quinta-feira, 30 de junho de 2016

Como se faz um artista?

"A criação de Adão", Michelangelo, 280 x 570 cm, 1508-12, teto da Capela Sixtina, Roma, Itália
Nossa civilização ocidental foi enriquecida com obras de arte maravilhosas, que nos inspiram e elevam. Ticiano, Caravaggio, Velázquez, Sorolla, Vermeer, Rembrandt, Anders Zorn, Ilya Repin, Sargent e tantos outros mestres, nos brindam com os  mais altos padrões de excelência alcançado em sua arte. Podemos dizer que alcançaram, através de seu esforço pessoal, a mais alta qualidade possível! Os pintores que se seguiam estudavam os anteriores, e a qualidade se mantinha, muitas vezes ultrapassando a geração anterior.

Estudo sobre desenho de Silverman, Mazé Leite
Mas o que faz de um mestre um mestre? Pode ter certeza que a receita principal são horas diárias de estudo, de pesquisa, de treino, de exercício. É estudar os grandes pintores e suas grandes pinturas. É conhecer o tempo em que se vive. É fazer da sua arte o seu ofício, é se tornar artesão, pensador, interpretador da realidade, criador. Para isso, não há atalho algum que nos permita dar um salto direto para alta qualidade a não ser dispensando muito tempo de nossas vidas a conhecer o mais profundamente possível os instrumentos de que precisamos para nos expressar.

Por isso, eu, meu ateliê e muitos outros artistas contemporâneos, insistimos em seguir este caminho. Em nosso caso significa desenhar, pintar, desenhar… e pintar. Estudar os instrumentos, saber das potencialidades de cada material, estudar a cor, a luz, os valores, as massas, as tintas, a combinação de temperaturas de cor, os pincéis, os mediuns, os carvões, os grafites, os papeis, as telas.

Na música, esta é uma prática absolutamente indispensável. Não se pode dominar um instrumento sem diariamente abraçá-lo algumas horas, estudando-o. Isto é questão incontestável entre os músicos. E por que não entre os artistas plásticos? Porque desde que se inventou que a expressão pessoal é “natural” e que não requer domínio técnico nenhum, rebaixou-se o valor do treinamento! Numa sociedade altamente individualizada como a nossa, é quase uma apostasia se dizer que não existe expressão pessoal sem domínio técnico. Quando é exatamente o contrário: o grau da minha expressão pessoal está diretamente vinculado ao conhecimento técnico que me permitiu adquirir repertórios de criação.

Estudo para pintura "O clown", Mazé Leite
O conhecimento técnico vem do exercício e da familiaridade que se vai adquirindo aos poucos com os instrumentos de trabalho. Para isso, se requer esforço, físico e mental.

Físico, porque há o gasto de energia do corpo. Esforço mental porque a mente tem que estar absolutamente focada. Conta-se que o violinista Nathan Milstein perguntou uma vez ao seu professor Leopold Auer quantas horas por dia ele deveria praticar. Auer respondeu dizendo: “Pratique com seus dedos e você precisará do dia inteiro. Pratique com sua mente e terá feito o mesmo tanto em uma hora e meia”.

A atitude de quem caminha os caminhos da arte é de se submeter a uma prática deliberada de estudo, o que significa estar focado no momento em que se estuda, em que se exercita. Focado nos conceitos, nos materiais, no ato de desenhar/pintar. Em nosso caso, no conceito das massas, do movimento da luz, no ritmo, na composição… A prática deliberada do desenho é uma atividade sistemática e altamente estruturada. Ao invés da tentativa e erro desatenta, é um processo ativo e profundo de experimentação com foco nos conceitos. Ela é um processo lento, que envolve esforço, que é cansativa, pois exige de nós uma quantidade grande de energia para manter a atenção completa na tarefa.

Estudo, Mazé Leite
Mas os ganhos são imensos! Na minha experiência pessoal, que venho mantendo há 8 anos o foco numa linha de pensamento pictórica, meus avanços neste tempo são impressionantes, mesmo que eu saiba o quanto ainda tenho a me aperfeiçoar! Muitas vezes acontece de terminar um desenho e ver que ele não está saindo do jeito que quero, mas isso só significa que preciso praticar mais. Sempre desenhei, desde criança, com alguns longos intervalos em que tive que parar. Mas meus avanços verdadeiros vieram desde que iniciei meus estudos com um professor (Maurício Takiguthi) que ensina a desenhar dentro de um conceito e não de forma aleatória. É desenho, mas desenho que não segue a forma, não se prende no detalhe, mas no movimento das linhas e massas. Desta forma eu também ensino a meus alunos no Ateliê Contraponto.

Há um mito que se espalhou pela sociedade: somente são possíveis de aprender a desenhar aquelas pessoas que nasceram com o “dom”, como algo vindo de Deus, o doador de dons… Mas desfazendo esse mito, na prática acontece que qualquer pessoa com um mínimo de inteligência é capaz de aprender a desenhar! Qualquer pessoa, repito. Se a pessoa consegue aprender a escrever, também consegue aprender a desenhar. Simples assim…

Os dois lados do cérebro

Há décadas, neurologistas pesquisam as diferenças entre os dois hemisférios do nosso cérebro, o esquerdo e o direito. Vou forçar aqui uma simplificação sobre a imensa complexidade do nosso cérebro (até porque precisaria de muito espaço aqui para aprofundar este assunto, o que não é o caso), mas a ideia básica é que a pesquisa neurológica diz que os hemisférios esquerdo e direito funcionam de forma independente um do outro: o lado esquerdo do cérebro é associado à lógica, à racionalidade, ao pensamento linear, à análise, à crítica, às regras, aos detalhes, ao planejamento e ao julgamento. Por seu turno, o lado direito do cérebro está associado à intuição, a sons, a imagens, a padrões de entrada cinestésica ou sensorial, às emoções, à "grande figura" (o todo), à associação livre e à criatividade.

Com base nesta informação, o modo de “pensar” (hemisfério esquerdo) parece mais propício para desenhar e pintar?

Criolo, Mazé Leite
Experimente desenhar inundado pela racionalidade do seu lado esquerdo do cérebro com toda sua capacidade analítica... Você pode até conseguir seu desenho, mas ele irá mostrar de que ponto de vista você partiu. Se você está desenhando um olho, sua mente crítica vai dizendo o tempo inteiro em que direção tem que ir pra ser um olho. Agora tente desenhar a partir do lado direito de seu cérebro: não importa se é um olho, uma casa, um animal, uma pedra: você verá as relações espaciais, os movimentos e direção de linhas e massas, os efeitos da luz. O resultado final será um olho, uma casa, uma pedra. Mas não importa muito o ponto de chegada, o processo é que é altamente importante! E, como resultado, compare os dois desenhos e responda: qual deles parece mais elegante, mais vivo, mais solto, com mais movimento?

O lado direito do cérebro nos faz funcionar em “fluxo”, percebendo o todo, mergulhando nas infinitas questões que vão surgindo ao longo do aperfeiçoamento como um campo de conhecimento novo que vai se abrindo na medida em que avançamos. “Aprender a desenhar é aprender a ver”, diz Beth Edwards, autora do livro “Desenhando com o lado direito do cérebro”, livro que nos inspira neste caminho.

Menino imigrante, Mazé Leite
Enquanto pratica, tente manter-se centrado no lado direito, evitando pensamentos que distraiam, mantendo o foco. Dá trabalho? Dá! Mas é assim que se consegue avançar. Não se preocupe com o resultado final: ele virá ao final do processo. O que importa é o caminho e não o objetivo final. Em geral, pessoas muito ansiosas precisam fazer um esforço imenso para se focar no processo e esquecer o resultado. Querem chegar lá de qualquer jeito e com isso atrapalham/atropelam o processo. Mas não existe atalho algum para se chegar lá! Há que se caminhar, um passo de cada vez, para alcançar o que se pretende. Mas o estudante que se mantém focado no processo é exatamente aquele que dará saltos de qualidade que podem parecer “mágicos”, que pode parecer que o cara tem o “dom”, que é mais “talentoso” e essas coisas que costumamos ouvir das pessoas leigas. Não há mágica! Se o artista é bom, ele sabe o quanto caminhou para chegar até ali! Ele sabe todo o empenho envolvido para alcançar um bom resultado!

É muito melhor curtir o processo, o caminho que se percorre em um desenho. Porque o trabalho final mostrará exatamente se a pessoa estava com seu foco no fluxo e não no ponto final. Uma pessoa focada no fluxo mostrará um desenho com movimento, com leveza, com elegância. Outra focada no objetivo final, em geral ansiosa, mostrará um desenho mais “duro”, mais travado, com interrupções de leitura...

"Atirou por que?", Mazé Leite
Uma dica boa para começar (em especial para os mais afobados): respire profundamente algumas vezes. Isto inverte a resposta do corpo ao estresse. Quando sob estresse, respiramos mais rápido, mais superficialmente. Quando respiramos (uma meia dúzia de vezes apenas) de forma profunda, enchendo completamente o corpo com o ar, expirando-o calmamente também, ativamos o que é chamado de sistema nervoso parassimpático, que estimula o organismo a responder às situações com calma, com a desaceleração dos batimentos cardíacos, a diminuição da pressão arterial, da adrenalina. O corpo e a mente se acalmam. A tensão muscular diminui, a pessoa se sente mais centrada, o que por si só já traz mais conforto e menos ansiedade. Quando estamos em estado de muito nervosismo, estresse, cansaço, ansiedade, é quando nos prendemos ainda mais às minúcias e aos detalhes. Nada mais descartável para um bom desenho! O bom desenho é resultado da visão do todo, da relação entre as diversas partes, externas e internas.

No momento em que nos permitimos esse estado de percepção mais total das coisas, nosso estado mental está propício para realizar o seu melhor, canalizando nossa energia para um desempenho dinâmico e inspirado. Esta é a forma como usamos nossa energia mental e física a nosso favor, e não contra nós.

A chave para o desenvolvimento pessoal como artista é: disciplina, persistência no treino, foco no processo. É como estar na praia: você não pode parar o movimento das ondas, mas você pode aprender a nadar, a surfar. Isto é FLUXO, isto é processo, isto é caminhar. Como diz um velho ditado: “O caminho se constrói caminhando”...





sexta-feira, 24 de junho de 2016

Medalha de prata

Acima e à direita de mim, os quadros premiados
O XXX Salão de Artes Plásticas de Arceburgo foi aberto neste último sábado, dia 18 de junho, às 20 horas no Instituto Cultural e Histórico daquela pequena cidade do interior de Minas Gerais. Eu estava presente, pois fui uma das ganhadores dos prêmios principais, a Grande Medalha de Prata, com duas pinturas a óleo: “O clown” e “O violinista”. Viajei para lá com minhas amigas, Taïs Isensee e Virgínia Moraes. Nos hospedamos em Mococa, na casa acolhedora de Rose Souza e dona Teresa, sua mãe.

Instituto Cultural e Histórico de Arceburgo
A abertura do XXX Salão de Artes Plásticas atraiu gente de vários lugares do Brasil. Na noite de sábado, dezenas de pessoas foram participar da inauguração da exposição e ver as obras de perto. Entre elas, eu, Taïs, Virgínia e Rose. Eu estava muito feliz! Foi um pequeno-grande sinal de que meu trabalho segue seu caminho certo, recebendo esta medalha…

O prédio do Instituto Histórico e Cultural de Arceburgo é muito antigo, uma construção do começo do século XX, mas muito bem cuidada, preservada. Desde 1985 abriga o Instituto, mas inicialmente foi uma fábrica de cerveja, depois uma alfaitaria e residência. O prédio foi tombado como patrimônio cultural da pequena e linda cidade de Arceburgo.

A medalha e o certificado
Enquanto caminhava, depois da festa, nas ruas iluminadas pelo arraial de São João, festejo que atrai muita gente dos arredores, de São Paulo a Minas, meus pensamentos recuperavam lembranças do meu trabalho de pintora. E dos caminhos que me trouxeram até aqui, passando pelo Ateliê Contraponto...

O tema do palhaço me toca pessoalmente, ainda mais quando conheci a verdadeira história dos saltimbancos e dos artistas de rua da Idade Média, em especial os da Commedia dell’Arte. O clown - palavra em inglês que tem um alcance maior do verdadeiro significado para o que chamamos de palhaço - é um personagem inspirado no Pedrolino das ruas da Roma do século XVI, que se transformou em Pierrot nas ruas do interior da França. Era um personagem melancólico, triste mesmo, porque amava Colombina, que preferia Arlequim… Eu tenho uma identificação qualquer com a melancolia do palhaço, aquele que faz rir...

Há anos este quadro reinava dentro de mim… Já tinha feito uns desenhos, pensado a respeito, pintado um ensaio num retrato de um menininho, filho de um casal de amigos, a quem presenteei com uma pintura em pastel. No ano passado vi uma foto do diretor do teatro Oficina, Zé Celso Martinez Correia, em atuação. Fiquei olhando para a foto… Zé Celso… Grande diretor e ator brasileiro, cuja personalidade intriga, incomoda, provoca, desnuda, escracha… Zé Celso é um grande palhaço. Passei meses procurando um pano com losangos coloridos que me servisse na composição do quadro. Ele veio… no carnaval! Estava na casa do meu amigo Jeosafá Gonçalves, poeta e também um pouco clown, e avistei o pano! Jeosafá me deu o pano e assim que voltei pra casa montei a composição, tracei os primeiros desenhos, coloquei a cara do Zé na cara do meu palhaço, pintei, pintei, pintei… Durante várias semanas. E o resultado veio agora: medalha de prata no XXX Salão de Artes Plásticas de Arceburgo!

Rose e "O violinista"
Paralelamente ao meu amor pela pintura há o meu amor pela música. É quase impossível desenhar ou pintar sem ter alguma música como pano de fundo para meu trabalho. Dos clássicos, ouço muito Bach, Mozart e Beethoven. E, claro, Heitor Villa Lobos, em especial as Bachianas, e os arranjos para violão. Gosto muito do som do violão e nestes últimos meses tenho ouvido dois grandes violonistas em especial, Guinga e Ana Vidovic, ele brasileiro, ela croata. Outras vezes coloco um Piazolla pra tocar seu tango argentino que me transporta para dentro da dramaticidade chorosa do tango com o qual me identifico também. Mas também minhas pinturas são feitas com as composições de Tom Zé, Jorge Mautner, Caetano, Chico, Criolo, Ná Ozetti, Monica Salmaso, Maria Gadu… Tem dias em que só ouço Tom Zé. Tem dias que ouço Jorge Mautner e Criolo. Tem dias que são de Chico. Ou de Caetano e Maria Gadu. Nos dias de maior melancolia, ouço Monica Salmaso... E assim vou acariciando minhas telas com os pinceis…

Precisava pintar um músico e o primeiro foi este violinista. A luz era boa, a expressão do homem era de profundo mergulho em seu mundo. “Ele está de olhos fechados - me disse uma senhora lá em Arceburgo, admirando-o - mas eu vejo seus olhos abertos, são olhos de músico!” Fiquei feliz com a interpretação dela, agradeci. Este será o primeiro de uma série de instrumentistas que pintarei daqui pra frente. Mas só pintarei aqueles que, como o violinista, deem a impressão de que podemos ler sua alma, ou ouvir sua música… O violinista também ganhou medalha de prata!


Agora é só pintar mais e mais. Um quadro já está bem encaminhado, no cavalete. “Il fascismo” é o título provisório. Minha inspiração veio destes tempos nebulosos em que vivemos sob ameaças reais e tempos difíceis se gestando no horizonte. É uma mulher, solitária, descalça, aparentemente frágil, caminhando sob terreno pedregoso que dilaceram seus pés, sob um céu tenebroso, ameaçada pelas aves de rapina que espreitam sua fragilidade mas temem sua grande força. A ver!

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Momentos da inauguração do Salão e do recebimento da Grande Medalha de Prata:



A mesa com os componentes da organização do XXX Salão de Artes Plásticas de Arceburgo


Taïs, eu, Rose









Taïs, eu e Virgínia

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Pós-impressionismo: o triunfo da cor

"Mulher de perfil", Aristide Maillol
Os museus parisienses d’Orsay e de l’Orangerie cederam, para exposição nas dependências do Centro Cultural do Banco do Brasil, 75 obras de 32 artistas que teriam buscado um novo caminho na sua pintura, no final do século XIX e começo do século XX.

O título de “pós-impressionismo” foi dado pelo crítico inglês Roger Fry, porque teria identificado uma nova “linguagem estética” baseada no uso intenso da cor. Na verdade é um título genérico para agrupar diversas tendências estéticas que surgiam naquele período. Neste grupo de 32 artistas estão nomes que são identificados também o Impressionismo, como Van Gogh, Gauguin, Toulouse-Lautrec, Cézanne, Seurat e Matisse, mais conhecidos do público em geral.

"A italiana", Van Gogh
Sobre a curadoria desta exposição, assim como seus patrocinadores estão: Pablo Jimenez Burillo (da Fundação Mapfre), Guy Cogeval (diretor do Museu d’Orsay e de l’Orangerie) e Isabelle Cahn (conservadora do Museu d’Orsay e especialista em arte da segunda metade do século XIX), e uma parceria com o Musée d’Orsay e a Fundación Mapfre. No Brasil, a mostra conta com apoio do ex-MinC, por meio da lei de incentivo à Cultura, e patrocínio do Grupo Segurador Banco do Brasil e Mapfre, BB DTVM e Banco do Brasil. Ou seja, apoio de empresas ligadas ao mercado financeiro.

A exposição foi dividida em quatro níveis: 1 - “A ciência da cor”, que apresenta obras inspiradas nos estudos do químico Michel-Eugène Chevreul, que fez estudos sobre a teoria das cores e inspirou a pintura “pontilhista” (feitas com pequenas pinceladas de cores primárias justapostas); 2 - “Núcleo misterioso do pensamento”, que inclui obras de Paul Gaguin e Émile Bernard, onde as cores são de caráter mais simbólico, e podem ser vistos desenhos nos contornos e silhuetas, refletindo também o mundo interior do artista; 3 - “Os Nabis”, uma espécie de ideologia de um grupo de artistas que defendia que a origem da arte é espiritual e a cor transmite estados de espírito; 4 - “A cor em liberdade”, que mostra obras que se inspiram desde a região da Provence francesa à natureza tropical.

Esta exposição oferece ao público brasileiro a oportunidade de ver de perto alguns dos nomes mais conhecidos da arte francesa do século XIX como Van Gogh, Gauguin, Toulouse-Lautrec, Matisse, Cézanne. Mas também estão lá pintores como Georges Seurat, Paul Signac, Pierre Bonnard, Édouard Vuillard, André Derain, Charles Angrand, Georges Lemmen e Félix Vallotton.

"Fritillaires", Van Gogh
Esta exposição mostra como a cor se converteu em “um caminho” que se iniciou com o Impressionismo e continuou até à chamada pintura de vanguarda, caminho este que também desaguou nos diversos “ismos” em que foram enquadrados movimentos estéticos do século XX. Com o surgimento e desenvolvimento da fotografia no século XIX, os pintores se sentiram mais “livres” para fazer suas próprias pesquisas particulares. Até então, uma das grandes funções da pintura era retratar figuras importantes das classes dominantes, mas também pessoas das relações pessoais dos artistas, ou mesmo daqueles que tinham condições de encomendar um retrato a um pintor. Com a máquina fotográfica, esta função transferiu-se para o estúdio dos fotógrafos. Mesmo assim geniais retratistas, como John Singer Sargent, continuaram pintando grandes retratos.

Naquele mesmo século XIX, o pintor francês Gustave Courbet inaugurou uma exposição, em 1855, que denominou: “Du Réalisme”, iniciando um movimento que defendia um “maior espírito científico do homem europeu no conhecimento e interpretação da natureza”, como observa o historiador brasileiro Carlos Cavalcanti. “O realismo reagia ao idealismo neoclássico, ao mesmo tempo que também era contrário à “exacerbação emocional do romantismo”. O movimento Impressionista derivou diretamente do Realismo, na visão de diversos autores, indluindo o próprio Cavalcante. Gustave Courbet e Édouard Manet, que se impuseram contra a arte oficial da Academia francesa, abriram espaços para os novos pintores que os novos tempos estavam trazendo.

"Colheita em campo de trigo",
Émile Bernard
O Impressionismo teve seu início em 1874, em Paris. Um grupo de pintores jovens resolveu também se organizar contra as regras da Academia que os impedia de participar das exposições do Salão de Paris. Naquela época, o Salão de Paris era praticamente o único espaço onde os pintores poderiam expor suas obras e encontrar reconhecimento público na França. Mas era controlado rigorosamente pelos membros da Escola de Belas-Artes que defendiam o estilo neoclássico com unhas e dentes. Por isso, esses novos pintores eram sistematicamente recusados pelos organizadores e viviam em grande isolamento do público. Entre eles estavam, além de Courbet e Manet: Auguste Renoir, Edgard Degas, Camille Pissarro, Paul Cézanne, Alfred Sisley, Claude Monet e a artista Berthe Morissot.

Estes artistas em exposição aqui no Brasil, no CCBB, derivam desta movimentação estética, e até mesmo ideológica, que ocorreu em Paris pós-Revolução Francesa e pós-Revolução Industrial. As artes plásticas do século XX se ramificaram em dezenas de “ismos”, alguns com curta duração e alguns submetidos às diversas conjunturas políticas daquele século. Foram momentos de intensa efervescência criativa, quando eventos muito importantes na história da arte se deram; mas ao mesmo tempo se criou um distanciamento da realidade, que já não era a grande referência, mas sim os mundos interiores dos sujeitos individuais. O desenho se “desconstruiu”, a Luz perdeu lugar para a Cor, o estudo intenso do artista perdeu lugar para a “expressão pessoal” sem critério.

A mostra ficará em cartaz em São Paulo até o dia 7 de julho, e segue depois para o CCBB-Rio de Janeiro onde poderá ser vista de 20 de julho a 17 de outubro.

"A casa", Léo Gausson
"Mulheres de Taiti", Gauguin
"A praia de Heist", Georges Lemmen