segunda-feira, 26 de maio de 2014

O ofício da Arte II

O violino de Ingres, autor desconhecido, século XIX

Em maio de 1989 a editora Parsifal Ediciones, da Espanha, publicou pela primeira vez em língua espanhola o livro “El mensaje de Igor Strawinsky”, escrito por Théodore Stravinsky, filho do compositor russo.

Este livro me veio às mãos num momento em que o tema do ofício diário do artista tem surgido em conversas com o pintor Maurício Takiguthi, um dos maiores defensores do exercício diário do trabalho do pintor, do desenhista. Concordo completamente com ele: muitos mestres, de todas as áreas das artes, já apontaram que o resultado de seu trabalho - sua obra de arte - deve-se a infindáveis estudos, dias e anos a fio. Uma obra de arte não surge do dia para a noite.

Assim também encontrei neste livro do pintor Thédore Stravinsky - que fala sobre seu pai, o músico - um exemplo do artista dedicado a seu trabalho.

“A arte postula a comunhão, e compartilhar com os outros
o gozo que o artista mesmo experimenta
é para ele uma necessidade imperiosa.” 
(Igor Stravinsky)

Retrato de Igor Stravinsky, 1958
Litografia feita por Theodore Stravinsky
“A música parece a Stravinsky antes de tudo como ‘um elemento de comunhão com o próximo e com o Ser’". Assim começa o texto de Théodore, que discorre um pouco mais sobre a necessária comunicação entre o artista e o seu público. Um compositor, diz ele, tem suas aspirações próprias, suas alegrias, seus sofrimentos, suas feridas. Um artista de verdade sente necessidade natural da prática do seu ofício. Como exemplo, uma frase do próprio Stravinsky:

Para mim, a composição é uma função diária à qual me sinto chamado a cumprir. Componho porque para isso sou feito e não poderia jamais me dispensar de fazê-lo.”

Igor refletia muito sobre a questão do “tempo”. Para ele a música “é o único campo em que o homem realiza o presente…” A música, diz ele, estabelece ordem nas coisas, “uma ordem entre o homem e o tempo”. E por isso, para ele o ato de compor era sinônimo de realizar essa ordem. Mas de um tipo de ordem que nada tem em comum com “nossas sensações correntes”, pois se trata de ir a fundo na essência das coisas para arrancar dela um contraponto que possa interromper a sequência das “coisas correntes” e nos levar a um estado de espírito onde o tempo é outro, de outra natureza.

Para mim, hoje esta questão do tempo é dos temas que mais têm me tocado e que está indissoluvelmente ligado ao tema do ofício. Vivemos alucinados, na correria do cotidiano, das mil coisas a fazer. Vivemos num tempo em que o passado não conta e o futuro não existe. Já vivemos - até bem pouco tempo atrás, uns 20 anos - pensando que o futuro ia ser bom, pois nossa tradição era fértil. Os movimentos pós-modernos neoliberais nos trouxeram a este estado em que parecemos viver sempre no presente, agarrados a ele como bote salva-vidas. Mas não nos trouxe a um mergulho no “eterno presente”, no sentido não-linear da nossa noção de evolução da história, mas ao pragmatismo esquizofrênico do “fazer” coisas o tempo inteiro.

Como a arte pode trazer de volta essa “ordem entre o homem e as coisas”, de que fala Stravinsky? 

O artista precisa necessariamente - diz Théodore - experimentar ele mesmo esse contato com a essência do mundo, e do tempo. E mostrar que o que é acessório é completamente descartável quando se tem o essencial. Mas observa que esta tomada de consciência foi se elaborando em Stravinsky de forma progressiva, “como o germe de uma semente”. Para chegar a um tal estado, “Stravinsky necessitou de toda uma vida de trabalho, de experiências, de reflexões.” Numa atitude fundamental “constante”, atesta o filho do compositor russo.

Neste ponto ele propõe uma reflexão sobre forma e conteúdo:

Partitura da composição
"Pássaro de Fogo" de Stravinsky
No campo da arte “que me importam as coisas belas que quereis dizer-me (e que são espírito) se tu não encontrastes a forma adequada que possam ser assimiladas (forma que é matéria)? A imagem do homem, seu autor, toda obra de arte é ao mesmo tempo espírito e matéria, indissoluvelmente unidos em uma única entidade. Tropeçamos aqui com a eterna questão: a forma e o conteúdo. Não há forma viva sem conteúdo autêntico, e tampouco há conteúdo autêntico sem forma adequada. É uma exigência simples da nossa natureza.”

Mais à frente Theodore Stravinsky discorre sobre a atividade criado, dizendo que ela é feita sob dois signos distintos, que ele chama de “ontológicos” e “éticos”.

Nos artistas que baseiam sua atividade criadora dentro do signo da ontologia (parte da filosofia que estuda a natureza do ser, a existência, a realidade), estes concentram seus esforços na “obra a realizar”. É essa obra que vai ditar suas exigências e todos os passos que seu autor precisa dar para poder alcançá-la. E pergunta: como conceber uma obra a realizar se não for sob determinada forma? Por isso, buscar a perfeição da forma é a preocupação principal e constante dessa “família” de artistas. E completa que esses artistas fazem isso porque

“sabem muito bem que somente sob esta condição é que sua obra terá aquela completa autonomia que querem conferir-lhe.”

Quanto aos que seguem o signo da “ética” (no sentido dos valores morais, de caráter pessoal) começam seu trabalho interrogando ao seu eu, a “cujas exigências tratarão de conformar a obra a realizar.” Esse “eu” é o que rege tudo e a ele tudo deve obedecer. O critério de “sinceridade” passa a ser dominante. A obra de arte gerada aí não tem autonomia, porque se encontra marcada “com o selo do seu autor” ou como “expressão daquilo que ocorre em seu foro interno e desejada como tal pelo artista”. Os artistas desta categoria se incluem dentro daqueles que buscam o “conteúdo espiritual” de suas obras. Mas, continua Théodore, esse conteúdo “é algo muito mais profundo e somente a forma, quando alcançou sua perfeição, tem a virtude de nos fazê-la sensível; é somente ela a que, expressando-se substancialmente, nos revela ao mesmo tempo o eu profundo em que ambos - forma e conteúdo - encontraram seu nascimento simultaneamente. Quando conseguem realizar uma obra válida, uma obra-mestra têm que admitir que inconscientemente, e apesar deles mesmos, esses artistas trabalharam, na realidade, como os anteriores.”

E conclui dizendo: toda obra perfeita, seja qual seja sua etiqueta, pode ser considerada clássica. E que Stravinsky pertence, sem sombra de dúvidas à primeira categoria, pois “seu sentido ontológico da obra, seu gosto artesanal pelo ofício se desenvolvem e se comprovam nele com o passar dos anos, na medida em que vai tomando consciência de si mesmo, de sua vocação própria”.

Para Stravinsky, a inspiração se identifica com “aquela atração irresistível que experimenta pensando no objeto a realizar, no problema concreto que se propõe a resolver”.

Igor Stravinsky
Théodore exemplifica o gosto inato de seu pai pelo seu ofício e pela “obra bem feita”, mostrando um pouco como era sua sala de trabalho. “O aposento em que trabalha não tem nada a ver com o espaço de um intelectual, mas é uma verdadeira oficina; sua mesa, uma bancada. Tintas e lápis de diferentes cores aparecem junto a borrachas flexíveis ou duras, penas de todo tipo e calibre, raspadores grandes e pequenos, traçadores, réguas, papeis secantes e potes de cola”. E isso sempre chamou a atenção de todos os que se acercaram dele. O mesmo amor que ele tinha por seu ofício, diz Théodore, ele tinha pelas coisas.

Sempre se diz que uma obra de arte é reflexo em maior ou menor grau de seu autor. E isto também vale, na opinião de Théodore, para as outras artes: pintura, escultura, poesia. E opina, também como artista plástico que era: “sob pena de ir parar num esoterismo mais ou menos declarado, ou no puramente decorativo” a pintura e a escultura “deve salvaguardar (pelo menos em certa medida), seu caráter figurativo. Só ele permite realizar aquela ‘comunhão com o próximo’ que é - como vimos no caso de Stravinsky - o mais íntimo desejo de todo artista autêntico”.

O mesmo se passa com a poesia, diz ele. “É pelo sentido inteligível, racional das palavras e das frases que se estabelece a comunhão entre o poeta e o leitor; é por esse canal necessário, mas que não deixa de ser bastante diverso, que se transmite sua verdadeira mensagem poética.”

E continua: “A música, sendo como toda arte uma linguagem, expressa necessariamente algo; da mesma maneira que uma linguagem, uma arte inexpressiva é inconcebível”. Mas para que não se confundam os que contra-argumentam mostrando que o debate forma-conteúdo é morto, a obra de arte, seja ela música, poesia ou pintura expressa “algo essencialmente inefável”. Os longos textos que se escrevem para “explicar” determinadas obras jamais poderão suprir a falta de sentido e de qualidade estética, seja musical, poético, imagético. 

Concluindo esse primeiro capítulo do livro, entre os escolhidos para comentar aqui, transcrevo a frase de André Gide, que Theodore Stravinsky colocou como abertura do capítulo de que trata da evolução do músico:

Foi retendo e restaurando a tradição quando esta se estava extraviando, que Poussin pode parecer a Delacroix saudavelmente revolucionário”.

(Nicolas Poussin foi um pintor francês que morreu em Roma em 1665 e sempre foi um ferrenho defensor do classicismo na pintura. Do outro lado, Eugène Delacroix, outro pintor francês que viveu no século XIX, foi um dos maiores artistas do movimento romântico e realista.)

terça-feira, 13 de maio de 2014

O ofício da arte I

Igor Stravinsky, Mazé Leite
carvão sobre papel canson, 13 de maio de 2014
Igor Stravinsky cruzou meu caminho nestes últimos tempos.


Primeiro sketch
Primeiro, através de uma fotografia em preto e branco. Eu procurava referências para desenhar e entre diversas fotos estava um homem já idoso, de olhar triste e um tanto cansado. Fiz um primeiro desenho dele a lápis. Uns dias depois, a foto volta a aparecer de vez em quando em minhas mãos e me intrigar. Fui ouvir sua música, para entender aquele olhar.


Comecei com a "Sagração da Primavera", que ele fez em 1913 e que foi coreografado por um dos melhores bailarinos russos de todos os tempos: Vaslav Nijinski. Depois ouvi "Pássaro de Fogo", "Canção do Rouxinol"… E fui viajar para Montevideu.


No Teatro Solís, enquanto aguardava a hora para ouvir a palestra de John Maxwell Coetzee, fiquei um tempo na pequena livraria do teatro, fuçando os títulos. Cai nas minhas mãos o livro “El mensaje de Igor Strawinsky”, escrito por seu filho o pintor Théodore Stravinsky. Muita coincidência… Folheei o livro, comprei o livro e no dia seguinte comecei a lê-lo avidamente.


Ultimamente há um tema que vem me encucando e cruzando meus pensamentos: o tempo. Stravinsky apareceu nesse meio tempo… Vamos buscar os pontos de união.


O bailarino Nijinski no papel de
Petruska, balé de Stravinsky
Já encontrei logo de cara um frase sua que dizia que a música, para ele, estava “destinada a instituir uma ordem nas coisas, e essa ordem compreende sobretudo uma ordem entre o homem e o tempo”. Pois é…


Entre a música e a pintura há inúmeros pontos em comum, inclusive vários termos, como cromatismo, contraponto, ritmo. Claro que uma pintura é algo que se constrói com as mãos, pinceis e tintas e seu resultado final é feito para ver. A música se faz com as mãos, compondo ou tocando um instrumento, e é feita para ouvir. Alguns ousam buscar relações entre esses dois instrumentos humanos de percepção, podendo “ouvir” algo em uma pintura ou “ver” alguma imagem ao ouvir uma música. Mas não vamos entrar por aí, por enquanto.

O objetivo deste e do próximo post é falar do livro que comprei em Montevideu, o “El mensaje de Igor Strawinsky”.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Vento sul

Coetzee é triste. 

Eu fui vê-lo na segunda, aqui em Montevideo, prêmio nobel que é, escritor grande que é. Mas ele não riu; Coetzee não sabe rir, eu acho. 

Não riu quando a mulher negra, embaixadora da África do Sul, leu a imensa lista de títulos que ele recebeu.

Não riu quando o ministro da Educação e Cultura do Uruguay lhe entregou uma medalha e nem fez nenhum movimento facial quando a "intendenta" (a prefeita) de Montevideo lhe entregou a medalha de visitante ilustre.

Não riu quando recebeu palmas do público; nem na entrada, nem na saída.

Coetzee é triste.

Passei toda a semana com a tristeza de Coetzee refletida em meu coração. Hoje é sexta e a tristeza de Coetzee também virou minha tristeza.

Fazem 5 dias que estou por aqui pelas terras uruguaias. Conheci Montevideo e Colonia del Sacramento. Andei 3 horas de ônibus entre as duas cidades, ida e volta. Eu vi em Colonia as marcas das lutas entre espanhois e portugueses pela posse da cidade e das terras. E das vidas das gentes que viviam au bord do Rio de la Plata...


O Uruguai é triste; assim como a Argentina; assim como o Brasil. O samba é triste, o tango é triste...

Somos povos formados por povos que vieram de suas terras porque estavam pobres, desempregados ou ameaçados pelas guerras. Portugueses, espanhois, italianos, alemães, franceses, armênios, outros. Os índios que cá estavam foram dizimados. Os africanos que para cá vieram, foram sequestrados de seus países, de suas aldeias.

Acho que Coetzee sabe disso. E por isso também ficou triste.

Penso nisso neste fim de tarde frio à beira do Rio de la Plata. O vento sul açoita as águas e meus cabelos. Mas meus pensamentos não param de pensar o quanto Coetzee é triste! 


Robert Walser
Ontem comprei e comecei a ler "O ajudante" de outro ser ainda mais triste que Coetzee, que indicou: Robert Walser. Robert Walser foi internado num manicômio e parou de escrever. Na Suiça, seu país. Perguntaram por quê. Ele respondeu: estou aqui para ser louco, não para escrever. Coetzee que contou... E contou que Walser morreu congelado na neve, com 65 anos. Um cara que não se encontrava; um outsider do mundo; um que fugiu de sua terra pra ser gente lá fora. E eu que fugi da minha terra...

Acho que eu também sou triste, como o Coetzee e como o Walser. E como o Brasil e o Uruguai, e a América Latina...

Há uns anos, numa outra tristeza à beira-mar, escrevi isso aqui que renasce de novo nas movimentações congelantes deste outro vento sul do sul...

Vento Sul

O céu é cinza e o vento é sul
e o mar murmura remotas canções
em ondas que me aquecem
neste entardecer tão frio...

O vento fustiga as aves
escondidas pelos rochedos,
encolhidas, no cais resistente
ao vento e às ondas.

Bandeiras desfraldadas se enfurecem
ao sopro atroz desse vento sul,
como meu pequeno barco entre o mar e o céu
à deriva entre rajadas e espumas.

Sons diversos são tangidos pelo vento:
sonoridades marinhas, aquáticas, oceânicas
me invadem e em meu coração formam acordes
nas cordas daquele violão...

O mar é cinza, o céu é cinza e o vento é sul
e eu mergulho nessas ondas espumantes
volto ao vento, à minha torre, à espreita
daquela primeira estrela

que virá, apesar do gris do céu
do gris do mar
e do vento sul...



quinta-feira, 8 de maio de 2014

Portinari no Grand Palais de Paris

O díptico "Guerra e Paz", pintado por Portinari e presenteado pelo governo brasileiro à ONU
No último dia 6 de maio os dois paineis “Guerra e Paz” pintados pelo artista brasileiro Candido Portinari foram inaugurados em exposição no Grand Palais de Paris e poderão ser vistos pelo público francês e europeu pela primeira vez.
Cartaz do Grand Palais
A exposição desta obra-prima do pintor brasileiro em Paris tem a curadoria do seu filho João Candido Portinari, que dirige o Projeto Portinari, que inclui a catalogação de toda a obra do pai, assim como o arquivo de documentos importantes relativos à vida desse grande artista brasileiro. Candido Portinari - lembra a apresentação no Grand Palais - "fez suas as palavras de Léon Tolstoi: 'Se queres ser universal, começa pintando a tua aldeia".
Guerra e Paz” de Candido Portinari (1903-1962), um dos mais importantes pintores do Brasil, foi ofertado pelo governo brasileiro às Nações Unidas e instalado no hall de entrada da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, em 1957.
Pela primeira vez em mais de meio século os dois paineis que formam “Guerra e Paz” saíram do prédio da ONU e, depois de terem sido apresentados no Brasil, poderão ser vistos no Grand Palais de Paris, França, antes de retornar definitivamente para seu local no prédio das Nações Unidas. Aqui em São Paulo, em 2012 foi visto por mais de 600 mil pessoas no Memorial da América Latina.
Esta exposição em Paris está sendo organizada pelo Projeto Portinari, com apoio dos Ministério das Relações Exteriores e Ministério da Cultura do Brasil em conjunto com o Ministério da Cultura e Comunicação da França e da Réunion des Musées Nationaux – Grand Palais, com a coordenação de Expomus.
Os painéis “Guerra e Paz” poderão ser vistos pelo público francês de 7 de maio a 9 de junho de 2014, no Grand Palais, Salon d’Honneur.
Mais posts neste Blog sobre Candido Portinari:

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Relato de viagem II - os museus

Uma das salas do Museu Histórico Nacional
Uma das inúmeras praças da cidade


Dizem que Montevideu é uma das capitais latino-americanas com maior qualidade de vida. Eu atesto que deve ser! Há muitas praças e parques públicos por aqui, além das Ramblas que rodeiam o mar por kilômetros e kilômetros em torno da cidade, onde se pode caminhar, andar de bicicleta e até pescar. Há dezenas de bancos de praças, onde as pessoas podem se sentar. E por onde se passa, há obras de arte nas ruas, esculturas e monumentos que lembram aos uruguaios o tempo todo qual é a sua história.


Para uma capital tão pequena (dentro dos nossos padrões brasileiros), cuja população chega em torno de um milhão e 300 mil pessoas, há uma verdadeira rede de museus: eu contei 42 numa lista que peguei numa tenda informações turísticas! Vou repetir: Montevideu tem 42 museus! Ou mais, se contarmos todas as casas de cultura! Vamos comparar com São Paulo, a maior cidade da América do Sul e das maiores do mundo? Lá temos a Pinacoteca do Estado, o Museu de Arte de São Paulo, o Museu da Escultura Brasileira, o Museu da Imagem e do Som, o Museu de Arte Contemporânea, o Museu de Arte Moderna… Alguém saberia me dizer que museu a mais tem em São Paulo?


Cópia da estátua "Davi" de Michelangelo,
em frente à prefeitura de Montevideu
Por aqui em Montevideu, só em três museus - o Museo de Bellas Artes Juan Manuel Blanes, o Museo de Historia del Arte e o Museo Nacional de Artes Visuais - são mais de 15 mil pinturas e esculturas, além de uma grande coleção de objetos de origem pre-colombiana e de arqueologia do Uruguay. Soube que o Uruguay possui um dos maiores índices de pessoas alfabetizadas do mundo latinoamericano! Além do que, o seu IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) também é dos mais altos, e aqui é uma das cidades menos violentas. Tudo isso deve significar algo: um povo com acesso à Educação e à Cultura do seu país só pode ser mesmo um povo mais civilizado...


Comecei a visita pelo Museu Histórico Nacional, localizado aqui na Ciudad Vieja, assim como diversos outros. O prédio, bem grande, foi uma antiga residência de um dos generais das guerras do século XIX. São dois andares com muitas pinturas - cenas históricas e retratos de personagens que fizeram a história deste país, em especial de José Artigas, um dos heróis nacionais que lutaram pela independência do país. Bem no centro da Plaza Independencia, onde fica o prédio da Presidência da República, há uma enorme estátua do general Artigas.


Museu Histórico
No museu histórico além das pinturas históricas, há dezenas de objetos, mobiliários, armas e documentos que mostram um pouco da história deste país. Dá para ficar umas três horas, lendo e apreciando esse imenso acervo.


Quando se caminha pelas ruas da Ciudad Vieja é muito comum se deparar com galerias de arte, contendo pinturas para todos os gostos. Todos mesmo, de pinturas abstratas a figurativas, como deve acontecer quando de fato a democracia atinge também as artes.


A arquitetura da cidade, em especial da parte mais antiga que é a Ciudad Vieja, lembra muitos os prédios europeus, em especial os de Madrid. Mas há uma mistura bem latino-americana de estilos e logo se vê que estamos na América do Sul. No bairro de Pocitos, pelo contrário, logo percebemos que estamos na contemporaneidade com seus prédios de concreto e muitos vidros nas fachadas. Mas a vista é para o grande Rio da Plata e seus kilômetros e kilômetros de praias, formadas pelas misturas das águas do oceano Atlântico, dos rios Paraguay, Uruguay e Paraná.

Varridos todo o tempo pelo famoso e gelado Vento Sul...
As águas do Rio de la Plata açoitadas pelo vento sul




Monumento a José Artigas, em frente ao prédio da Presidência da República
"O general Artigas ditando uma carta", óleo sobre tela, Museu Histórico - autor anônimo
Moradores da cidade pescando em uma das Ramblas da cidade

terça-feira, 6 de maio de 2014

Relato de viagem I - no Teatro Solís

Teatro Solís, de Montevideu, Uruguay
As colunas do Teatro Solís com seus capiteis de modelo coríntio são apenas algumas das milhões de colunas de estilo clássico que enfeitam as arquiteturas de prédios ao redor do mundo, dizendo que todos nós ocidentais temos um mesmo berço cultural: o mundo clássico de Grécia e Roma. Estas daqui de Montevideu sustentam a fachada deste belo teatro inaugurado em agosto de 1856, no mesmo ano em que Gustave Flaubert lançava em Paris seu romance “Madame Bovary” que escandalizou a sociedade da época.


John Maxwell Coetzee apresenta os primeiros
5 livros de sua lista para a editora argentina
Cheguei aqui às 18h para aguardar na fila o momento de entrar no teatro e ver de perto o escritor sul-africano John Maxwell Coetzee, ganhador do Nobel de Literatura em 2003. Ele iria falar sobre sua escolha pessoal para 12 livros que estão sendo publicados na Argentina, pela editora El Hilo Ariadna. De vez em quando algumas editoras ao redor do mundo pedem a algum escritor conhecido que proponha títulos de livros que possam formar a biblioteca pessoal das pessoas. Isso aconteceu com Jorge Luis Borges, cuja escolha foi de 100 livros, mas publicados apenas 70 por causa de sua morte. Assim foi com T.S. Elliot também, cuja indicação fez com que muitas famílias montassem suas bibliotecas pessoais a partir das sugestões dele.


A plateia que veio ouvir John M. Coetzee
Provavelmente a nata da intelectualidade uruguaia estava ali, assim como acadêmicos, professores de literatura, estudiosos, estudantes, e outros leitores de Coetzee. Não tinha estrangeiros lá, além de mim, eu acho. Depois de uma hora na fila, que encheu rapidamente, subimos para a sala de conferências do teatro. Mas tinha três vezes mais pessoas na rua, dos que as que subiram. A sala era pequena. A prefeita de Montevideo, Ana Olivera, sugeriu que todos levantássemos e fôssemos para a sala de espetáculos do teatro Solís, para que todos os que estavam lá fora também pudessem entrar e ouvir ao escritor sul-africano.


Uma hora de atraso, mas todos puderam entrar. Sala lotada, a embaixadora sul-africana fez a apresentação de Coetzee para todos. A prefeita entregou uma medalha de visitante ilustre a ele. O ministro da Educação e Cultura também lhe entregou uma medalha. Ana Olivera saudou rapidamente todos os presentes e disse que também estava sentado na plateia o ministro das Relações Exteriores. Que sentado ficou até o fim no mesmo lugar. Pensei: quanta diferença dos nossos políticos brasileiros que não perdem uma chance de aparecer num momento como esses! Lá, Coetzee logo se veria fotografado ao lado de candidatos nas próximas eleições. Aqui, ninguém falou mais do que poucas frases e todos saíram do palco. Somente ficou o conferencista, a única estrela da noite. Fiquei pensando: será que don Pepe (José Mujica) não estaria por ali também escondidinho no meio da plateia do teatro?


John Maxwell Coetzee falou durante uns 50 minutos a respeito da escolha pessoal que fez dos 12 livros que a editora argentina começou a publicar. E disse que se sentia feliz por estes livros estarem sendo publicados pela primeira vez em lingua espanhola. Uma de suas indicações é justamente o “Madame Bovary” de Gustave Flaubert. Uma outra é o livro “O Ajudante” do escritor suiço Robert Walser, que morreu louco em 1956. Este eu não conhecia, nunca ouvi falar. Vou procurar algum livro dele. Me interessou por causa de sua história e por saber que ele tinha um irmão pintor, Karl Walser. Robert tentou viver fora da Suiça, mas teve que voltar para lá, vivendo anos num manicômio. Coetzee disse que a Suiça é aquele lugar da Europa em que nada de muito grande acontece nunca, nenhuma pessoa em 600 anos se destacou por ter feito ou criado algo grande. Walser talvez fugia do destino de sua terra; mas a ela teve que voltar porque a Suiça não saia de dentro dele, como observou Coetzee.

Após a conferência, muitos saíram antes de se iniciarem as perguntas dos presentes. Incluindo eu, que estava muito cansada, após um dia inteiro caminhando pela cidade. Hospedada a duas quadras do teatro cujo nome deve homenagear o Sol que já tinha se escondido há horas, vi que as pessoas já começavam a encher bares e restaurantes, como em qualquer noite de qualquer canto...