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quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Burton Silverman: em busca do humano - I

Silverman em seu ateliê em New York
Burton Silverman é um pintor norte-americano, nascido em 1928, em New York. Seu trabalho tem se concentrado na “paisagem do rosto humano”, como ele mesmo diz. Este artista vive e trabalha em seu ateliê em New York, mantendo-se fiel ao caminho que escolheu seguir na arte: a pintura realista.

Seu pensamento sobre pintura e sobre arte é muito importante nos dias atuais em que a arte realista retoma seu lugar, em especial nos EUA, mas também aqui no Brasil. Hoje, em São Paulo, contamos com cerca de dez ateliês realistas. Neste e no próximo post, trarei algumas destas ideias de Silverman. Foram recolhidas em diversas entrevistas que ele deu nos EUA e em seus livros, vídeos e site.

Biografia

Burton Silverman começou suas primeiras lições de desenho na famosa Liga dos Estudantes de Arte de New York, quando tinha 12 anos de idade. Desde o início, seu talento chamou a atenção dos professores, em especial de Anne Goldthwaite, sua primeira mestra. Com apenas 4 meses de formação, já pode ir participar das aulas com modelo vivo.


Ele diz que começou a se interessar por arte ainda criança, como leitor de livros infantis ilustrados por N.C. Wyeth, nascido em 1882. Mas o grande momento para ele foi ter ido a uma exposição, em 1939, intitulada “500 Anos de Grande Pintura”, montada a partir de obras de coleções europeias e norte-americanas. O menino que cresceu no bairro do Brooklin sofreu um grande impacto com o que pode ver nos três grandes pavilhões desta exposição. Até então ele nunca tinha visto uma pintura de perto, somente reproduções em preto e branco. “Me veio então a ideia de que um artista possui algo de grandioso”, disse ele.

Um outro momento importante foi quando ganhou de um primo dez anos mais velho um livro sobre pintura flamenga. Esse primo “foi lendo e comentando as pinturas e dizendo coisas interessantes sobre arte. Era quase como se ele estivesse me apresentando um projeto de vida”. Foi insinuando que a arte era um caminho que Burton poderia seguir. Já sabia do talento do menino que gostava de desenhar. Em seguida, uma tia também lhe presenteou com o primeiro estojo de tinta a óleo. Silverman tinha 9 anos de idade. “Eu estava destinado a fazer isso, observou ele. Isso afetou minha forma de sentir as coisas. Minha imaginação floresceu.”

Claro que seus pais se preocupavam em como ele iria sobreviver com isto, mas ao mesmo tempo procuravam escolas onde ele pudesse se desenvolver. Foi parar na Escola Superior de Música e Arte, no ensino médio, já em sua adolescência. Lá, Silverman teve contato com outros jovens artistas, todos comprometidos com desenho realista em uma época em que Cézanne (mais modernista) dominava. Lá conheceu seu grande amigo e colega Harvey Dinnerstein. Eram tempos de guerra e nos cadernos de desenhos eles faziam aviões de guerra.


Pintura de Silverman
Após sua formação no ensino médio, Silverman voltou à Liga dos Estudantes de Arte para continuar seu curso de desenho. Ele percebia que necessitava de mais treinamento. Também cursou arte na Universidade de Colúmbia. Disse, numa entrevista feita a Ira Goldberg e publicada no site da Liga dos Estudantes, que teve péssimos professores na faculdade. Era um tipo de treinamento em desenho mais gráfico, e o professor queria que os alunos o seguissem à risca, o que não lhe  agradou muito. 

“Você estuda com alguém que você admira, - disse ele nesta entrevista de 2010 - pelo que ele faz. Eu passo o mesmo agora, que sou professor, mas tento dissuadir as pessoas de querer me imitar. Primeiro de tudo, eu não tenho um estilo. Não há nada que um aluno possa imitar. A única coisa importante que eu posso fazer é levar o aluno a identificar exatamente o que ele quer com a pintura e perguntar: por que você escolheu pintar esta imagem? Posso sugerir certos tipos de correções técnicas como composição, proporção e forma tridimensional. Não é um grande segredo, este método já dura 500 anos”.

Ideias

Com o tempo, Silverman se tornou ilustrador profissional, “num momento em que a ilustração ainda estava florescendo”, diz ele. Neste ofício, ele acabou participando dos projetos de propaganda do Pentágono, durante a Guerra da Coreia (entre 1950-53). Não chegou a ser convocado para a guerra, por ser mais útil como ilustrador. Mas ele se opunha a esta guerra, por motivos políticos. “Eu odiava saber que era parte de alguma máquina de propaganda”, acrescenta, “mas era como eu podia sobreviver”.

Burton Silverman sempre teve simpatia pelo socialismo. “Meu pai era um socialista em sua juventude”, complementa. Se dizendo um idealista, Silverman diz que prefere valores de cooperação aos de competição. E que acredita que o ser humano pode ser mais do que sua luta pela sobrevivência e que pode viver em harmonia. 


“Eu tenho valores muito arraigados. Tenho sido um forte observador do mundo, do comportamento humano, de como as coisas são, e a arte também traz mais insights sobre isso. Eu sempre me senti assim. A arte é algo que nos leva para fora de nós mesmos. Eu acho que é a característica comum de artistas que fizeram a grande arte, a arte que é duradoura. Eu acredito que é uma mistura tanto de sua vida emocional e sua vida cognitiva. Caravaggio, para citar um exemplo, humanizou a narrativa católica sobre Deus pintando pessoas reais do cotidiano. Ele mesmo pintou a Madonna com os pés sujos! Com ele, o ser humano tornou-se central para a história tanto quanto a divindade. Isso aconteceu por que era Caravaggio? Por que ele tinha adquirido de Leonardo e, antes disso, de Giotto? Foi uma matriz de outros artistas fazendo a mesma coisa? Certamente sua arte parecia vir de seu amor pela pintura da vida real, ao invés de desenhar caricaturas da vida, e foi isso que atraiu a admiração dos seus contemporâneos”.

Neste ponto, Silverman diz que lembrou de um episódio de sua vida como artista, quando ele e seus amigos organizaram na década de 1950 o movimento “Visão Realista”, com uma exposição de suas pinturas:

“Víamos a necessidade de reconstruir um ambiente humanista similar. Sonhávamos com um reavivamento da pintura realista na década de 1950, no auge do expressionismo abstrato, da grande explosão modernista. Foi a era de aquário para a arte modernista, derrubando os restos de arte figurativa que ainda sobreviveram no remanso do provincianismo americano”.

Ele e seus amigos se viam como “os únicos presumivelmente realistas ao redor”. Mas - ele observa hoje - deixaram de lado muitos outros artistas que, na época, em seu “egocentrismo” eles julgavam não estar “à altura dos critérios estéticos” dele e de seu grupo. “Nós estávamos tentando criar um novo ambiente, uma nova matriz, nos atrevendo a criar um reavivamento realista”. Mas como este movimento excluía muita gente, acabou não tendo muito efeito.
“Sessenta anos depois, vemos um fenômeno que talvez deva algo aos nossos esforços daquele tempo, observa. Muitas pessoas têm explorado a habilidade recém-descoberta, permissível agora, talvez em parte por causa disso que fizemos com o Visão Realista.” 


Há alguns anos se vê um reavivamento da pintura figurativa e realista. Mas ele fala também da pintura hiper-realista, que também tem atraído muita gente nos EUA. Mas realismo e hiper-realismo têm diferenças enormes. “A arte não é guiada pela mesma construção estética”. Esta nova arte realista - o hiper-realismo - imita a fotografia. Para Silverman, é como se os artistas agora quisessem criar uma arte mais “socialmente válida” e “disponível para o espectador comum” do que os artistas modernistas, cuja arte tem sido indecifrável e desinteressante para a maioria. “Mas com isso um monte dessas pinturas parecem ignorar o amor tradicional ao traçado do pincel”. 

“Eu acredito na veracidade, na verdade inerente à grande arte muito mais porque, embora você possa fotografar tudo tão facilmente, uma fotografia raramente lhe causa uma experiência contemplativa. Não menosprezando as grandes fotografias, mas de alguma forma elas têm uma vida útil mais curta para mim do que pinturas”.

“A fidelidade da fotografia afetou a pintura do retrato terrivelmente. As pessoas agora esperam que os retratos pareçam uma fotografia. A pintura, no entanto, é de outro caráter cultural: ela satisfaz a um senso de tradição chamado de arte. Outras qualidades, que mostram um retrato como a sensação de algo vivo - que a pintura cria magicamente e faz sobreviver o retrato muito além da vida do retratado - podem ter sido perdidas”.

“Mas a fotografia também chamou a atenção de um monte de artistas dos finais do século XIX, artistas academicamente treinados como Jean Dagnanon-Bouveret, que foi, provavelmente, um praticante do uso da fotografia. Mas olhe para suas obras. São claramente pinturas! Esta ideia se espalhou pela Europa e tornou-se o movimento que tem sido chamado de Naturalismo. No entanto, antes de Naturalismo e Realismo serem arrastados pela arte do século XX, eles produziram algumas obras poderosas”.

Courbet utilizadas fotografias. Meissonier fez a grande debandada de cavalos napoleônicos usando fotografias. “Mas o resultado parece uma pintura”, diz Silverman. E acrescenta que também usa a câmera: 

“Mas uso com a ideia de que ela me oferece informações, mas não determina minha visão”. 

E dá um exemplo: 


Pintura de Silverman
“David Hockney escreveu um livro inteiro alegando mostrar a influência do uso das lentes nos últimos 300 anos na pintura. Eu não me importo se Caravaggio usou algum tipo de lente para pintar o menino com o alaúde. Esta pintura é muito mais do que uma fotografia! Hockney também argumentou que Van Eyck não poderia ter pintado o lustre em seu retrato do Casal Arnolfini a partir do mesmo ponto de vista que o próprio casal. Tinha que ser a partir de uma lente de algum tipo. Hockney mesmo recorreu a um matemático para provar isso. Ele despreza o ponto crucial da pintura completamente: o porque ela sobrevive. Hockney despreza, com dolorosa inveja, a ideia de artesanato. Cada uma dessas pessoas sabia desenhar, e o desenho era muito mais importante para eles do que qualquer lente, se é que usaram alguma. Caravaggio foi admirado por seus  contemporâneos, e de fato causava inveja, porque ele pintou diretamente da vida. Sua estética cresceu além do desenho. Eu sou um grande defensor da ideia do valor do artesanato. Ele permite que você seja realmente livre. Eu acredito que a fotografia deve ser submetida a meu desenho. Repito: a câmera é parte do meu equipamento de trabalho, mas não a minha visão”.

Burton Silverman, sempre crítico em relação à arte praticada nos tempos atuais, diz que não é só uma questão de gosto. Para ele, dois fatos que ocorreram no século XX influenciam em muito a arte atual. O primeiro, a I Guerra Mundial, quando a sociedade em geral começou a desmoronar. “A I Guerra causou um devastador acidente nas mentes das pessoas que acreditavam nos valores do velho mundo”. O segundo, continua ele, “a pintura acadêmica tradicional tornou-se apenas uma maldita bobagem. Não pintava sobre a vida das pessoas mais”. Em parte, os Pré-Rafaelitas, mas também Bouguereau, com suas figuras idealizadas com “pinturas de pessoas em túnicas brancas que celebravam festivais reminiscentes da Grécia clássica, o que era imaterial e distante da vida da maioria das pessoas”. Para ele, estes dois eventos contribuíram juntos de uma forma muito dinâmica, para a arte que veio a seguir.


“Esta quebra também foi alimentada por alguns dos impressionistas, que romperam com noções convencionais de modelagem. Ao invés de contínuas pinceladas, suaves e sem intercorrências, eles tinham que dividi-las, alegando que replicavam a forma como a luz é transmitida”. 

“As alardeadas habilidades de Picasso foram superestimadas: suas primeiras pinturas eram ainda bastante comuns e repetitivas de artistas espanhóis contemporâneos. Ele sistematicamente imitava Lautrec e Edvard Munch, antes de virar tudo de ponta-cabeça com Les Demoiselles d'Avignon. Estas são coisas arrogantes para se dizer, mas eu não sou considerado um crítico muito importante. Mas penso isso: há apenas um par de críticas negativas sérias em meio às toneladas de livros escritos sobre Picasso, desde que ele se tornou famoso. Um está em um livro, “Success and Failure of Picasso” por John Berger, um historiador de arte brilhante. O outro, um ensaio de Roger Kimball, por ocasião de uma exposição de Picasso em 1998. Isso é extraordinário”.

“O que estou querendo dizer é que muito da arte modernista realmente não me interessa. Ela não me diz nada sobre o meu mundo, minha experiência, ou o que esse artista sente sobre isso. Há tantos tipos de formas interessantes para pintar; eu não olho na forma como a pintura é feita, se é alla-prima ou em camadas, etc. O que exijo é uma pintura que transforme o meu entendimento do que é ser humano, para se sentir como um ser humano”.


(continua no próximo post)


















quarta-feira, 2 de setembro de 2015

John White Alexander

"Walt Whitman", John White Alexander, óleo sobre tela, 127 x 101 cm
Tempos caóticos estes em que vivemos atualmente. As dispersões são muitas, as preocupações imensas. Faz semanas que não acho inspiração para postar aqui. Há crise em vários aspectos de nossas vidas. Mas há espaços para a esperança, sempre há. Que renascem sempre que nos deparamos com uma boa surpresa, uma alegria. A minha alegria de ontem foi descobrir este pintor norte-americano do final do século XIX, com uma pintura tão bela e bem feita: John White Alexander.


John White Alexander
Os Estados Unidos têm uma grande tradição de arte realista, que atravessaram até mesmo os tempos mais terríveis da perseguição macartista, que ameaçava a todos os que tinham ideais socialistas, mas também os artistas figurativos. A pintura figurativa, durante a Guerra Fria, era considerada pintura de comunistas, pela direita norte-americana. Naqueles tempos, era propagandeada e incentivada pelo Estado Maior daquele país a arte abstrata como a verdadeira arte moderna. Em contraposição à arte soviética, que também tentava dirigir esteticamente seus artistas na direção da arte chamada de “realismo socialista”. Mas nos Estados Unidos, mesmo assim, os artistas resistiram, sendo que hoje este país é um dos maiores produtores de artistas figurativos e mesmo realistas, como David Leffel, Richard Schmid e Burton Silverman.

John White Alexander é um dos precursores destes excelentes realistas norte-americanos. No século XIX, uma grande leva de pintores deste país se mudaram para Paris com o objetivo de estudar pintura. Acompanharam as mudanças estéticas que vinham ocorrendo naquele momento na França, com o surgimento da pintura realista de Gustave Courbet e principalmente dos Impressionistas.

John White Alexander nasceu na Pensilvânia, Estados Unidos, no dia 7 de outubro de 1856. Foi pintor e também ilustrador.


"Um raio de luz solar",
John W. Alexander, óleo sobre tela
Tendo ficado órfão ainda criança, foi criado por seus avós. Começou a trabalhar com a idade de 12 anos, como telégrafo na empresa Pacific and Atlantic Telegraph Company. Lá, seu talento foi descoberto por um dos chefes da companhia, um homem de nome Edward J. Allen, que resolveu ajudar o menino a desenvolver seus talentos. Enquanto se aperfeiçoava, John White fez vários retratos da família de seu patrão, além do próprio. Com 18 anos de idade mudou-se para New York, onde foi trabalhar no semanário Harper's Weekly, como ilustrador e cartunista político. Lá já estavam trabalhando outros ilustradores conhecidos, como Abbey e Pennel. 

Após três anos de aprendizado e trabalho, ele viajou para Munique, na Alemanha, para seu primeiro treinamento formal. Como não tinha dinheiro, foi viver na pequena aldeia de Polling, na região da Baviera, onde trabalhou com Frank Duveneck. Com ele, viajou para Veneza, onde conheceu o pintor norte-americano James Abbott McNeill Whistler, que vivia entre a Inglaterra e França, de quem recebeu orientação. John White Alexander continuou estudando em cidades como Florença, na Itália, em Paris, França, e nos Países Baixos.

Voltou para New York em 1881 e logo se tornou famoso como pintor retratista. Dois anos depois participou pela primeira vez de uma exposição, no Salão de Paris de 1893. Seu trabalho foi muito elogiado e ele foi eleito para a Sociedade Nacional de Belas Artes de Paris. Recebeu diversos prêmios.

Em 1889 pintou o retrato do grande poeta Walt Whitman, a pedido da senhora Jeremiah Milbank, que também lhe encomendou um retrato do marido. Nos Estados Unidos, desde 1901 recebeu diversos prêmios e honrarias, como os de ser nomeado Cavaleiro da Legião de Honra, membro da Academia Nacional de Desenho, da American Academy of Arts and Letters. Presidiu a Sociedade Nacional de Pintores Muralistas entre 1914 e 1915.

Suas obras estão espalhadas em vários museus dos Estados Unidos e Europa, como o Metropolitan Museum of Art, o Brooklyn Museum, o Los Angeles County Museum of Art, o Fine Art Museum de Boston, além de ter um grande mural no hall de entrada do Museu de Arte do Instituto Carnegie em Pittsburgh, intitulados “Apoteose de Pittsburg”, que cobre três andares de parede.

John White Alexander morreu em Nova York em 31 de maio de 1915.

Abaixo, algumas de suas lindas pinturas:


"Repouso", Alexander, 1895, 132 x 161 cm, Metropolitan Museum of Art, N.Y.
"Painel para sala de música", Alexander, 1894, 197 x 94 cm, Detroit Instituto de Arte
"Memórias", Alexander, 1903, 158 x 132 cm, Brooklyn Museum
"Paisagem", Alexander, 1890, 77 x 114 cm
"Althea", Alexander, 1898, 161 x 133 cm, Coleção particular
"Isabela e o pote de manjericão", Alexander,
1897, 192 x 92 cm, Metropolitan Museum of Art
"Estudo em preto e verde", John W. Alexander, óleo sobre tela,
50 x 40 cm, Metropolitan Museum of Art
"Um momento preguiçoso", Alexander, 1885, 86x66 cm, Coleção particular
"Preto e vermelho", Alexander, 1896, 120x90 cm, Coleção particular
"Anna Palmer Draper", Alexander, 1888, 183 x 122 cm, Coleção particular

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Francisco de Zurbarán, um novo olhar

Detalhe de natureza-morta de Zurbarán
Autorretrato
O Museo Thyssen-Bornemisza de Madrid, Espanha, está apresentando, desde 9 de junho, uma exposição retrospectiva da obra do pintor espanhol Francisco de Zurbarán, intitulada "Zurbarán, una nueva mirada". Ele é um dos pintores mais importantes do Século de Ouro espanhol. O museu conseguiu juntar, entre as obras expostas, aquelas que são pouco conhecidas e mesmo as que nunca haviam sido expostas na Espanha. Ele foi colega de Diego Velázquez e, junto com ele, tem sido muito reconhecido nos dias atuais pela qualidade de sua pintura e pelo seu estilo sensível de pintar.


"Santa Margarida", Zurbarán, 1631,
National Gallery de Londres
Francisco de Zurbarán nasceu em 7 de novembro de 1598, na pequena vila de Fuente de Cantos, em Badajoz, região da Extremadura.

Entre 1614 e 1617 estudou pintura em Sevilha com Pedro Díaz de Villanueva. Conheceu, no mesmo período, os famosos - na época - mestres de Diego Velázquez, Francisco Herrera e Francisco Pacheco. Fez amizade com Velázquez e Alonso Cano, seus contemporâneos, e ainda jovens aprendizes como ele. Após alguns anos de aprendizagem fecunda em diversas áreas, Zurbarán voltou para sua cidade natal, sem se submeter ao exame profissional do grêmio sevilhano de pintores. Isso acabou sendo lhe cobrado mais tarde.

Depois de um tempo em sua terra, Zurbarán mudou-se para Llerena, onde viveu de 1617 a 1628. Se casou e teve o primeiro filho ainda muito jovem. E já recebia muitas encomendas para pinturas em conventos e igrejas. Infelizmente, todas as pinturas da primeira etapa do pintor Zurbarán foram perdidas. Ele também recebeu encomendas vindas dos padres dominicanos de Sevilha, assim como de outros clérigos daquela cidade. Em duas cenas da vida de São Domingos, que está na igreja de Santa Madalena em Sevilha, os estudiosos de sua obra observam que há a presença de diversos assistentes do pintor, o que era razoavelmente comum, quando se tratava de pintar obras em formato grande.


A partir de 1629, oficialmente convidado pelo conselho municipal de Sevilha, ele se instala definitivamente naquela linda cidade da Andaluzia. No mesmo ano, pintou quatro telas importantes para o colégio de São Boaventura, telas estas que atualmente se encontram em museus da França e da Alemanha. Começo, então, o período mais rico de sua carreira. Com uma pincelada forte e expressiva e seguindo à risca os desejos dos seus clientes católicos, Zurbarán era, por isso, muito procurado para ilustrar cenas religiosas pelos clérigos da Contra-Reforma espanhola, em pleno século de ouro espanhol. Todos os clérigos da Andaluzia e Extremadura lhe procuravam: os jesuítas, os dominicanos, carmelitas, trinitários, etc. 

Com tanto prestígio, acabou sendo convidado, em 1634, para participar da decoração do grande salão do palácio do Bom Retiro em Madrid. Diz-se que talvez isto tenha sido sugerido por Velázquez, seu amigo. Lá, ele foi responsável pela pintura dos “Trabalhos de Hércules”, além de duas telas grandes com temas históricos. Estas telas estão no Museu do Prado, que pude observar de perto em minha última viagem a Madrid, neste mês de maio.


De volta a Sevilha, Zurbarán continuou seu trabalho para os padres. Quase todas as pinturas desta época estão bem conservadas e espalhadas por vários museus do mundo, dos Estados Unidos à Polônia.

Eu pude ver de perto no Museu de Belas Artes de Sevilha várias pinturas de Zurbarán, entre elas três telas que foram feitas para a sacristia da igreja de Santa Maria de las Cuevas.  A pintura de Zurbarán possui uma grande plasticidade nas formas, uma forma de distribuir as luzes de uma maneira que cria harmonia entre as diversas tonalidades. Ele foi um dos pintores que recebeu influência de José Ribera, e por isso grande parte de seu trabalho é bastante marcado por um estilo “tenebrista” (com fortes sombras bem marcadas).

Depois de 1650, Sevilha, que até então era uma cidade muito próspera que atraía comerciantes e artistas de vários lugares, passou por uma profunda crise econômica. Ainda por cima, milhares de pessoas morreram na crise da Peste de 1649. A cidade foi reduzida pela metade. O filho de Zurbarán, que era seu principal colaborador na pintura, também morre. As encomendas rarearam. Por outro lado, uma série de ordens religiosas que estavam se estabelecendo no “novo mundo”, nas Américas, começaram a lhe enviar solicitações para pinturas. Sem poder mais viver em Sevilha, Zurbarán mudou-se para Madrid em 1658. Levou com ele sua terceira esposa e a única filha sobrevivente à peste (teve três filhos). Em sua última etapa, Zurbarán pintou pequenas telas, executadas de forma muito refinada. Sempre com temas de devoção religiosa. Sua pincelada estava mais suave.


"São Francisco com a caveira nas mãos",
Zurbarán, óleo sobre tela, 1658
Envelhecido e doente, Zurbarán pintou sua última tela em 1662. Morreu em 1664 em Madrid, após uma longa enfermidade que lhe fez gastar todo o dinheiro recebido nas encomendas e que estava guardado. Deixou sua família empobrecida, mas sem nenhuma dívida.

Em sua obra nota-se que ele, mais do que nenhum outro, soube retratar a vida monástica com grande realismo e muita sensibilidade. Seus monges são de um realismo que até hoje impressionam; assim como é incrível como ele pintou monges em estado de êxtase, meninos santos, moças onde se vê seus olhares inocentes e cândidos, sem teatralidade, sem exagero, simples… Não criou espaços imaginários, não fez escorços, resolveu tudo de forma simples. Suas composições, sim, são muito bem pensadas, calculadas. A espessura dos tecidos que ele pinta são muito reais, assim como as dobras dos tecidos, que ele trabalhava paciente e majestosamente. Até mesmo suas naturezas-mortas as mais simples são profundamente poéticas, sublimes, porque ele dava a elas a mesma atenção dadas aos temas mais sagrados. Zurbarán é comovente!

Termino mais uma vez citando o poema de Théophile Gautier, de 1845:

“Monges de Zurbarán, brancos cartuchos que, na sombra
passais silenciosos sobre as lousas dos mortos
murmurando o “Pater” e as “Ave” sem nome.
Que crime expiais para tanto tormento
fantasmas tonsurados, verdugos pálidos…
para tratá-los assim, que foi feito de teu corpo?”

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Mais algumas imagens de pinturas de Francisco de Zurbarán:


Detalhe de pintura de Zurbarán
Detalhe de pintura de Zurbarán
Natureza-morta de Zurbarán
"São Serápio", Zurbarán, 1628, Museu de Conectcut, EUA
"Defesa de Cádiz contra os ingleses", Zurbarán, 1634, Museu do Prado
"Aparição de São Pedro a São Pedro Nolasco", Zurbarán, 1629, Museu do Prado
"São Hugo no refeitório dos cartuxos", Zurbarán, 1630-35, Museu de Belas Artes de Sevilha
"Sagrada família", de Zurbarán

sexta-feira, 20 de março de 2015

Exposição: Arte Realista do Ateliê Takiguthi

"Retrato de Walter", Maurício Takiguthi, óleo sobre tela, 2015
O Ateliê e Galeria Contraponto irá inaugurar, no dia 25 de março próximo, uma exposição de trabalhos artísticos intitulada “Arte Realista do Ateliê Takiguthi”. A abertura se dará a partir das 19h e contará com a participação de mais de 30 expositores, entre eles o próprio Maurício Takiguthi, que já fez uma primeira exposição individual, no ano passado, nessa mesma galeria.

Todos os trabalhos que serão expostos são fruto do trabalho de um ano de estudo sob a orientação de Maurício Takiguthi, em seu ateliê da rua Frei Caneca. “São o resultado do ato de exercitar a concepção pictórica que ensinamos em nosso ateliê”, diz Maurício. “Nós enfatizamos a prática como forma de traduzir a realidade a partir de um pensamento visual, um trabalho que contém análise conceitual ou técnica, sem cair na mera cópia, invariavelmente mecânica e previsível.”

Em seu ateliê, Takiguthi ensina a seus alunos a interagir mais com o real visível e a prática, a sair do padrão convencional da visão cotidiana que olha mas não vê. Neste sentido, ele valoriza muito o resgate da tradição da pintura que mostra como é necessário recuperar o papel primordial da visão: “por que as pessoas não conseguem ver? Porque deduzem o que vêem. E deduzem porque, hoje em dia, perdeu-se muito da capacidade de contemplação que permite a visão mais profunda das coisas”, diz o pintor. Que acrescenta: “Quem só copia o modelo, não o vê!” Por isso, no Ateliê de Arte Realista de Takiguthi os alunos aprendem, entre outras coisas, a desacelerar seu tempo, a conectar-se com o “fazer”, a ampliar sua sensibilidade e a resgatar o papel da disciplina que a prática artística requer.

Por isso, esta exposição não pretende, na opinião de Maurício Takiguthi, ser uma mostra de obras de artistas, mas uma mostra do resultado de todo um trabalho desenvolvido durante anos em seu ateliê, que resgata também o conceito do “ofício” do desenhista e do pintor. Preocupa-se em tratar a arte como a busca do entendimento visual a partir dos insights cotidianos pela reverência a esse ofício. A arte, dessa forma, vai muito além do entretenimento, circunscrito ao seu aspecto lúdico, como muitos hoje em dia apregoam.

Além dos trinta alunos expositores, o próprio Maurício Takiguthi irá expor três pinturas inéditas, realizadas nesta fase atual de seu trabalho e poderão ser observadas de perto por todos os que forem visitar a mostra nesta galeria.

Esta já é a sexta exposição organizada pelo Ateliê Contraponto. A abertura será no próximo dia 25 de março, quarta-feira, a partir das 19 horas, com entrada Catraca Livre. A exposição estará aberta ao público de 26 de março a 25 de abril de 2015.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

O grande Giovanni Boldini

Autorretrato, Giovani Boldin, óleo sobre tela, 1892
Assim como seu contemporâneo John Singer Sargent, (leia aqui), Giovanni Boldini é um pintor retratista de renome internacional, trabalhando principalmente em Paris e Londres. No início do século XX, é um dos retratistas mais proeminentes em Paris. Ele tem sido uma de minhas referências na pintura e por isso apresento aqui uma breve biografia deste grande pintor.

Giovanni Boldini nasceu em Ferrara, Itália, em 31 de dezembro de 1842. Foi o oitavo dos 13 filhos de Antonio Boldini e Benvenuta Caleffi. Seu pai era pintor acadêmico e restaurador. Diz-se que possuía grande domínio técnico e fez boas cópias de pinturas de Rafael e de outros pintores venezianos. Desde muito cedo, Giovanni recebeu de seu pai suas primeiras lições de desenho.

A partir de 1858, em sua cidade natal, tornou-se aluno do curso de pintura de Girolamo Domenichini (1813-1891) que, junto com Antonio Boldini foi o autor dos afrescos do Teatro Academico local. Boldini também teve a oportunidade de conhecer de perto a obra dos grandes pintores ferrarenses do período da arte italiana chamado de Quattrocento, como Dosso Dossi e Parmigianino.


Canal de Veneza com gôndola,
óleo sobre tela, 1899
Sua primeira obra importante foi “O quintal da casa paterna”, um óleo terminado em 1855. No final da década de 1850, Boldini já havia concluído um “Autorretrato com 16 anos” e retratos, como o de seu irmão “Francesco”, e de “Maria Angelini” e “Vittore Carletti”.

Em 1862, Giovanni Boldini se inscreveu na Academia de Belas Artes de Florença, tendo estudado com Stefano Ussi (1822 - 1901) e Enrico Pollastrini (1817 - 1876). Nesse período, junto com outros artistas florentinos, começou a frequentar o Café Michelangelo (onde também se reuniram os pintores do movimento Il Macchiaioli - leia mais aqui). Destes, conheceu Giovanni Fattori, Odoardo Borrani, Telemaco Signorini, Cristiano Banti, Montemurlo e Michele Gordigiani. Nesse período em Florença, Boldini será hóspede na casa da família Falconer. Numa casa de campo pertencente a esta família, ele pinta com têmpera a seco, entre 1867 e 1870, as paredes de uma pequena sala. A viúva de Boldini comprará esta casa em 1938; hoje ela abriga uma boa quantidade das obras do pintor.

Junto com Cristiano Bonti, Boldini vai a Nápoles em 1866. Fará vários retratos de seu amigo. No ano seguinte, junto com a família Falconer faz uma viagem à França e em Montercalo ele pinta o quadro intitulado “General espanhol”, que ele considera uma das melhores obras de sua juventude. Em Paris, acontecia a Exposição Universal e nosso pintor italiano conhece os franceses Edgard Degas (leia aqui), Alfredo Sisley e Édouard Manet.


Retrato de Marthe Bibesco,
Boldini, óleo sobre tela, 1911
 
Em 1870, convidado por William Cornwallis-West, que havia conhecido em Florença, passa uma temporada em Londres. O amigo lhe põe a disposição um estúdio no centro da cidade, frequentado pela alta sociedade. No final do ano, volta para Florença e, no ano seguinte, se muda para Paris. La conhece a modelo Berthe, com quem passa a morar. Um dos maiores marchands de Paris, Goupil, o contrata como pintor. Para ele já trabalhavam Mariano Fortuny (leia aqui) e Ernest Meissonier, além de dois outros italianos, Giuseppe Palizzi e Giuseppe De Nittis. Boldini pinta uma série de quadros.

Em 1874, expõe com muito êxito no Salão de Paris seu quadro “As lavadeiras”. Termina seu caso com Berthe e começa a se relacionar com a condessa Gabrielle de Rasty, de quem expõe um retrato no Salão de 1875. Em 1874 ainda, sua mãe morre e ele volta brevemente à Ferrara. Em 1876, faz uma viagem à Alemanha aonde conhece e faz um retrato do grande pintor alemão Adolph von Menzel (leia mais sobre ele aqui). Passando pela Holanda, viu de perto as obras de Frans Hals (mais aqui).


Nessa fase de sua vida, Boldini já era muito solicitado como pintor de retratos. Em 1886, faz um retrato do compositor italiano Giuseppe Verdi, em óleo sobre tela. Dará esse retrato pessoalmente a Verdi sete anos depois em Milão. Mas, ainda insatisfeito com o resultado, faz um segundo retrato de Verdi em pastel, em apenas 5 horas. Este segundo, guardou-o consigo e o apresentou na Exposição Universal de Paris em 1889 e em 1897 participou com ele da I Bienal de Veneza. Em 1918, doou este trabalho à Galeria de Arte Moderna de Roma.


Retrato de Giuseppe Verdi,
Boldini, pastel sobre papel, 1886
Resolveu aumentar o tamanho de suas telas, por sugestão do pintor sueco Anders Zorn, a quem tinha conhecido em 1890 (leia sobre Zorn aqui).

Na primavera de 1900 ficou hospedado na casa da família Florio, em Palermo, Itália, para pintar o retrato da senhora Donna Franca. Esta pintura não agradou a seu marido, por causa do amplo decote e das pernas descobertas um pouco abaixo dos joelhos. Boldini adaptou-o ao gosto do marido. Esse quadro foi vendido em 1928 pela enorme soma de um milhão de liras. Anos depois foi roubado pelos ocupantes nazistas em Paris e levado para a Alemanha, onde sofreu sérios danos. Restauradores foram obrigados a cortar a parte inferior do quadro, porque estava totalmente destruída.

Quando começou a I Guerra Mundial, ele se muda para Nice - na Riviera francesa - junto com sua modelo Lina. Permanece lá até 1918, retornando a Paris. Já enfermo e com a visão debilitada, casa-se com Emilia Cardona em 29 de outubro de 1929, mas morreu dois anos depois, no dia 11 de janeiro de 1931. Tinha 89 anos de idade. Seus restos mortais foram trasladados à Itália, onde descansam junto com os de sua família, no cemitério de Ferrara.


Retrato de Adolph von Menzel, Boldini, óleo sobre tela
Após o banho, Boldini, óleo sobre tela
Rosa no vaso, Boldini, óleo sobre tela
Portrait of the Countess de Martel de Janville, Boldini, óleo sobre tela, 1894
Madame Rejane e seu cão, Boldini, óleo sobre tela, 1885

Homem na igreja, Boldini, aquarela, 1900
Retrato de um jovem, Boldini, óleo sobre tela
Retrato do artista Ernest Ange Duez, Boldini, óleo sobre tela
Ilha de San Giorgio em Veneza, Boldini, óleo sobre tela, 1872
John Lewis Brown com esposa e filha, Boldini, óleo sobre tela, 1890
Atravessando a rua, Boldini, óleo sobre tela, 1873-75