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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

O incansável artista Gustave Doré

Os Saltimbancos, Gustave Doré, 1874, óleo sobre tela
Gustave Doré
Paul Gustave Louis Christophe Doré é o nome completo do artista francês Gustave Doré. O Museu d’Orsay de Paris acabou de abrir uma exposição com uma parte de sua obra que ficará exposta de 12 de fevereiro a 11 de maio de 2014.

Gustave Doré é um dos mais prodigiosos artistas do século XIX. Com apenas 15 anos ele começa sua carreira de caricaturista e e, em seguida, de ilustrador profissional. Ao longo de sua vida ele também desenvolveu-se como pintor, aquarelista, gravador e escultor.

Com seu imenso talento, Doré passou por diversos gêneros que vão da ilustração satírica até às de história, assim como executou grandes e pequenas telas, fez gravuras, esculpiu. Como ilustrador, ele aceitou o desafio de ilustrar nada mais nada menos do que estes grandes autores: Dante Alighieri, Rabelait, Perrault, Miguel de Cervantes, Milton, Shakespeare, Victor Hugo, Balzac, Edgar Allan Poe… Por causa de sua prolífica carreira de ilustrador, Doré tem sido a referência até os dias de hoje não só para ilustradores, mas também para as diversas gerações de artistas dos Quadrinhos.


Ilustração para o "Inferno", de Dante Alighieri
Gustave Doré nasceu em Strasbourg, no nordeste da França, no dia 6 de janeiro de 1832 e faleceu em Paris no dia 23 de janeiro de 1883, de ataque cardíaco, com apenas 51 anos de idade. Seu pai era engenheiro e foi convidado a ir a Bourg-en-Bresse coordenar a construção de uma ponte. Levou junto sua família e matriculou o pequeno Gustave na escola local, onde ele logo cedo chama a atenção pelos seus desenhos e caricaturas. Quando tinha 12 anos, um gráfico local resolveu publicar suas primeiras litografias com o tema “Os Trabalhos de Hércules”. Em seguida, foi orientado a ir para Paris. A partir de 1847 ele começa a estudar no Liceu Carlos Magno. Ao mesmo tempo em que frequentava o colégio, Doré também fazia caricaturas para o “Jornal para rir”. Rapidamente ele se torna conhecido e participa com dois desenhos do Salão de 1848.

Mesmo com a imensa capacidade de trabalho de Doré, nem ele foi imune à acidez dos críticos de quem se considerava uma vítima, especialmente por causa de suas pinturas a óleo.


Ilustração para o "Paraíso Perdido" de Milton
Gustave Doré foi também um grande leitor, especialmente dos grandes autores da literatura que lhe despertavam a imaginação, criando universos próprios, como é o caso da Divina Comedia, de Dante, cujo “Inferno” recebeu suas melhores ilustrações. Mas também se interessou pelas Fábulas de La Fontaine, pelos contos de Perrault, o “Paraíso Perdido” de John Milton, o “Dom Quixote” de Cervantes, o livro de Victor Hugo “Notre Dame de Paris”, assim como diversas peças teatrais de William Shakespeare. E se debruçou sobre a Bíblia, criando para este livro sagrado dos cristãos ilustrações que até hoje povoam as mentes e as lendas da cultura popular.

Uma espécie de herdeiro de outro grande caricaturista, Honoré Daumier, Doré também se dedicou a satirizar a sociedade e a política. Com apenas 16 anos de idade, ele colabora com o “Jornal para rir”, um folhetim satírico que nasceu após a Revolução de 1848. Gustave Doré satirizava a todos e a tudo, desde os políticos, a burguesia, os próprios artistas. Tudo, sob seu desenho, se transformava em algo cômico..


"A prisão de Newgate", gravura
Ele também gostava muito de viajar pela Europa, especialmente para a Espanha e Londres. Na capital do império britânico que na época era a cidade mais rica do mundo ocidental, ele também se volta para a periferia da cidade, onde habitavam aquelas pessoas que viviam sob a mais completa pobreza. Ele fez uma série de desenhos intitulada “Londres: uma peregrinação”, publicada em livro após a guerra de 1870. Nessa série, Doré mostra as contradições de uma cidade próspera da era vitoriana, em que o luxo agredia os miseráveis, e a arquitetura parecia esmagar as pessoas. Lugar de residência da alta sociedade e da aristocracia inglesa, Londres também era o lugar dos pobres que viviam em seus pequenos cubículos, famintos e mal vestidos. O escritor inglês Charles Dickens descreveu muito bem como era esse ambiente naquela cidade rica. Na Espanha, atrás da terra de Dom Quixote, Gustave Doré foi procurar viver suas aventuras, buscando registrar como viviam desde dançarinos até os contrabandistas, mendigos e músicos.


Uma mãe pobre londrina
Por tudo isso Gustave Doré também é considerado um dos grandes cronistas dos anos 1840-1880. Ele expõe as condições sociais em que viviam seus contemporâneos. Uma gravura, como “A prisão de Newgate”, que foi copiada por Van Gogh, é o retrato mais sombrio de como era a vida prisional na época. A guerra de 1870 foi para ele também tema para um grande número de telas. Como exemplo, a tela “O Enigma”, de 1871, que se encontra no Museu d’Orsay. Pintada no calor da guerra franco-prussiana, ela é testemunha dos momentos sombrios em que viviam os franceses.

Doré foi também pintor. Suas telas com temas religiosos parecem apresentar seu próprio catecismo. Também se dedicou à pintura histórica, sempre com seu modo pessoal de ver as coisas, que oscilava entre o olhar romântico e o simbolismo que impregnava sua alma. Mais tarde na vida, ele se dedicou também a pintar paisagens.

Depois dos 45 anos, ele se voltou também para a escultura, de forma autodidata. Sempre demonstrando uma certa característica teatral, que inclusive lhe rende o reconhecimento de ter sido um dos precursores do cinema.

Uma informação bem interessante - e útil - para quem desenha. Gustave Doré se orgulhava de ter feito, até os 33 anos de idade, mais de 100 mil desenhos! E ele mesmo reinvindicava para si o mérito de ser um dos maiores desenhistas de seu século. Alguém contesta?

Abaixo, mais algumas obras desse grande artista:


Ilustração para o livro "Orlando Furioso" de Ludovico Ariosto
O Enigma, gravura feita durante a guerra franco-prussiana
"Estocada", gravura feita na Espanha
O fidalgo Dom Quixote de la Mancha, ilustração para o livro de Miguel de Cervantes

Chapeuzinho Vermelho, dos contos de Charles Perrault

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Modelo Vivo no Ateliê Contraponto

"Ateliê do artista", Gustave Courbet, 1855, 361 x 598 cm

As sessões com modelo vivo são fundamentais para qualquer pessoa que desenha, pinta, grava, esculpe. Artistas plásticos, designers, ilustradores, sketchers, gravadores e escultores sabem o quanto é importante o estudo da anatomia do corpo humano, o estudo dos movimentos, do gestual, das direções, das proporções, para sua evolução individual nas artes visuais. São momentos ricos de aprendizado.


Uma sessão com modelo vivo, na Grande Chaumière
Numa sessão com modelo vivo, nós fazemos desenhos de observação a partir de poses curtas (com 30 segundos a 2 minutos de duração por exemplo) ou poses mais longas com até meia hora de duração. Para isso, os modelos precisam estar bem alongados, pois ficar na mesma posição por meia hora, 40 minutos, não é coisa muito fácil. O trabalho, para os modelos, exige muito de seu corpo físico, além de muita concentração.

Por isso, tantos artistas ao longo da história devem tanto a essas pessoas que se dispõem a posar para eles! Podemos afirmar que grande parte das obras de arte que conhecemos deve-se a estes inúmeros anônimos que se postaram quietos - ou em movimento - à frente dos cavaletes e mesas de trabalho dos artistas. Lucien Freud, por exemplo, quase nunca pintava sem um modelo vivo à sua frente. Caravaggio, para a grande maioria de seus quadros, teve modelos entre seus amigos e amantes posando para ele. John Singer Sargent, Joaquin Sorolla, Diego Velázquez, Degas, Gustave Courbet - a lista é imensa! - construíram grandes obras de arte a partir do estudo do corpo de pessoas que posaram para eles. Podemos afirmar que nenhum grande artista pode abdicar da prática do desenho ou pintura com modelo vivo.

Sessão com modelo vivo no Ateliê de
Maurício Takiguthi, nov.2013 - à esquerda
Marcia Agostini, Mazé Leite e Sarita Genovez.
Para nós, artistas, essa prática é tão intensa quanto para os modelos. Nas poses curtas, por exemplo, que servem como aquecimento e como forma de parar o pensamento para ver, e desenhar o mínimo necessário, a mão pode ficar dura, o braço trava, a mente se perde. Por isso é bom estar relaxado, solto. Respirar ajuda muito a relaxar. O segredo é não se deixar travar, e seguir desenhando. Observando e colocando no papel (ou outro tipo de suporte) o que vejo no modelo.

Essa questão de saber quanto tempo teremos para uma pose é importante para que possamos medir nosso trabalho, até onde podemos chegar. Também serve para que possamos ir calibrando nosso ritmo de acordo com o tempo que temos. É importante evitar, no meio do desenho de uma pose, fazer uma pausa ou interromper o trabalho prematuramente, para evitar que essas atitudes de negligência nos retirem o foco ou nos levem a cometer algum tipo de erro.

Em geral, quando iniciamos no desenho com modelo vivo fazemos traços hesitantes, lentamente, com medo de riscar a folha de papel… É assim mesmo no início, para todo mundo. Mas devemos nos esforçar para, ao contrário, não hesitar em fazer traços gestuais mesmo que mais leves, que poderão ser mais marcados em seguida. A pessoa pode fazer traços menos precisos no começo, porque a precisão, a segurança e a firmeza se adquire com a prática. Com a prática, alcançamos os desenhos mais simples, mais concisos, mais soltos. Com a prática nos tornamos mestres. Só com a prática! Nenhum mestre nasce feito, nem de nascimento, nem de "feito na faculdade". A melhor escola é a prática diária, a vida! 

Desenhar não é um ato que se faz só com a mão, mas com todo o braço, todo o ombro, todo o corpo, no final das contas. Todo o nosso ser deve estar envolvido com aquilo que fazemos. 

Desenhar um modelo que está vivo à nossa frente amplia altamente nosso repertório pessoal com traços, com massas, com valores, com tonalidades, com ar, com espaços, com proporções, com gestos, com expressão.

Venha participar das sessões com Modelo Vivo no Ateliê Contraponto!

Serviço:
20 de fevereiro - 5ª feira
das 19h às 21h

ATELIÊ CONTRAPONTO
Travessa Dona Paula, 111 - Consolação
a 5 minutos a pé do Metrô Paulista
COMO CHEGAR


Detalhe da sala para a prática com Modelo Vivo,
na Académie de la Grande Chaumière - Paris, 2011

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

A estrada aberta

Depois de Ilya Repin - estudo em óleo que finalizei neste sábado, dia 14/12, sobre a pintura original do artista russo Ilya Repin, cujo título é "Retrato do compositor Modest Petróvich Músorgski, exposta na Galeria estatal Tretiakov, Moscou, Rússia.
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2013 está terminando, este ano intenso, que exigiu muito de mim, paciência, perseverança, dedicação, mergulho mais profundo nos meus sonhos. Muito estudo, muito aprendizado à beira do meu cavalete.

Mas 2013 também me recompensou: fruto de tanto esforço, tantos e tão antigos sonhos, um deles - o maior - está se realizando: anuncio a todos os leitores deste blog, todos os seguidores, amigos, pessoas de várias partes do mundo que entram por aqui:

Está nascendo o Ateliê Contraponto!


Travessa Dona Paula, 111, a poucos metros da rua da Consolação

O Ateliê Contraponto é resultado de uma associação com mais três amigos que partilham comigo o mesmo caminho na arte figurativa: a realista. São eles: Márcia Agostini, Alexandre Greghi e Luiz Vilarinho. Nossa parceria foi sendo gestada mês a mês, ano a ano, entre as mesas de desenho e os cavaletes de pintura do Atelier de Maurício Takiguthi. Alguma semente foi plantada ali, em algum momento, quando desenhávamos ou refletíamos sobre o mundo da arte. Algo em nós ficou maduro e o fruto está se concretizando em cores muito entusiasmantes!

Nosso Ateliê Contraponto está localizado na Travessa Dona Paula, 111, em Higienópolis, entre a rua da Consolação e a Avenida Angélica. Será um espaço para aulas de desenho e pintura, mas também um espaço para exposições de artistas figurativos de São Paulo, do Brasil e de qualquer lugar do mundo. Será também um espaço para estudo e discussão dos temas mais importantes da arte na atualidade. Para isso, iremos trazer convidados entre artistas e intelectuais ligados ao pensamento artístico e cultural. Também iremos oferecer oficinas e workshops com artistas convidados, nas áreas de desenho, pintura, aquarela, escultura.

O sonho é grande, o sonho é imenso. Mas o caminho apenas começou e a estrada é longa... Mas vamos!


"A pé e de coração leve
eu enveredo pela estrada aberta,
saudável, livre, o mundo à minha frente,
à minha frente o longo atalho pardo
levando-me aonde eu queira.

Daqui em diante não peço mais boa sorte
boa sorte sou eu.
Daqui em diante não lamento mais,
não transfiro, não careço de nada;
nada de queixas atrás das portas,
de bibliotecas, de tristonhas críticas;
forte e contente vou eu
pela estrada aberta.

A terra é quanto basta:
eu não quero as constelações mais perto
nem um pouquinho, sei que se acham muito bem
onde se acham, sei que são suficientes
para os que estão em relação com elas.

(...)

A terra a se expandir
à esquerda e à direita,
pintura viva - cada parte com
a luz mais adequada,
a música a se fazer ouvir onde faz falta
e a se calar onde não é querida,
a jubilosa voz da estrada aberta,
a alegre e fresca sensação da estrada."


(Walt Whitman, Canto da estrada aberta,
em "Folhas das folhas de relva")

Feliz Natal! Feliz 2014 para todos!

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Novos desenhos

Abaixo, mais alguns desenhos meus feitos com caneta nankin e com lápis grafite.
Desenho feito após ver a exposição de Lucian Freud, no MASP, em outubro de 2013. Nankin.


Desenho a nankin, a partir de uma fotografia. Outubro 2013.

Desenho a nankin feito a partir de uma fotografia.

Desenho a nankin feito a partir de uma fotografia.
Desenho com lápis grafite.


Desenho com lápis grafite, a partir de fotografia do poeta Vinícius de Moraes. Outubro 2013.


terça-feira, 7 de maio de 2013

Exercícios em busca da forma

"A missão da arte não é copiar, e sim expressar a natureza! Você não é um mero copista, é um poeta! - exclamou vivamente o velho pintor, interrompendo Probus com um gesto dramático. (...) Temos de captar o espírito, a alma, a fisionomia das coisas e dos seres. (...) uma mão não está apenas ligada ao corpo; ela expressa e perpetua um pensamento que é preciso captar e traduzir. Nem o pintor, nem o poeta, nem o escultor podem separar o efeito da causa, que inelutavelmente contêm um ao outro!
(...)
É preciso descer o suficiente até a intimidade da forma, perseguir essa forma com suficiente amor e perseverança em suas fugas e desvios. A beleza é uma coisa severa e difícil, que não se deixa alcançar fácil: há que esperar seus momentos, espreitá-la, estreitá-la e enlaçá-la firmemente para obrigá-la a se render. A forma é um Proteu bem mais inapreensível e fértil em sinuosidades do que o Proteu da fábula; só depois de longos combates é que podemos forçá-la a mostrar-se em seu verdadeiro aspecto, (...) até que a natureza se veja forçada a mostrar-se desnuda e em seu verdadeiro espírito. 
(...)
A forma é, tanto nas suas figuras quanto para nós, um intérprete que comunica ideias, sensações, uma vasta poesia."

(Honoré de Balzac, em Le chef d'oeuvre innconnu)

Eis aqui mais alguns dos meus combates com a forma, nesta manhã, no Ateliê Takiguthi:




terça-feira, 5 de março de 2013

Exercícios de desenho gestual

Hoje de manhã, no ateliê de Maurício Takiguthi, fiz estes exercícios de desenho gestual com carvão e lápis-carvão. A ideia é captar o essencial da figura, com marcação dos valores e leitura dos movimentos.

Para os três primeiros desenhos, usei como referência três pinturas do artista barroco alemão Christian Seybold, que nasceu em 19 de março de 1695 e morreu em Viena em 1768. O quarto desenho foi baseado numa fotografia do artista russo Aleksandr Rodtchenko, nascido em 1891, que participou do movimento artístico conhecido como Vanguarda Russa.

Desenho gestual com base numa pintura de Christian Seybold
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Desenho de gestual com base numa pintura de Christian Seybold
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Desenho de gestual com base numa pintura de Christian Seybold
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Desenho de gestual com base numa fotografia de Aleksandr Rodchenko

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

O sketchbook de Goya

Mendigo recostado, Goya
No livro que estou lendo, “Goya”, de Robert Hughes, a certa altura o autor fala do Caderno Italiano de desenhos que o artista espanhol carregou consigo e fez diversos registros em sua viagem pela Itália. Em sua época, nenhum artista que não fosse italiano ou que não tivesse tido uma formação naquele país era reconhecido na Espanha. Por isso, Goya foi para a Itália, seguindo os passos de gerações de artistas estrangeiros que iam se formar na “escola do mundo”, como era considerada a Itália “desde a época de Albrecht Dürer, no final do século XV”, observa Hughes.

Alegoria da Prudência
Esse “Cuaderno italiano” foi adquirido pelo Museu do Prado, de Madrid (Espanha) em 1993. Assim que veio a público, diz o Portal do Museu na internet, seu impacto foi grande não só entre os especialistas mas também entre o público geral. O Caderno de desenho de Goya tinha uma encadernação simples, assinada por ele várias vezes, tanto dentro quanto fora e tem um tamanho confortável para a pessoa carregar consigo. O papel, conforme informa o Museu, é de boa qualidade e apresenta uma espécie de marca d’água do famoso papel Fabriano, uma manufatura de papel italiana que vem desde o século XIV.

Nesse caderno, Goya fez os desenhos mais antigos que se conhece dele, inclusive desenhos preparatórios para pinturas que foram feitas na Itália ou imediatamente após sua temporada por lá. Além dos desenhos, como todo caderno de registro de artista que hoje são conhecidos como sketchbooks, Goya também fez anotações à mão como a lista de cidades por onde teria passado e até dados biográficos. Entre essas anotações o rascunho de uma carta a Mengs (pintor alemão), amigo do artista polonês Taddeo Kuntz com quem Goya compartilhou uma moradia em Roma. Nessa carta, Goya expressava sua vontade de voltar a Roma na companhia de Mengs. Também há a anotação do nascimento do seu primeiro filho, Antonio Juan Ramón y Carlos, no dia 29 de agosto de 1774. Ele teria anotado também: “me case el beinti cinco de Julio del año de 1773, y era Domingo / oy 15, de decienbre”.

Esse tipo de caderno era chamado, em italiano, de taccuini, e era ao mesmo tempo caderno de desenhos, de memórias ou de anotações várias. Eles foram muito utilizados pelos artistas desde que o papel se expandiu, a partir do século XV. Em suas páginas, pintores e escultores tomavam notas e faziam esboços para suas obras.

O sketchbook de Goya consta de 172 páginas, onde faltam algumas e outras estão incompletas ou rasgadas. Algumas folhas estão manchadas de óleo, pelo seu uso no ateliê onde se usava óleo de linhaça ou de nozes, na mistura dos pigmentos na pintura. Para os desenhos, ele usou lápis preto, e sanguínea (uma espécie de giz avermelhado e que existe numa só dureza, diferentemente do grafite). As tintas são de bistre, de tom castanho luminoso, fabricado com restos de fuligem e de madeira queimada das lareiras, mas também pó de carvão.

O “Cuaderno italiano” de Goya também contém cópias de pinturas e esculturas que ele teria feito em Roma, como, por exemplo o desenho da primeira página, cópia de “Alegoria da Prudência” de Corrado Giaquinto, assim como o desenho do “Hercules Farnesio” e o “Torso de Belvedere” de Pierre Legros, o Jovem, que são afrescos da basílica de São João de Latrão.

As figuras desenhadas na primeira página apresentam imagens e composições que seguiam o estilo neoclássico dos artistas romanos do século XVIII. Também estão lá os rascunhos que Goya fez para a pintura “Aníbal que vê a Itália pela primeira vez a partir dos Alpes”, com a qual ele concorreu na primavera de 1771 em um concurso da Academia de Parma, para o qual ele não teve êxito, segundo nos diz Robert Hughes.

Nas primeiras páginas do caderno também tem anotações curiosas, inclusive em italiano, como: materiais de pintura que ele adquiriu, número dos papas até 1771, notas sobre máscaras de carnaval ou de personagens da Commedia dell’Arte, o que mostra que ele teria assistido em 1771 ao carnaval em Roma, assim como pode ter visto apresentações de humoristas italianos.

Na sua lista de cidades pelas quais teria passado, estão também as cidades de Toulon e Marseille, na França, por onde ele deve ter passado em seu regresso à Espanha. Ele anotou que algumas dessas cidades ele viu “por fora”, como Turim e Milão. Mas parou em Gênova, Bolonha, Parma, Pádua e Veneza. Florença não está em sua lista, assim como Nápoles. Ao fim da lista, Goya completou com a frase:  “y otras muchas q. no me acuerdo”.

Lista das cidades
Nesse mesmo caderno, Goya registrou, já na Espanha, as primeiras encomendas que recebeu  como a “Virgem del Pilar”, “Morte de São Francisco Xavier”, para o Museu de Zaragoza, assim como os importantes afrescos que fez para o mosteiro cartusiano conhecido como Aula Dei, de Zaragoza, em 1774. Robert Hughes diz que esses monges pertencem a uma ordem “silenciosa e enclausurada, e o mosteiro nega a admissão a mulheres, sob quaisquer circunstâncias. Visitantes masculinos são recebidos, mas em termos estritamente limitados - um pequeno grupo, uma vez por mês, durante cerca de uma hora”. E essas pessoas continuam a ir até o mosteiro, ainda hoje, para ver de perto esses afrescos de Goya, os primeiros de sua carreira.

As últimas páginas, que datam de 1790, mostram alguns esboços de figuras claramente feitos por uma criança, assinados por “Xavi”, que pode muito bem serem atribuídas a seu filho Javier Goya, nascido en 1784.
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O Museu do Prado destaca que esse “Cuaderno italiano” de Goya se enquadra dentro do apreciado gênero dos “cadernos de artista”, dos quais há muitos exemplares, desde o século XV, que permitem algum conhecimento sobre seus autores, como pensavam, como desenhavam, como viviam.

Esse caderno resume o que deve ter sido a vida de Goya. Nessas páginas estão refletidas sua personalidade simples, seu senso de humor e até seu perfeccionismo. Falou de seu casamento, de seus filhos, das cidades que conheceu. Fez anotações sobre arte, assim como sobre suas contas; uma receita para a fabricação de verniz; registros de pinturas que lhe chamaram a atenção. Em seus desenhos, vê-se como lhe interessava muito o estudo da anatomia do corpo humano, os drapeados dos tecidos, os gestos e os rostos. Mas também desenhou um gato em cima de um muro, uma cabeça de burro entrando por uma janela, figuras enigmáticas cobertas com mantos da cabeça aos pés e uma cabeça humana meio mosntruosa que parece vomitar algo.


Algumas destas páginas do sketchbook de Goya aparecem neste post, mas mais podem ser vistas diretamente no portal Goya en el Prado, do Museu do Prado.

Anotação sobre nomes de aglutinantes e pigmentos
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quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Nulle die sine linea

“Sabes que "poesia" é algo de múltiplo;
pois toda causa de qualquer coisa
passar do não-ser ao ser é “poesia”,
de modo que as confecções de todas as artes são “poesias”,
e todos os seus artesãos poetas.”
(O Banquete, Platão)

Estudo meu feito com pastel sobre
papel cartão, sobre obra de
Jan Vermeer, "Retrato de uma jovem
mulher", de 1665 (novembro, 2012)
Terminei mais um estudo baseado nas obras dos mestres da pintura. Fiz em pastel sobre papel cartão esta pintura ao lado, usando como referência o quadro de Jan Vermeer “Retrato de uma jovem mulher”. No ano passado já tinha feito, em óleo sobre tela, um estudo também sobre outra obra de Vermeer, “Moça com brinco de pérola”. No Atelier de Arte Realista de Maurício Takiguthi onde estudo atualmente, essa dedicação a conhecer o mais profundamente a técnica dos velhos mestres é parte da nossa formação e aprendizado.

Mas não é uma novidade em termos de método porque sabemos que grandes pintores alcançaram grandes alturas porque se lançaram à aventura de penetrar nas obras de arte realizadas por grandes artistas que os precederam. Pois assim é a nossa história humana: vamos evoluindo, vamos criando e recriando o mundo, mas sabemos que atrás de nós há gerações e gerações de grandes seres humanos que continuam nos inspirando e mesmo iluminando nossos caminhos como verdadeiros faróis. O grande Isaac Newton (1643-1727), cientista e filósofo, disse certa vez que se pôde enxergar mais longe é porque estava “sobre ombros de gigantes”, provavelmente se referindo a Galileu e Kepler, dois gigantes que vieram antes dele.

Pintura a óleo tendo como referência
a obra "Moça com brinco de pérola",
de Vermeer (outubro, 2011)
Isso é muito importante saber, qualquer que seja a área de nossa vida: não podemos esquecer que se aqui estamos e no ponto em que estamos, muito devemos aos que nos antecederam. Muito temos o que aprender com o passado para poder construir o futuro que queremos.

Nas escolas de artes atuais, em sua maioria, infelizmente, o estudo dos mestres se reduz a saber de sua biografia, dos movimentos de que participavam, em que “ismo” se encaixava sua arte. A tradição parece ser uma palavra que engasga na boca dos que ensinam arte em escolas e faculdades. Pelo contrário, os novos “ensinadores de arte” parecem gostar de repetir que o aluno deve “se soltar” (o que isso significa?), deve esquecer qualquer tentativa de querer desenhar baseado na realidade, e, o que é pior, não recomendam mais o desenho, o exercício, o estudo com linhas e massas. “Soltem-se”, entoam eles em coro...

Há alguns dias atrás assistimos, no Atelier, ao filme “Jiro: dreams of sushi” sobre um mestre artesão de sushi, considerado hoje um dos melhores do mundo. Mas onde sushi tem a ver com pintura e desenho? Recomendo que se veja o filme para se buscar compreender melhor que, na verdade, sushi e pintura tem muitos pontos em comum, no sentido de que o trabalho de alguém está por trás disso.

"Baile de máscaras", pastel sobre papel cartão, 2011
Na verdade, desde a tradição grega sabemos o quanto a genialidade de um ser humano não é dom divino. “Nulle die sine linea” (nenhum dia sem uma linha) estava escrito na porta de entrada do atelier do pintor grego Apeles, que viveu no século V a.C., que não deixava passar um só dia sem que se exercitasse em sua arte. Todos os grandes artistas, de Da Vinci a Michelangelo, de Vermeer a Velázquez, de Bach a Beethoven, de Delacroix a Picasso, todos, sem exceção, dedicavam horas diárias de suas vidas à sua arte e, se se tornaram os gênios que foram, essa genialidade foi desfraldada após muito exercício, muita aplicação, muito estudo.

Minha experiência pessoal nestes últimos anos tem me mostrado que venho aprendendo muito mais do que desenhar e pintar! Porque desenhar e pintar são duas atividades humanas que exigem um redesenho interno da alma, no sentido de que há uma integração entre o que eu sou como pessoa e o resultado do meu trabalho. Cada avanço que faço, cada sutileza de cor que meus olhos agora vêem (antes não viam), cada conceito apreendido (mais do que aprendido) além de trazer uma felicidade nova me mostra o que há mais além, mais a conquistar, mais a aprender, mais a ser. Me mostra também que cada traço desenhado, cada toque novo do pincel é um instante que ganho diante do tempo que foge.

"Retrato de Jeosafá",
Mazé Leite, 2012
Num certa cena do filme, Jiro, o velho mestre de sushi, fala: “Vou continuar a subir, tentar alcançar o topo, porém ninguém sabe onde o  topo está!” Essa busca da excelência na arte, essa caminhada em direção ao Real mais profundo, onde vamos colhendo camadas de percepção dele que fogem à percepção comum, é fugidia, exige dedicação, empenho, perseverança, paciência, trabalho... Porque o “topo”, que está lá mais à frente, parece se mover, e isso enriquece ainda mais essa busca. Porque nessa dedicação ao estudo da arte, quanto mais aprendemos, mais vemos que podemos mais, que há mais a ser descoberto e que, no final das contas, nos deparamos mesmo é com a inesgotabilidade do Real! Isso, por si só, é objeto do mais puro fascínio para quem pratica o estudo de arte, seja desenho, pintura, escultura, teatro, literatura, dança, música...

Infelizmente isso tudo é muito longe do que é ensinado nas escolas! Nesse mundo de correria, ensina-se que as coisas devem ser feitas de forma rápida, mesmo com qualidade mediana. Nos acostumamos a viver com o mediano como se isso fosse normal! Infelizmente o que se ensina é que a genialidade é um dom de Deus, que se nasce gênio. Um tipo de pensamento que subestima a capacidade do ser humano de buscar com seu trabalho a sua própria perfeição. Mas não perfeição no sentido místico, moralista em certo sentido. Perfeição no sentido de alcançar mesmo que seja a simplicidade da forma, como podemos ver na escultura de Alberto Giacometti, por exemplo. Mesmo que seja para não pintar o Belo, porque o Feio também faz parte do nosso mundo...

Alguém já disse que o estilo pessoal é a expressão da alma do artista. Mas eu pergunto, como alcançar essa expressão de alma sem estudo, sem busca, sem prática? Isso me faz lembrar de Michelangelo. Um dia ele teria dito que quando olha para uma pedra ele já sabe que partes dela precisa retirar para que se mostre a figura que ele quer. É isso aí, é preciso lapidar o diamante para que ele brilhe!

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Abaixo, alguns dos meus exercícios:

Estudos em pastel sobre obras de antigos mestres  (Mazé Leite, 2012)
Estudos em pastel sobre obras de antigos mestres.
À esquerda, pintura baseada numa natureza morta de Gustave Courbet (Mazé Leite, 2012)
Estudos em pastel. À esquerda, baseado em fotografia. À direita, sobre obra de um mestre  (Mazé Leite, 2012)
À esquerda, desenho gestual baseado numa pintura de Velázquez.
À direita, uma xilogravura de 1989 
(Mazé Leite)

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Desenhos e gravuras do Renascimento alemão

Rinoceronte, Albrecht Dürer, 1515, Xilogravura, 24,8 cm × 31,7 cm

O Museu de Arte de São Paulo está apresentando, desde o dia 19 de outubro, uma exposição com 61 obras-primas da gravura do Renascimento alemão. Essas obras fazem parte da coleção de 100 mil obras doadas ao Museu do Louvre em 1935, pela família do barão Edmond de Rothschild. A mostra fica até 13 de janeiro no 2º andar do MASP.

O Renascimento alemão teve uma produção muito rica, uma das mais relevantes da arte europeia, mas “nem sempre reverenciada em grandes mostras”, diz o texto de apresentação da exposição do Masp.

Lucas Cranach, o velho,
Retrato de um jovem aristocrata,
acervo do Masp
Mas duas obras que pertencem ao acervo do Museu também foram integrados à mostra: as pinturas de Hans Holbein “O Poeta Henry Howard, Conde de Surrey” (1542) e, de Lucas Cranach, o “Retrato de Jovem Aristocrata” (1539).

O texto do portal do Masp também diz que, para o Diretor-Presidente do Louvre, Henri Loyrette, “essa célebre coleção reúne peças únicas, sem as quais nosso conhecimento da gravura alemã continuaria incompleto”.  O barão de Rothschild era um colecionador de obras de arte. Rapidamente absorveu o espírito do Renascimento e “reuniu as mais belas peças da gravura alemã dos séculos XV e XVI que a curiosidade intelectual, o estudo erudito e, algumas vezes, a sorte ofereceram para seu excepcional gosto pelo Belo”, completa Loyrette.

O Renascimento foi um movimento artístico e intelectual dos séculos XV e XVI, numa fase em que o capitalismo mercantilista se expandia pelo mundo e as cidades cresciam. Os valores da Idade Média iam sendo abandonados em favor de um maior foco no humanismo, que fez com que muitos artistas deixasse de pintar ao gosto da Igreja para se tornarem mais independentes, usando como tema ou a mitologia greco-romana ou cenas do cotidiano, pessoas comuns, a natureza.

A Itália, considerada o berço do Renascimento, tinha uma economia próspera e era uma região de muita efervescência cultural. Muitos mecenas patrocinavam a arte e para lá migraram muitos artistas, de diversas partes da Europa, para ter contato com a arte italiana e aprender com seus mestres.

Albrecht Dürer aos 13 anos,
autorretrato com ponta de prata
Um desses grandes artistas que se dirigu para a Itália foi Albrecht Dürer, que nasceu em Nuremberg em 1471. Dürer representava muito bem o espírito do Renascimento, pois ele era, além de pintor, gravador, ilustrador, desenhista, matemático e teórico da arte alemã. Mas seus interesses também abrangiam a Arquitetura, a Geografia e a Geometria. Ele influenciou muitos artistas do século XVI tanto na Alemanha quanto nos Países Baixos. Era um trabalhador árduo na sua arte e se especializou também nas artes gráficas, fazendo muitas xilogravuras, consideradas inovadoras. Ele também foi um dos primeiros mestres da aquarela, especialmente representando paisagens.

Foi nomeado pintor da corte pelo imperador Maximiliano I, em 1512. Dürer viajou também pelas Países Baixos, além da Itália, conhecendo muitos pintores e pessoas ligadas às letras. Em seus últimos anos de vida, em Nuremberg, fez diversos estudos sobre medida e proporção da figura humana, assim como perspectiva e geometria.

Santo Estáquio, de Albrecht Dürer
Teixeira Coelho, curador do MASP, diz que Dürer “foi o maior nome da gravura em todos os tempos até a chegada de Rembrandt, e foi a gravura que firmou seu nome internacional ainda em sua própria época. [...]Dürer, porém, não se limitou a levar a Renascença para o Norte (da Europa): de igual modo, trouxe o germanismo para o Sul, sobretudo com sua contribuição em favor da melhor reputação da gravura. Seu grande aporte, por arbitrário que seja destacar um dentre vários, foi a originalidade da invenção, algo que se poderá verificar nesta exposição, de modo central embora não exclusivo, nas peças Santo Eustáquio, A trindade e o popular Rinoceronte, três de suas muitas obras-primas”.

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Serviço:

Desenhos e gravuras do Renascimento Alemão na
Coleção Barão Edmond Rothschild - Museu do Louvre
De 19 de outubro de 2012 a 13 de janeiro de 2013
MASP - Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand
Av. Paulista, 1578
Horários: De 3ªs a domingos e feriados, das 10h às 18h. Às 5ªs: das 10h às 20h.