sábado, 30 de maio de 2015

Alhambra

Vista de parte da cidade de Granada, a partir da Alhambra
Alhambra parece um lugar onde o tempo nos captura para dentro do seu espaço.

Vista interna de um dos pátios
de um dos palácios nazaríes
Olhada de um certo ângulo, vemos ao fundo a montanha conhecida como Sierra Nevada, com neve nos cumes mesmo nesta época do ano. Isto reforça ainda mais essa sensação de estarmos em um lugar que parece suspenso no tempo-espaço.

Parece que de repente pode surgir, lá dentro, o sultão que ouvia as estórias de Sheerazade que todos nós ouvimos ou lemos em algum momento de nossas vidas. Simbad, o marujo, sempre foi uma das minhas preferidas, junto com a de Aladim e a lâmpada maravilhosa.

Pode parecer também uma ida à própria Idade Média, com suas muralhas, seus castelos, suas guerras. Pode mostrar, por outro lado, a infinita guerra santa entre cristãos e muçulmanos, se alternando como dominadores de amplas terras. Aí incluímos também os judeus, pois daqui da Alhambra se avista a judería, bairro judeu que sempre tem em cidades como Granada, Córdoba, Sevilha, Toledo.

Um dos inúmeros jardins
Interessante esta disputa milenar entre os filhos de Abraão. As três religiões têm como origem este velho patriarca que teria feito uma aliança com Deus. São irmãs, portanto. Só que não. São inimigas desde que algum membro de alguma delas se julgue representante legítimo de Deus na terra. Aí a guerra começa, e o vale-tudo: assassinatos, sequestros, estupros, torturas, massacres de povos, batalhas, guerras, terrorismo. Em nome de Deus.

Mas a Alhambra de Granada podem ser também a síntese preciosa da mais bela cultura árabe e do quanto este povo deixou de riqueza para o mundo, em todos os sentidos, na ciência, na música, na poesia, na arquitetura, na culinária, no artesanato, na geometria, na filosofia... São tantos os campos em que os povos árabes se destacaram que fica muito difícil imaginar nossa cultura ocidental sem sua influência e sua rica contribuição.

Detalhe interno
Mas caminhando por entre tanta beleza dentro dos palácios nazaríes, que parecem jóias preciosas, não posso deixar de pensar também em todo o sangue derramado aqui dentro nestas eternas disputas pelo poder material e espiritual. Mas penso também que podem ter havido ardentes casos de amor, e que de tão apaixonado algum sultão resolveu contratar o melhor artesão do reino para enfeitar estes salões e fazer tetos para estas salas e quartos como não existem na face da terra... São indescritíveis! Não há palavras para descrever a beleza da Alhambra. Qualquer coisa que eu continuar dizendo, será muito pobre.

Por isso vou falar da minha praia. Vou falar do pintor espanhol Joaquín Sorolla que esteve aqui exatamente no ponto onde eu me encontrei, num dos jardins internos. Fiquei lá no mesmo lugar que ele tentando olhar o que ele via. Deste ponto exato, ele fez uma pintura.

Joaquín Sorolla nasceu em Valencia, em 1863 e faleceu em Madrid, em 1923. A primeira vez que ele visitou a Alhambra foi em 1909. Ele também, como qualquer pessoa, se encantou com estes lugares, alguns construídos com mármore e gesso. Adorou os jardins, as construções, a luz deste lugar. Tanto que viajou para lá mais duas vezes, em 1910 e em 1917.
Pintura de Joaquín Sorolla do pátio interno de um dos palácios

A partir destas visitas, Sorolla pintou repetidamente diversos espaços e jardins, como a Torre dos Sete Picos, o pátio de Arrayanes, o jardim de Daraxa, entre outros. Quando chegar em São Paulo irei colocar aqui algumas destas imagens, o que não consigo fazer do meu tablet.

O pátio que vi, com céu nublado e chuvoso
Pois bem, em 2012 foi feita uma exposição no Museu de Belas Artes de Granada, que conheci e que fica dentro da Alhambra, das obras de Sorolla sobre este lugar. A mostra teve como título "Jardins de luz".

Foram cerca de 50 obras de Joaquín Sorolla, o que dá pra ter uma ideia de quanto este lugar o encantou. Alhambra é mesmo lugar de encantamento. Dizem que Sorolla ficou tão fascinado com a beleza dos jardins islâmicos de Alhambra, que resolveu recriá-los um pouco nos jardins de sua casa, onde estive semana passada.

Mas aqui em Granada morou o também pintor espanhol, considerado um dos melhores do século XIX, Mariano Fortuny. Ele nasceu em Reus, na Catalunia, em 1838, e morreu em Roma em 1874.

Fortuny também fez diversos quadros sobre a Alhambra e sobre Granada. Ele também foi um dos gênios que marcaram toda uma geração de excelentes pintores. Suas pinceladas livres buscavam a luz e seus movimentos. Ele também deve ter estudado atentamente as belas cenas que os jardins, pátios e construções da Alhambra inspiram.














Dentro do palácio onde hoje está o Museu de Belas Artes de Granada




sexta-feira, 29 de maio de 2015

Só em Sevilha

Vista de parte da cidade de Sevilha, com o rio Guadalquivir
Minha última noite em Sevilla, após descansar da visita e das emoções do dia, foi passear pelas ruelinhas do casco antiguo, como se fala por aqui. E ver a noite chegar, trazendo aquela meia lua que aparece de lado contrário no meu Brasil, espelhada.

Sevilla nunca mais sairá do meu coração! Foram cinco dias muito intensos aqui e a viagem poderia terminar hoje, 27 de maio, porque já encontrei a resposta que vim procurar nesta viagem. E Sevilla me deu-a! Agora preciso trabalhar! Pintar!

Caminhei até cansar pelo labirinto das ruas estreitas e belas. Passei de novo pela Calle de la Góngora, onde se diz que nasceu e cresceu Velázquez, pra agradecer e me despedir. A noite começava a descer sobre a cidade, e as pessoas jantavam nos restaurantes pequenos em cantos de pequenas praças. De repente, um som me chamou a atenção, uma voz feminina cantando uma música que eu conhecia. Andei naquela direção e vi um casal jovem cantando... samba! Samba! "Tire o seu sorriso do caminho, que eu quero passar com a minha dor, se hoje pra você eu sou espinho, espinho não machuca a flor..." Parei, sorrindo, ouvindo, cantando junto. Quando terminaram, me aproximei e perguntei de onde eles eram, porque não eram brasileiros! Eram italianos, viveram na Bahia, adoram samba e agora cantam samba pelo mundo! Depositei dois euros na caixinha deles e segui meu percurso.

Vista da torre Giralda de dentro do
pátio do Alcazar
Sentei-me um pouco no parque do bairro Santa Cruz, o Jardim de Murillo (em homenagem a Sebastian Murillo, um dos pintores locais). Minha alma não cabia dentro do meu corpo. Uma felicidade imensa tinha tomado conta de mim e o samba foi só um pequeño regalo da vida. As coisas já vinham se delineando quando eu fui ao Museu do Prado, semana passada, me sentindo doente, corpo moído, amigdalite se instalando. Mas tinha parado diante de algumas pinturas que me trouxeram novas informações. Incrível como a cada vez que vamos a estes grandes museus e vemos estas grandes obras, um olhar novo surge! Por isso não posso deixar de viajar! Cada vez a gente se aprofunda mais!

Eu tinha visto lá um certo tratamento para as áreas de sombra com valor intenso, alguns até bem saturados. Nada de terras, opacidades. Apenas tratamento com os valores das cores, variação das temperaturas, etc. Bom, isto eu já sabia, mas as variações possíveis destes conceitos são infinitas! No museu Sorolla de novo me impressionou sua luz, como já falei.

Mas vir para Sevilla, ver esta luz que brilha aqui...! Posso arriscar em dizer que há muita semelhança de luminosidade entre a Andaluzia e o Brasil! O sol brilha! No verão, aqui faz 40 graus! As cores estouram nas fotos! As casas, as ruas, as pessoas, o rio Guadalquivir, os barcos... Tudo em valor alto!

Velázquez! Velázquez!... Sorolla! Sorolla!...

Mas eles são tão diferentes! Mas eles são tão iguais!

Depois que voltar a Madrid, neste sábado, volto ao Museu do Prado para rever o que vi e terminar de entender o que comecei. Ficarei lá o tempo que precisar para registrar o que for possível agora.

Como dormir depois deste dia? Quase não dormi! As idéias estavam dançando dentro do meu cérebro. E ainda tinha que acordar às cinco para pegar o trem às 6:40 na estação, em direção a Granada. Em direção à Alhambra de Granada.

Luciano, um amigo do Brasil, tinha me lembrado que em Sevilla viveu mais de dez anos meu conterrâneo, poeta e diplomata João Cabral de Melo Neto. João Cabral escreveu dois livros de poesia sobre Sevilla. Um verso de uma delas resume tudo o que passei aqui:

"Só em Sevilha o corpo está
com todos os sentidos em riste,
sentidos que nem se sabia,
antes de andá-la, que existisse."