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terça-feira, 26 de novembro de 2013

Expressionismo necessário

Músico cego, do pintor finlandês Alvar Cawén (1886-1935), 1922
Nos fins do século XIX, no norte da Europa, surge e se irradia um movimento artístico, contraposto ao Impressionismo nascido na França. Especialmente desenvolvido na Alemanha, o Expressionismo atingiu diversos setores da arte: a pintura, a literatura, o cinema, a música. Mais tarde, na mesma Alemanha, o regime nazista condenou esse movimento, considerando-o como “arte degenerada”.

O Expressionismo foi uma das primeiras ramificações da chamada “Arte Moderna”, assim como o Realismo e o Impressionismo. Sua principal característica é ter representado culturalmente aquela região da Europa, fria e nevoenta, com aquele temperamento germânico que amava “mais a beleza do caráter do que a beleza da forma”, como bem enfatiza Carlos Cavalcanti em “História da Arte”. Era a contraposição entre as sombras geladas daquele pedaço do mundo e a claridade solar e quente do mundo mais latino, também destaca o professor. Era o predomínio da emoção sobre a razão. Que nascia num mundo pleno de contradições.


Sobreviventes, Käthe Kollwitz, gravura
O engraçado é que enquanto estudava um pouco sobre esse movimento que muito me atrai - desde minha adolescência quando conheci as gravuras de Käthe Kollwitz -, li simultaneamente um artigo que escrevi há alguns anos sobre nossa poeta brasileira Cecília Meireles. O título do meu artigo - não publicado - era exatamente “As sombras de Cecília”. Cecília nasceu no começo do século XX, 1901, e antes dos 3 anos já não tinha mais nem pai nem mãe.

No pêndulo de sua existência, Cecília escrevia como se escrevesse na penumbra. Dá a impressão de que suas mãos riscavam o papel na seqüência do seu olhar que passeava no lusco-fusco do final do dia e do começo da noite. Noite sem a negritude da noite profunda, mas também sem os raios ofuscantes do dia. Noite que ainda era promessa de mistérios profundos, mas que ainda guardava resquícios de realidade, contornos da vida, detalhados pelos últimos raios do sol.


Vista de Toledo, El Greco, 1600
Mas vamos caminhando entre os artistas alemães e esta poeta brasileira, neste primeiro texto sobre o Expressionismo, que apenas pretende introduzir o assunto. Em outros textos, neste blog, já falamos sobre alguns desses artistas expressionistas.

O Expressionismo - movimento no qual não foi enquadrada a poesia de Cecília - é a própria projeção da subjetividade humana, que, do mais profundo do seu sofrimento, tende a deformar a realidade e provocar no observador as mesmas reações emocionais do artista. A visão do artista expressionista é angustiante, pessimista, assombrada por aquele mundo em mudança que já trazia as sementes da I Guerra Mundial, onde morreram milhões de seres humanos.

Enquanto isso Cecília cantava lá no seu Rio de Janeiro:

“Sombra que passas, eu sei que és sombra,
eu sei que és sombra, sombra que falas.
Não deixas passo em nenhuma alfombra
das altas, graves, eternas salas.


Mas os que choram de sala em sala,
mirando espelhos, mirando alfombras,
choram teus passos e tua fala,
e o seu destino de amar as sombras...”


Autorretrato, Otto Dix, 1913
São muito frequentes, no Expressionismo, o uso de símbolos para descrever o estado da alma dos artistas. Ao contrário da solaridade e colorido dos Impressionistas, o Expressionismo usa cores fortes, violentas, pois ele também era uma reação contra os rumos que a sociedade tomava naquele tempo. Era a arte do pintor solitário, das cores tristes, que até já podíamos encontrar bem mais atrás, em El Greco, em Goya, em Mathias Grünewald… 

Mas dois dos primeiros desses pintores nórdicos do século XIX a expressar mais sua alma do que o mundo que viam foram Vincent van Gogh e Edvard Munch. Foi um crítico de arte alemão,  Wilhelm Worringer, quem, em 1908, chamou de "expressionismo" àquela forma particular de arte.

Enquanto a fotografia substituía a pintura na descrição da realidade, os artistas expressionistas se voltaram para mostrar mais como eles “sentiam” sua própria realidade, usando sua arte como um grito contra os sofrimentos daquele mundo que esmagava as pessoas nas cidades já industrializadas, mostrando a miséria, a solidão, a pequenez do homem diante da máquina movida pelo capitalismo daqueles tempos, que trouxe consigo as guerras mortais do século XX...


Agonia, Edvard Munch, 1915
Bem como cantou nossa poeta triste que, na América do Sul, sentia as dores de todo aquele mundo, além das suas:

“Aqui está minha dor – este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.”

Diversos grupos de artistas surgiram na Alemanha, como a “Associação dos Artistas de Munique” (o NKVM); a “Nova Secessão de Berlim”, que gerou dois outros grupos: os “Der Blaue Reiter” (O Cavaleiro Azul) e o “Die Brücke” (A Ponte); o “Grupo de Novembro”. Do “Die Brücke” (de 1905) participaram os artistas Ernst Ludwig Kirchner, Fritz Bleyl, Erich Heckel et Karl Schmidt-Rottluff. Eles eram de Dresden.


Edvard Munch
A forte crítica social que eles imprimiram às suas obras acabaram atraindo a crítica dos conservadores, claro. Sua visão crítica do mundo acabava sendo vista como um perigo para as gerações mais novas. Ernst Ludwig Kirchner, por exemplo, pintava as ruas e a vida urbana de Berlim de uma maneira considerada ácida. Edvard Munch, pintor norueguês, resolveu mudar sua maneira de pintar depois de 1892, usando cores mais fortes para demonstrar suas obsessões com a morte e com as doenças.

Na Alemanha, país onde o Expressionismo mais atraiu artistas, o final do século XIX e as duas primeiras décadas do século XX, já em meio à I Guerra Mundial, viram nascer diversos movimentos e grupos artísticos, onde os debates e inquietações acerca daqueles momentos eram muito intensos. Max Beckmann, Otto Dix, Conrad Felixmüller, George Grosz, Ernst Ludwig Kirchner, Käthe Kollwitz, Franz Marc, Paula Modersohn-Becker e Otto Mueller eram alguns desses artistas. No Brasil, Anita Malfatti, Candido Portinari e Di Cavalcanti foram influenciados também pelo movimento dos artistas do norte europeu. Um deles veio para o Brasil e aqui trouxe as influências de seus colegas alemães: Lasar Segall.


Cena do filme "O Gabinete do Dr. Caligari"
Mas como dissemos no início, o Expressionismo não ficou só nas artes plásticas. 

No cinema, por exemplo, o filme do diretor alemão Robert Wiene, de 1919, “O Gabinete do Dr. Caligari” aparece como um dos primeiros a introduzir no cinema muitos elementos do expressionismo: grande carga de simbolismo, iluminação dramática, vestuários estranhos e personagens sombrios. 

Em seguida, surgem outros diretores seguindo essa mesma linha estética: entre eles, o grande Fritz Lang. As películas que mais representam esta época são: “Nosferatu” de Friedrich Murnau, “Metropolis” de Fritz Lang, entre outros. Era ainda a época do cinema mudo. Depois, já com o cinema falado, Fritz Lang dirigiu “M” (“O Maldito”).

E assim o Expressionismo, na Arte, mostrou um artista chocado diante desse mundo que jogava o sujeito ao seu próprio destino, nesse jogo de “salve-se quem puder” perpetrado por um sistema injusto, discriminador e assassino. Que manchava as cores do mundo com suas grandes sombras pesadas, como asas monstruosas, que varreram milhões de vidas humanas em duas guerras mundiais horrorosas. E ainda continuam nos sobrevoando, ameaçadoramente…

Mas até mesmo nesses momentos, o artista deve falar. A sensibilidade do artista está aí para nos fazer ver que, além de qualquer visão terrível, a Musa sempre canta… e nos encanta…

Como disse Cecília Meireles:

“Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias

não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico

se permaneço ou me desfaço
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.

Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada”.


O sonho da razão produz monstros, Francisco Goya, gravura, 1799

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Verdade, Fraternidade e Arte


O Museu Lasar Segall, em São Paulo, inaugurou dia 20 de novembro uma exposição de obras de artistas representativos do Movimento Expressionista Alemão, uma forma de fazer arte contra o racionalismo burguês anti-humanista. Iniciado no final do século XIX, o Expressionismo Alemão alcançou todas as formas de arte, da música à literatura, do cinema às artes plásticas.


Catálogo de uma exposição
de Lasar Segall em alemão
Após 1918, fim da primeira guerra mundial, multidões de alemães foram às ruas, como parte do movimento revolucionário Espartaquista, que derrubou o keiser Guilherme II e instalou uma república democrática. Inspirada na revolução russa de 1917, a revolução alemã era liderada pelos principais líderes do Partido Comunista Alemão Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht. Os comunistas conseguiram controlar a região da Baviera, mas a Revolução Espartaquista acabou sendo sufocada por grupos paramilitares de extrema-direita, os Freikorps, que assassinaram os dois líderes da Liga Espartaquista.


A República instaurada foi transferida para a cidade de Weimar, pois Berlim era um barril de pólvora e o clima naquela cidade beirava o caos. O desemprego era enorme, a fome rondava todas as casas e o medo de sair às ruas era muito grande. Era o período em que a serpente do nazismo estava se formando, como foi muito bem retratado no cinema pelo filme de Ingman Bergman, "O Ovo da Serpente". Eram tempos angustiantes.

Mas mesmo em meio a esse clima, esse foi um período de profunda efervescência cultural. Os artistas buscavam se organizar em movimentos, ligas e associações, com o objetivo de contribuir para uma renovação artística e para uma mudança dos valores da sociedade. Uma desses grupos de artistas ficou conhecido como Secessão de Dresden – Grupo 1919, que reúne artistas que mantinham o mesmo ideal de uma arte interiormente verdadeira e preocupada em expressar os problemas sociais daquele período.

O Estatuto do grupo, fundado em janeiro de 1919, destaca estas palavras de ordem: VERDADE, FRATERNIDADE e ARTE. Esses jovens revolucionários se autoproclamavam “O Futuro”. O grupo inicial foi formado por Peter August Böckstiegel, Otto Dix, Will Heckrott, Otto Lange, Constantin von Mitschke-Collande, Conrad Felixmüller, Otto Schubert, a escultora Gela Forster, o arquiteto e escritor Hugo Zehder, e o alemão que se mudou para o Brasil e teve grande influência no movimento modernista brasileiro, Lasar Segall.

Esse artistas valorizavam muito as artes gráficas, com destaque para a xilogravura e sua função como panfleto de propaganda de suas ideias. Esse Grupo 1919 teve publicações como Menschen (Homens) e Neue Blätter für Kunst und Dichtung (Novas folhas para arte e literatura), onde suas obras são reproduzidas e onde são publicados ensaios críticos sobre arte, sobre cultura e sociedade. Também editaram  o álbum com doze gravuras exibidas nesta mostra do Museu Lasar Segall, e promoveram exposições até mesmo de artistas convidados, como Lyonel Feininger, Eugen Hoffmann, George Grosz e Kurt Schwitters, que também estão nesta exposição em São Paulo.

Mas esse grupo também estava aberto à interlocução com artistas de outros países, como o austríaco Egon Schiele e o russo Marc Chagall. Também usavam como referência e estudo obras e idéias de artistas como Max Pechstein, Karl Schmidt-Rottluff, Paul Klee, Wassily Kandinsky e Käthe Kollwitz, a grande gravadora alemã (leia artigo neste Blog). Todos estão nesta mostra do Museu Lasar Segall.

A lista dos artistas dessa exposição dá uma ideia da importância desse evento artístico: Chaim Soutine, Constantin Von Mitschke-Collande, Egon Schiele, Eugen Hoffmann, George Grosz, Karl Schmidt-Rottluff, Kurt Schwitters, Lyonel Feininger, Marc Chagall, Max Beckmann, Max Pechstein, Otto Dix, Otto Lange, Paul Klee, Peter August Böckstiegel, Walter Jacob, Will Heckrott, além de Lasar Segall e Käthe Kollwitz.

O Expressionismo foi um movimento cultural de vanguarda que cresceu em tempos sórdidos na Alemanha pré-nazista. Suas imagens deformadas eram uma expressão da realidade dura que atingia física e subjetivamente o ser humano daquele país naquele período. Deu primazia à expressão dos sentimentos do artista, muito mais do que à descrição objetiva da realidade, como o protesto mais profundo da alma do artista contra uma sociedade que se arruinava. Não havia como idealizar a realidade, pois a fome, a doença, o desemprego e o abandono dominava a vida do povo. Era uma espécie de realismo às avessas, uma vez que diante de realidade tão cruel a visão se tornava áspera, distorcida, agoniada.

As cores das telas eram violentas e a temática era solidão e miséria. O Expressionismo refletia a amargura que se espalhava entre artistas e intelectuais da Alemanha pré-Primeira Guerra e entre-guerras. A arte produzida por eles mostrava um desejo enorme de transformar a vida, de encontrar novos espaços para a expressão artística. Era uma forma trágica de ver um mundo que desmoronava com as guerras imperialistas. Era de fato um movimento que simbolizava o grito de alma do povo e dos artistas e intelectuais alemães. Esse grito que já tinha começado a se expressar no famoso quadro visionário de Edward Munch, O Grito, pintado em 1893. Munch também foi influenciado pelas idéias do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen, que considerava a arte como uma forma de luta em defesa dos anseios sociais.

Esta importante exposição, portanto, reflete um pouco de todo um período muito rico da história recente da humanidade. Com curadoria de Vera d’Horta, ela estará aberta ao público até o dia 20 de fevereiro de 2011, no Museu Lasar Segall, na Rua Berta, 111, Vila Mariana. A entrada é franca.