do século XIX. Berthe Worms, Nicolina Vaz, Julieta de França, Nair de Teffé, Georgina de Albuquerque, entre outras, foram estudar em Paris e tiveram sucesso em seu tempo, ganhando medalhas e prêmios. A Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, por onde passaram muitos importantes pintores da nossa história, entre os quais Candido Portinari, somente no final do século XIX passou a aceitar mulheres como estudantes.

Somente depois da Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo, é que a artista brasileira passou a ter seu lugar reconhecido. Anita Malfatti e Tarsila do Amaral, as pioneiras do modernismo brasileiro, abriram caminho para todas as gerações de artistas seguintes.

Sabemos que neste primeiro semestre de 2011, com o apoio da presidenta Dilma, houve uma exposição de mulheres artistas no Palácio do Planalto. Pinturas, esculturas, obras em cerâmica, desenhos, gravuras, fotografias e tapeçarias feitos por artistas brasileiras como Tarsila do Amaral, Djanira, Anita Malfati, Georgina de Albuquerque, Noêmia Mourão, Collete Pujol, Lygia Pape, Mira Schendel, Tomie Ohtake, Edith Behring e Renina Katz.

Pintura de Rosa Bonheur, pintora realista do século XIX, França

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Leia também, neste Blog:

- KÄTHE KOLLWITZ, UMA ARTISTA EM BERLIM
- ANITA, A MULHER QUE MODERNIZOU AS ARTES BRASILEIRAS

domingo, 26 de junho de 2011

Museu Niemeyer – o olho de Curitiba


Museu Oscar Niemeyer, Curitiba, Paraná
Neste feriadão, junto com o final de dez dias de férias, resolvi pegar a rodovia Régis Bittencourt rumo a Curitiba. É sempre temeroso encarar a Régis, mas estava razoavelmente tranquila na ida e muito tranquila no retorno ontem, sábado. Fui ver Curitiba um pouco melhor e voltei com a sensação de que aquela é uma cidade bastante organizada, limpa, cheia de simetrias, seja pelas ruas retas e longas, seja pelas araucárias que se veem aqui e acolá.


Fui direto para o Museu Oscar Niemeyer, inaugurado em 22 de novembro de 2002. Sua forma se assemelha a um olho, por isso o apelido de Museu do Olho. Ele está localizado ao lado de um amplo parque, para onde os curitibanos vão com suas famílias, seus amigos, seus namorados, seus bichos. As pessoas se agrupam sobre toalhas grandes, fazendo piqueniques de fim de tarde. Outros namoram, outros conversam em grupos, outros caminham, crianças brincam. Nenhum perigo a vista.


A arquitetura do Museu do Olho é de Oscar Niemeyer mesmo: saguões amplíssimos, de teto baixo, e muitas curvas. No primeiro pavimento – o mais amplo de todo o conjunto – várias exposições, entre elas “Dores da Colômbia – de Fernando Botero”, “Fotografias de Maureen Bisilliat”, “Mulheres no Acervo MON”, “Arcângelo Ianelli”, “Carlos Motta – marceneiro, designer e arquiteto” e um rescaldo do que foi a 29ª. Bienal de São Paulo, além de outras.


Destas aí, vi com muita atenção as fotografias de Maureen Bisilliat (que me encantou muitíssimo!), as pinturas de Ianelli e de Fernando Botero. E as “Mulheres”.


MAUREEN BISILLIAT – sempre se fala que quando um livro ou um filme é muito bom, logo de cara ele te domina. Foi o que aconteceu comigo em relação à fotografia desta inglesa, nascida em 1931, e naturalizada brasileira. Muito brasileira, eu diria. Ela fotografa o povo brasileiro, de todos os recantos do Brasil.


Bumba-meu-boi em São Luís, 1978
Em 1978 ela passou por São Luís do Maranhão e fez uma reportagem fotográfica com os dançantes do Bumba-meu-boi. Reportagem belíssima! Nessa época eu morava em São Luís e nem podia imaginar que ela estava lá fazendo esse trabalho que eu iria ver 33 anos depois em Curitiba! A vida...


Essas fotografias de São Luís faziam parte do projeto de composição do acervo da Galeria de Arte Popular O Bode, que era de Maureen Bisilliat, de seu marido Jacques Bisilliat e do arquiteto Antonio Marcos Silva. Em 1988, Darcy Ribeiro, antropólogo, convidou os três para formar o acervo de arte popular latino-americano da Fundação Memorial da América Latina, em São Paulo.
Fotografias de Maureen Bisilliat
Maureen Bisilliat
Mas ela também era amiga dos escritores brasileiros João Guimarães Rosa e Jorge Amado. Para eles, ela fez fotografias especiais do povo sertanejo de Minas Gerais e da Bahia. Lindas! Como são lindos os vaqueiros nordestinos que ela fotografou, vestidos em gibãos de couro, valentes, tingidos do sol da caatinga. E como são lindas as mulheres caranguejeiras paraibanas que Maureen também fotografou, para a revista Realidade, na década de 70.


Ela também lançou livros de fotografia inspirados em "Os Sertões" de Euclides da Cunha. Guimarães Rosa, de quem ela leu "Grande Sertão: Veredas", sugeriu que ela fosse para o interior do Brasil e que ela entenderia muito bem o sertão, até por suas raízes irlandesas. Ela foi e voltou com imagens belíssimas do povo sertanejo.


Fernando Botero – sua exposição no MON intitula-se “Dores da Colômbia”. São pinturas onde ele retrata pessoas mutiladas, assassinadas, sofrendo violências de todo o tipo, angustiadas, desesperadas. Como ele diz, sobre esta exposição, sua ideia era deixar “um testemunho de artista que viveu seu país e seu tempo. É como dizer: vejam a loucura em que vivemos.” Todas as figuras humanas que aparecem, mesmo nessas cenas de violência das telas de Botero, são aquelas que são sua marca registrada: pessoas obesas, homens e mulheres. 


Fernando Botero
Não é uma exposição fácil de se ver, mas, enfim, a intenção do artista talvez tenha sido causar desconforto, para o qual a curadoria ajudou colocando os quadros em paredes cinzentas. “Meu país tem duas caras. A Colômbia é o mundo amável que eu pinto sempre, mas também tem essa cara terrível da violência”, expressa uma de suas frases na exposição. São 67 obras, entre pinturas a óleo, aquarelas e desenhos.


“Dores da Colômbia” é parte de uma corrente artística que vincula a arte e política, em contextos onde o artista se dá o papel de interpretar e denunciar fatos históricos em suas telas. São inúmeros os exemplos, como Delacroix, Francisco Goya e Pablo Picasso (com sua “Guernica”).
Dores da Colômbia, de Botero
Como um gesto de solidariedade ao seu povo, Botero doou a coleção ao Museu Nacional da Colômbia, quando declarou: “Não vou fazer negócio com a dor do meu país”.


ARCÂNGELO IANELLI – são 19 pinturas que pertencem ao acervo do Museu Oscar Niemeyer de Curitiba, de várias fases significativas do pintor paulista Arcângelo Ianelli. Os quadros foram uma doação da família Ianelli ao Museu do Olho. 


Arcângelo Ianelli
Arcangelo Ianelli nasceu em São Paulo em 18 de julho de 1922 e morreu recentemente, em maio de 2009. Foi pintor, escultor, ilustrador e desenhista. Até 1959, seguia uma linha mais figurativa em suas pinturas mas, a partir de então começou a executar pinturas com figuras geométricas até ir para a pintura abstrata, forma como é mais conhecido.


No MON, podem ser vistas algumas obras ainda do período figurativo de Ianelli, alguns dos quais marcam sua fase final como pintor figurativo. Claro que esses 19 quadros são apenas uma pequena amostra do conjunto do trabalho do artista que participou, entre outros, do Grupo Guanabara.


Esse grupo se formou em São Paulo em 1948 e se reunia na oficina de molduras de Tikashi Fukushima. Eram quase todos japoneses, mas havia alguns “estrangeiros”, como Arcangelo Ianelli. Saiam juntos nos fins de semana para desenhar pelas ruas da Vila Mariana ou pelo Brooklin. Cada um pintava como queria, ninguém dava palpite no trabalho do outro. Mas depois, em 1959, o grupo se extinguiu e Ianelli seguiu seu caminho.


O trabalho de Arcangelo Ianelli é muito característico seu, desde o figurativo. As cores sempre são em tons reduzidos, formas geometrizantes, uma atmosfera fluida, até diria meio triste. A pintura dele não expressa alegria, leveza, claridade. Parece que expressa uma alma inquieta, solitária, angustiada com o que vê. E o que vê, na medida em que envelhece, são formas de cores opacas, um tanto desfocadas, profundamente longínquas.


É sempre bom ver um pintor que traz consigo a história de décadas de riqueza artística e histórica de nosso país e que conviveu com os maiores nomes da nossa pintura do período modernista e pós-modernista.


Arcângelo Ianelli é irmão do pintor Tomás Ianelli e pai do também pintor e escultor Rubens Ianelli.
Obras que pertencem ao acervo do MON, de Ianelli