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sexta-feira, 16 de julho de 2010

Caravaggio, arte e rebeldia

Tocador de alaúde, 1595-96, óleo sobre tela, 94 x 119 cm, Museu Hermitagem, São Petersburgo, Rússia
Neste domingo, 18 de julho de 2010, completaram-se exatos 400 anos da morte de um dos maiores gênios da pintura: Michelangelo Merisi Da Caravaggio, ou simplesmente Caravaggio. Revolucionário em seu tempo, subverteu as regras estéticas impostas pelo Concílio de Trento.

Retrato de Caravaggio, feito por
Ottavio Leoni, 1621
Michelangelo Merisi nasceu no povoado de Caravaggio, na lombardia italiana, em 29/09/1571. Seus pais, Fermo Merisi e Lucia Oratori, morreram cedo. Com apenas 12 anos, foi enviado para estudar no atelier de Simoni Peterzano, que se dizia discípulo de Ticiano (1488-1576). Passou quatro anos vivendo e estudando no atelier desse mestre. Com ele, aprendeu o tratamento das cores segundo o método de Ticiano e o naturalismo da escola pictórica lombarda.

Tendo rompido com seu mestre, parte para Veneza onde observou obras de Ticiano, e a técnica do sfumato de Leonardo da Vinci (1452-1519). A atitude artística do jovem pintor já era de rebeldia contra os convencionalismos de sua época. E o homem Caravaggio também era atraído por brigões, beberrões e vagabundos, freqüentando prostíbulos, jogos e se envolvendo em todo tipo de confusão, inclusive com os sbirri, a polícia. Era um homem agoniado, inquieto.

Mas seu destino era Roma, a cidade que atraía artistas de todo canto, devido à demanda da igreja católica que transformava a cidade num canteiro de obras, com o objetivo de ser o centro da cristandade e do mundo civilizado. Artistas de toda a Europa afluíam à cidade, participando das discussões sobre pintura, estudando os mestres.

Chegando à cidade, foi morar na casa do monsenhor Pandolfo Puzzi, onde viveu em condições tão frugais que apelidou o padre de “monsenhor salada”. Caravaggio perambulava pela cidade, percorrendo ateliês em busca de trabalho. Necessitado, pintava até três quadros por dia, que vendia muito barato.

Amor vincit omnia, 1601-1602,
Museu Staatliche, Berlim, Alemanha
Com o passar do tempo, foi ficando conhecido e, segundo o biógrafo Gilles Lambert, Caravaggio alternava com seus amigos “sessões de trabalho, de festas e de diversões no submundo”. Era amigo de homossexuais e prostitutas, muitos dos quais posaram para ele em seu atelier. Seus modelos eram esses marginalizados, em quem o artista via o desespero da luta cotidiana pela sobrevivência em um ambiente dominado pela miséria. Em plena Roma, a cidade dos papas e cardeais cercados de riqueza e opulência!

No começo, Caravaggio se recusou a pintar quadros com temas religiosos. Mas logo, aconselhado por colegas, viu que essa era uma forma de sobreviver e pintou “São Francisco recebendo os estigmas”, de 1595, considerada a pioneira e a que melhor expressa a estética da arte barroca. Em geral os quadros eram encomendados por ricos burgueses que com eles presenteavam as igrejas, mas muitos de seus quadros foram recusados pelos padres. Nota-se que, nele, a transcendência do divino não surge como um além separado do mundo, mas como realidade da alma humana.


Em maio de 1606, em meio a uma briga de jogo, Caravaggio matou um colega. Condenado à morte, fugiu para Nápoles, depois indo para a ilha de Malta. De lá, fugiu para a Sicília, após agredir um cavaleiro da Ordem de Malta. Cansado, doente, ansioso pelo indulto que o permitiria voltar a Roma para continuar seu trabalho, foi detido no Porto Ercole, por engano, e levado à fortaleza da cidade. Lambert diz que ele foi visto, já livre da prisão, “atarantado, faminto, enfermo, extenuado em busca de um barco” que o levasse de volta a Roma. Estava infectado por feridas e com febre. E assim morreu no dia 18 de julho de 1610, antes de receber a notícia de seu indulto.

Trapaceiros, 1596-98, óleo sobre tela, 94,2x130,9 cm,
Kimbell Art Museum, Texas, EUA
Fora essa vida inquieta e atribulada, Caravaggio foi um pintor original. O aspecto mais notável de sua obra é o tratamento do claro-escuro. Consiste em projetar a luz sobre as figuras com um contraste intenso e brusco com as sombras, o que marca o início de uma das grandes conquistas da pintura barroca. Outra característica primordial de seu estilo é o realismo enfático como reação ao idealismo renascentista. Ao invés de pintar figuras, mesmo as religiosas, com ar solene ou suave, conforme os ditames da igreja, ele as trata com um realismo quase insolente, usando como modelos, o povo das ruas.

Um bom exemplo, entre inúmeros outros, é o quadro O Enterro da Virgem. A figura de Maria foi inspirada no cadáver de uma prostituta afogada no rio Tibre e com o ventre inchado. Maria Madalena foi retratada muitas vezes a partir do modelo de uma jovem amante do pintor, assim como seus vários “João Batista” teve como modelo um rapaz amante de Caravaggio, que era bissexual.

São João Batista, 1599-1600, óleo sobre tela,
132 x 97 cm, Museu do Capitolino, Roma
As personagens principais dos quadros de Caravaggio estão sempre localizados na obscuridade: um cômodo sombrio, um exterior noturno ou simplesmente um fundo escuro. Uma luz poderosa que provém de um ponto da parte superior da tela envolve os personagens à maneira de um projetor de luz sobre uma cena de teatro. O coração da cena é especialmente iluminado e os contrastes produzidos por essa maneira de pintar conferem uma atmosfera dramática ao quadro.

Edward Gombrich, em seu livro História da Arte, diz que Caravaggio queria a verdade, acima de tudo. Por isso não tinha respeito pela beleza idealizada de seu tempo. No quadro São Tomé, os três apóstolos parecem trabalhadores comuns, com os rostos curtidos pelo tempo, testas enrugadas. Ele queria copiar a natureza, fosse ela bela ou feia e fez todo o possível para que as figuras dos textos bíblicos parecessem reais.

Sem Caravaggio não haveria – como diz o crítico de arte Roberto Longhi – “Ribera, Vermeer, La Tour, Rembrandt. E Delacroix, Courbet e Manet teriam pintado de outra maneira”. Poucos artistas têm fascinado a posteridade de artistas e encorajado a ousadia criativa como ele o fez.
Cupido adormecido, 1608, óleo sobre tela, 72 x 105 cm, Palazzo Pitti, Galeria Palatina, Florença, Itália
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POSTS SOBRE CARAVAGGIO E OS CARAVAGGESCOS:

José de Ribera, caravaggesco