sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Sol da minha vida

"Por do sol em Mont Majour", Van Gogh, 1888
Tem dias que a melhor coisa do mundo é um bom poema! Há uns 25 anos atrás uma amiga me deu de presente um poema de Maiakovski, este que publico abaixo. O poema iluminou minha alma então... Hoje, sem sol em São Paulo, nada melhor do que chamar o Sol para iluminar o dia:


"A aventura insólita que viveu V. Maiakóvski quando de sua estada na Datcha"


"Semeador ao sol", Van Gogh
O ocaso ardia em cento e quarenta sóis.
Em julho deslizava o verão,
fazia calor,
o calor ardia.
Assim era na datcha.

A colina de Púchkin acorcundava-se
na montanha de Akulov,
e ao pé da montanha
havia uma aldeia,
encurvada de tetos de cortiça.
E atrás da aldeia
havia um buraco,
e para esse buraco, com certeza,
descia o sol, toda vez,
lentamente e fielmente.


E no dia seguinte
de novo
a inundar o mundo
erguia-se o sol escarlate.


E dia após dia a enfurecer-me terrivelmente
isso começou.

E assim uma vez enfureci-me tanto
que tudo desbotou de medo,
à queima-roupa eu gritei ao sol:

- "Desce!
chega de vadiar nesse calor tórrido!"
Eu gritei ao sol: - "Parasita!
Tu estás aconchegado nas nuvens,
mas aqui, sem saber quando é verão e quando é inverno
é um tal de 'senta! desenha cartazes!’"
-  "Ouve, testa de ouro,
que tal deixar os negócios de lado
e vir tomar um chá comigo?"


O que eu inventei! Estou perdido!
Para mim, de boa vontade,
ele mesmo,
abrindo seus largos passos-raios
vem à terra.

"Girassois no vaso", Van Gogh
Quero não mostrar meu susto
e dou uns passos para trás.
Seus olhos já estão no jardim.
Já está atravessando o jardim.
Pelos postigos, pelas portas,
pelas frestas entrando,
a massa do sol desaba,
irrompe;
reconduzindo o fôlego
disse com voz de baixo:

- "Eu rechaço meus fogos
pela primeira vez desde a criação.
Tu me chamaste? Manda vir o chá,
poeta, manda vir a geleia!"


Com lágrimas nos olhos devido ao calor
eu perdi a cabeça
e disse a ele – olhando para o samovar:
- "E então, astro, senta!"

O diabo atiçou minha ousadia
a gritar com ele, – e eu, confuso,
sentei no cantinho do banco
com medo que a coisa fosse piorar.
Mas uma estranha claridade do sol
emanou – e esquecendo
qualquer solenidade, sento a falar
com o Astro calmamente.


Disso, daquilo, falo eu,
de como a Rosta me comeu a mordidas.
E o Sol: - "Bem, não te aflijas,
olha para as coisas simplesmente!
Ou pensas que é fácil para mim brilhar? Vamos, experimenta!
E aí vais – é preciso ir,
vais e brilhas, ao mesmo tempo!"


"Vamos, poeta,
vamos raiar, vamos cantar
no mundo de trastes cinzentos.
Eu, Sol, verterei o que é meu,
e tu, o que é teu, os versos".


A parede das trevas,
a prisão da noite,
sob o sol caíram, ambas,
de versos e  luzes uma profusão
brilha a toda!


Brilhar sempre,
brilhar em toda a parte,
até ao dia em que a fonte da vida se esgote,
brilhar –
e é tudo!
É o nosso lema – meu e do sol!


Menina à beira mar, de Joaquín Sorolla

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