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segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Arte em construção, o sonho de Tatlin - final


Cartaz de propaganda de autoria de Alexander Rodchenko, que começou a usar suas fotografias na criação de cartazes
Arte em construção, o sonho de Tatlin - final

Tatlin trabalhando na maquete
do Monumento à III Internacional
Vladimir Tatlin nasceu em 1885. Perdeu a mãe ainda bebê e era muito maltratado por seu pai e madrasta. Fugiu de casa aos 18 anos para se tornar marinheiro e sua primeira viagem levou-o ao Egito. Nessas viagens desenhou portos e pescadores. Em 1904, quando seu pai morreu, voltou e entrou na Escola de Arte Penza, onde estudou com um pintor. Em 1910 foi para Moscou e entrou na Faculdade de Pintura, Escultura e Arquitetura. Sua primeira exposição foi em 1911, organizada pela União da Juventude. Conheceu e trabalhou muito próximo a Larionov e Natalia Goncharova. Em 1913 fez uma viagem a Paris e Berlim.


Tatlin participou ativamente do processo revolucionário soviético e se tornaria um dos principais artistas executores dos programas de arte para a sociedade nova que surgia. Foi dele também a criação de um outro monumento, o “Projeto para a Tribuna de Lenin”, que não saiu do papel. Assim como outros, projetou cenários para teatro, vestuário, peças de mobiliário, mesas de trabalho, fez ilustrações, desenhou cartazes. Junto com Rodtchenko, seu impulso era “fazer das ruas seus pinceis e das praças sua paleta”, como disse o poeta Maiakovski.


Em 1920, Tatlin e outros “artistas esquerdistas” criaram o Instituto de Cultura Artística. Sua preocupação era “desenvolver um enfoque teórico da arte sob uma sociedade comunista”, observa Camilla Gray. Inicialmente o programa a ser seguido era o desenvolvido por Kandinsky, que incluía o Suprematismo de Malevich, o Construtivismo de Tatlin e as teorias do próprio Kandinsky. O programa foi publicado em 1920. A segunda parte do curso seria dedicada à criação de arte monumental, incluindo um estudo aprofundado das cores e da geometria das formas.


Capa do manifesto do
"Cavaleiro Azul", movimento
criado por Kandinsky, 1912
“Essas ideias, que deveriam logo depois formar a base do curso da Bauhaus de Kandinsky”, ressalta Gray, foram recusadas pelos “futuros construtivistas” do Instituto. Estes tinham uma concepção mais racional da criação artística. As ideias de Kandinsky eram, para eles, muito subjetivas para serem aceitas. Kandinsky deixou o Instituto. Em 1922 foi convidado para ensinar na escola Bauhaus de Weimar, na Alemanha, e para lá se mudou.


No começo da Revolução, as exposições de arte eram basicamente dominadas pelo estilo abstrato. A V Exposição Estatal, acontecida em 1919, foi intitulada “Sindicato dos Artistas Pintores da Arte Nova - Do Impressionismo à Pintura Abstrata”, ocorrida no Museu de Belas Artes de Moscou. Kandinsky, assim como Rodchenko e as artistas Varvara Stepanova e Liubov Popova expuseram obras abstratas. Tatlin e Malevich não participaram. Na X Exposição Estatal, Malevich expôs uma série intitulada “Branco sobre branco”. Rodtchenko, em contrapartida, enviou sua pintura “Preto sobre preto”, acompanhada de um manifesto onde dizia: “As cores caíram fora, está tudo misturado em preto”, entre outras frases de efeito mescladas com citações do poeta Walt Whitman. Foi a última exposição de pintura coletiva realizada pela vanguarda na Rússia.


O Proletkult


Capa de "Fornalha",
órgão oficial do Proletkult, 1922
Proletkult é a sigla em russo da “Organização para a Cultura Proletária”. Começou a atuar efetivamente após a Revolução de 1917. Sua visão da arte era assim declarada: “Arte é um produto social, condicionado pelo ambiente social. Também é um meio de organizar o trabalho… O proletariado tem de ter sua própria arte de classe, a fim de organizar suas forças na luta pelo socialismo”.


Seu principal teórico era Alexander Bogdanov, um marxista que sempre disputava com Lenin sobre a doutrina, observa Camilla Gray em seu livro. Bogdanov exigia que o Proletkult tivesse autonomia em relação ao partido bolchevique e fosse o “verdadeiro representante da cultura proletária”. Lenin discordava. Gray observa: “Segundo dizem, Lenin chegou a declarar que um tal monopólio do título de arte proletária oficial por parte de uma escola, era prejudicial, ideológica e pragmaticamente”. Lenin não veria o outro erro, na década de 1930, quando se impôs a estética do “Realismo Socialista”...


Em 1918 a capital russa voltou a ser Moscou e para lá se mudaram os principais artistas “esquerdistas”. Para eles foi um tempo de profícua atividade. Estavam obcecados com a ideia do papel que estavam sendo chamados a desempenhar nesta nova Rússia. “A arte não era mais algo remoto, um vago ideal de sociedade, mas a própria vida”, diz Camilla. Eles sonhavam com este novo mundo cheio de arranha-céus, máquinas, foguetes e automatização. Todos os seus projetos se voltavam para ajudar a criar este novo mundo.


"Contra-relevo", escultura de Tatlin, 1916
Em meio a apaixonados debates nasceu o Construtivismo. O centro principal era a sede do antigo “Instituto de Cultura Artística” em Moscou, mas as discussões aconteciam em qualquer parte e qualquer hora. Destes debates, surgiu mais uma cisão: de um lado o grupo de Malevitch, para quem a arte era uma atividade essencialmente espiritual, “cuja tarefa consistia em ordenar a visão de mundo do homem”. Do outro lado, se enfileiravam Vladimir Tatlin, Alexander Rodtchenko e Vladimir Maiakovski, dizendo que o artista deveria se tornar um técnico, aprender a usar as ferramentas e os materiais de produção. “Arte para a vida!”, era seu slogan.


Os seguidores de Tatlin, Rodtchenko e os outros, abandonaram por completo a pintura de cavalete para trabalhar na “arte da produção”. Os Construtivistas desejavam criar uma “ponte entre arte e indústria”, mas também negavam o passado, a tradição. Para estes artistas, o passado era a arte burguesa, que não servia à nova sociedade. Seu manifesto era tão doutrinário quanto foi doutrinária na década de 1930 a visão jdanovista da arte...


Eles se dedicaram ao desenho industrial. Vladimir Tatlin foi até à metalúrgica Lessner, perto de São Petersburgo, para se tornar um artista-engenheiro. Popova e Stepanova trabalharam numa fábrica têxtil, onde criaram tecidos. Rodtchenko e Maiakovski passaram “a desenhar cartazes de propaganda e desenvolveram um método construtivista de desenho para tipografia”. Rodtchenko passou a utilizar a fotografia como ilustração dos seus cartazes.


"Dança", pintura de
Alexander Rodchenko
Com a política da NEP implementada por Lenin, que industrializava o país, os artistas passaram a ser contratados para desenhar emblemas, selos, slogans, cartazes. No Clube dos Trabalhadores “tudo, das mesas e cadeiras aos slogans nas paredes e à montagem da iluminação, era projetado em estilo construtivista”, aponta Gray. Tatlin projetava fogões, mesas, cadeiras, pratos, canecas, objetos de uso social.


Mas havia uma divisão em relação à proporção ideal dos objetos. Alguns construtivistas, como Rodtchenko, defendiam a ideia de que o objeto deve seguir uma medida de proporção geométrica. Tatlin discordava e criava objetos mais orgânicos. Nas roupas dos operários que ele desenhava, se preocupava com que as peças dessem o máximo de movimento e calor com um mínimo de peso. “O movimento natural e a medida do homem ditavam seus desenhos”, diz Gray. Os outros construtivistas “trabalhavam os materiais, mas de modo abstrato, como um problema formal, aplicando mecanicamente a técnica à sua arte. O construtivismo não levou em conta a relação orgânica entre o material e a capacidade elástica, sua característica de funcionamento”, teria dito Tatlin, segundo um catálogo de sua exposição feita em Moscou em 1932, onde apresentou pela primeira vez o seu planador Letatlin.


O Construtivismo foi um movimento estético amplo, que atingiu também a Arquitetura e o Desenho Gráfico. Mas como as condições iniciais da URSS eram difíceis, os arquitetos quase só conseguiam ver seus projetos realizados em cenários de teatro e estandes de exposições, como o pavilhão russo da Exposição de Artes Decorativas de Paris, em 1925, projeto do arquiteto Konstantin Melnikov. Além dele, e o mais famoso de todos, foi construído em modelo também construtivista, em 1924: o Mausoléu de Lenin, na Praça Vermelha em Moscou, desenhado por Aleksei Shchusev. Foi construído inicialmente em madeira, depois em granito vermelho e ainda hoje é um dos lugares mais visitados do mundo.

Vladimir Tatlin morreu aos 68 anos de idade em Moscou. Após o endurecimento das políticas soviéticas em relação às artes e aos artistas, ele continuou na URSS desenhando cartazes. Depois voltou à pintura figurativa de cavalete. Pioneiros em muitas áreas, das artes às ciências, poderíamos dizer que os russos são os verdadeiros inventores da modernidade do século XX. O maior feito moderno da história recente, a Revolução Socialista de 1917, mudou a face do planeta e seus efeitos permanecem, mesmo que a propaganda e o marketing ideológico capitalista ainda hoje tentem esconder este fato. As artes russas - da pintura ao cinema - ainda hoje inspiram artistas e estudantes de arte pelo mundo a fora...
Projeto de Alexander Vesnin para o "Palácio do Trabalhador" em Moscou, 1922-23
Mausoléu de Lenin, na Praça Vermelha, Moscou - estilo construtivista
"Supremus 58", pintura suprematista de Kasimir Malevich

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Aleksandr Ródtchenko, o fotógrafo da revolução

Desde o dia 5 de novembro estão expostas, no Rio de Janeiro, no Centro Cultural Moreira Salles, cerca de 300 obras do fotógrafo russo Aleksandr Ródtchenko. É uma mostra retrospectiva da obra do artista russo, organizada pela Moscow House of Photografy, e conta também com uma programação paralela de filmes soviéticos de Sergei Eiseinstein. A exposição fica no Rio até 6 de fevereiro, seguindo depois para a Pinacoteca de São Paulo.


Aleksandr Ródtchenko, fotógrafo soviético
Aleksandr Ródtchenko (1891-1956) é um dos grandes artistas daquela que ficou conhecida como a Vanguarda Russa do começo do século XX, junto com outros nomes célebres como Kasimir Maliévitch, Kandinsky, Wladimir Tatlin e o próprio poeta Mayakovsky, amigo pessoal de Ródtchenko.
Ele começou seu trabalho dentro da linha Construtivista, por volta de 1923. Cooperando com Mayakovsky, os dois criaram juntos cartazes de propaganda. Neles, os artistas foram desenvolvendo um método construtivista de desenho para a tipografia, e Ródtchenko foi introduzindo a fotografia como meio de expressão. Inicialmente ele era pintor de quadros e, na medida em que ia se aprofundando na teoria estética que orientava a Vanguarda Russa, foi partindo para a direção da fotografia e do desenho gráfico.
Os trabalhos inovadores desses artistas tiveram o amplo apoio do movimento Proletcult, que lhes arranjava trabalho regular que garantisse seu sustento. Os trabalhos eram conseguidos junto aos contatos que o Proletcult mantinha com a indústria, assim como com organizações sindicais soviéticas. Vários artistas, incluindo Ródtchenko, começaram a desenhar emblemas, slogans, selos, cartazes, criando, no início dos anos XX, os clubes dos trabalhadores, nos quais, tudo, desde mesas e cadeiras até os slogans nas paredes e a iluminação era tudo projetado no estilo Construtivista.
A mãe, Rodtchenko
“Cessemos nossa atividade especulativa (pintar quadros) e assumamos as bases saudáveis da arte – cor, linha, materiais e formas – no campo da realidade, da construção prática”, dizia o Manifesto Construtivista, um dos textos presentes no livro “Construtivismo” de Alexei Gan, lançado em Tver, em 1922.
A ideia dos construtivistas era tornarem-se artistas-engenheiros, plenamente atuantes na revolução socialista que estava em curso na União Soviética, dirigida até 1924 pelo líder do povo russo Wladimir Lênin. Esses artistas descobriram no campo do desenho gráfico uma grande riqueza de possibilidades e nessa época foram criados os cartazes que fizeram a história do desenho gráfico, influenciando artistas no mundo inteiro até os dias de hoje. Ródtchenko, Lissitzky, Klutsis e Alexei Gan são considerados os pioneiros do desenho gráfico moderno.
É esse Ródtchenko que está sendo visto no Rio de Janeiro e a partir de fevereiro estará exposto na Pinacoteca de São Paulo. A mesma exposição já foi apresentada em Londres, Berlim e Amsterdã. Com curadoria de Olga Svíblova, diretora da Casa de Fotografia de Moscou, a mostra recebeu o título de “Aleksandr Ródtchenko: a revolução na fotografia”. Essa exposição chega ao Brasil com cerca de 300 peças do artista soviético entre fotografias, fotomontagens, cartazes e capas de livros e revistas.
Para suas fotos, Ródtchenko trouxe muito da teoria construtivista. De uma forma original, ele muda a perspectiva da fotografia, movendo suas lentes para outra direção, o que representou um choque para os padrões da época. O ponto de vista inovador do fotógrafo russo era a partir de ângulos inéditos: de baixo para cima ou de cima para baixo. Até mesmo os retratos que ele fazia eram nessa perspectiva nova. Diversas fotos suas ilustraram jornais e revistas,  muitas das quais ele mesmo tinha sido o designer.
Paralelamente à fotografia Aleksandr Ródtchenko desenvolvia seu trabalho gráfico e dava aulas de desenho industrial. A União Soviética passava por grande progresso tecnológico, com muitas indústrias e usinas, tudo documentado pela câmera do fotógrafo socialista. Como designer gráfico e fotógrafo, Ródtchenko inovou a linguagem artística de sua época.
E nunca abandonou a URSS. Mesmo quando em 1932 o governo de Stalin, através de Andrei Jdanov impôs uma estética de Estado reduzindo, dessa forma, o campo de ação dos artistas soviéticos, Ródtchenko continuou seu trabalho de pesquisa, fazendo experimentos com a luz em ambientes internos, fotografando o mesmo lugar várias vezes ao longo do dia para captar os efeitos das mudanças na luminosidade dos espaços. Como grande repórter fotográfico, Moscou foi muitas vezes o tema central de sua fotografia. Também tirava fotos do alto de prédios, assim como de manifestações na Praça Vermelha, competições esportivas e corridas de cavalos.
A exposição que acontece agora no Rio mostra essas fases diversas da obra do autor. Quase todas as 300 peças são originais e há uma sala dedicada ao poeta Mayakovsky, seu amigo pessoal. Ródtchenko fez para ele retratos e capas de livros, além de peças gráficas criadas pelos dois, como cartazes de propaganda do socialismo.
Mostra de cinema soviético

Juntamente com a exposição de Aleksandr Ródtchenko, a curadoria teve a preocupação de trazer também alguns filmes de Sergei Mikhailovich Eiseinstein (1898-1948), o grande cienasta soviético, com o objetivo de mostrar o vanguardismo das artes visuais soviéticas.
Foi Eiseinstein que imortalizou, com seu cinema revolucionário, a grandiosidade do projeto político socialista de Lênin na URSS, tornando-se um verdadeiro mito do cinema de vanguarda que inspirou cineastas de todo o mundo. Os filmes que serão exibidos na mostra do Rio e depois em São Paulo são, entre outros: A Greve (Stacha), rodado em 1924; O Encouraçado Potemkin de 1925 e Outubro (Oktyabr) que mostra os redemoinhos revolucionários que mudou a história da Rússia e do mundo em 1917. Ródtchenko foi o artista que desenhou o cartaz de propaganda do filme “O Encouraçado Potemkin”.
Além de Einseinstein, outros diretores como Aleksandr Petrovich Dovzhenko, estarão presentes. São treze filmes soviéticos ao todo, sendo apresentados junto com a obra de Ródtchenko. O título da mostra de cinema soviético é “Notícias da antiguidades ideológicas”. Esse título é de uma obra não concluída de Einseinstein que queria filmar O Capital, obra mestra de Karl Marx. Além dele estará sendo apresentado também o famoso filme de Dziga Vertov, O homem com uma câmera.
Essa mostra complementa aquela que aconteceu no ano passado (2009), quando o público brasileiro teve acesso a uma parte importante do acervo dos artistas da Vanguarda Russa, do Museu de São Petersburgo.