terça-feira, 27 de novembro de 2012

“A arte vive um momento deplorável”

Fernando Botero
No começo desta semana, o jornal Folha de São Paulo trouxe uma matéria com o artista plástico colombiano Fernando Botero. Longe, bem longe de textos críticos profundos e densos, a matéria ressalta todo o tempo que os personagens pintados por Botero são gordinhos, numa simplificação que bem representa o estilo editorial desse jornal.

Mas valeu pela entrevista, ou melhor, pelo que Fernando Botero disse na entrevista. Em primeiro lugar, quando o jornalista lhe pergunta por que ele só pinta “personagens gordos”, a resposta do artista veio da profundidade de seu pensamento sobre sua pintura, em contraponto às banalidades perguntadas a ele. Explicou que o que lhe interessa pintar é o volume dos corpos, pela sensualidade dessas formas arredondadas e explicou ao jornalista que não se trata só de uma escolha entre “pessoas magras ou gordas”. Cita o pintor italiano Giotto (1267-1337) que deu volume às formas da pintura praticada em seu tempo, que até então eram formas planas.

Como o jornalista não parava de perguntar sobre a “gordura” de seus "personagens", Botero continuou explicando a ele que um artista vê, muitas vezes, além do que outros enxergam. E contou de seu interesse pela arte pré-colombiana, apesar de sua formação europeia, mas que seu estilo nasceu a partir de suas convicções pessoais e pelo seu “respeito pela arte de formas clássicas”.

Mas a melhor parte da entrevista foi quando ele passou a analisar o estado da arte atual. E aqui reproduzo integralmente os comentários de Fernando Botero, que são muito importantes para ver que não existe - absolutamente - unanimidade sobre a arte praticada atualmente, a chamada "arte contemporânea". Apesar de ser hegemônica e fazer parte de uma certa tendência de origem neoliberal com vontade de impor um “pensamento único”, há os que apresentam outro julgamento.

Fala, Botero:

Folha - Suas influências mais marcantes são artistas clássicos, e o sr. já afirmou que a arte se desintegrou depois de Picasso. Como vê a arte hoje?
BOTERO - Digamos que o problema é uma falta de estrutura. Disseram tanto ao Picasso que ele era um gênio que ele começou a fazer quadros sem estrutura (grifo meu). No final de sua vida, sua obra era um caos total, com uma técnica deplorável. A verdade é que hoje a arte se baseia em ideias superficiais, artistas estão mais interessados em chocar do que em criar obras com qualquer senso de estrutura. Não é um momento glorioso na evolução das artes visuais. Acredito que a arte viva agora um momento deplorável.

Folha - É por isso que o sr. desistiu de patrocinar o tradicional prêmio a jovens artistas que levava seu nome na Colômbia?
BOTERO - Sei que essa foi uma decisão polêmica, mas o júri havia dado o prêmio máximo a um vídeo, que era talvez o primeiro que aquele artista havia feito na vida. Não gostei das obras, nada me interessou, então achei que já não valeria mais a pena patrocinar esse tipo de coisa. Vi que os jurados premiam coisas absurdas, como se morressem de medo do fim das vanguardas artísticas.

Folha - Como lida com seu sucesso comercial? Costuma acompanhar os resultados dos leilões?
BOTERO - Não gosto de leilões porque criaram um gueto para artistas latino-americanos. Gostaria de estar nos leilões com os artistas do resto do mundo, já que tenho obras espalhadas por todo o planeta. Arte é universal, não deve estar identificada por regiões. Ser classificado como latino é ocupar uma categoria inferior, e não me considero inferior a ninguém.

Dança na Colombia, 1980, óleo sobre tela, 188 x 231 cm
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MAIS:

Neste Blog: AS DORES DA COLOMBIA SEGUNDO BOTERO

Entrevista da Folha

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Nulle die sine linea

“Sabes que "poesia" é algo de múltiplo;
pois toda causa de qualquer coisa
passar do não-ser ao ser é “poesia”,
de modo que as confecções de todas as artes são “poesias”,
e todos os seus artesãos poetas.”
(O Banquete, Platão)

Estudo meu feito com pastel sobre
papel cartão, sobre obra de
Jan Vermeer, "Retrato de uma jovem
mulher", de 1665 (novembro, 2012)
Terminei mais um estudo baseado nas obras dos mestres da pintura. Fiz em pastel sobre papel cartão esta pintura ao lado, usando como referência o quadro de Jan Vermeer “Retrato de uma jovem mulher”. No ano passado já tinha feito, em óleo sobre tela, um estudo também sobre outra obra de Vermeer, “Moça com brinco de pérola”. No Atelier de Arte Realista de Maurício Takiguthi onde estudo atualmente, essa dedicação a conhecer o mais profundamente a técnica dos velhos mestres é parte da nossa formação e aprendizado.

Mas não é uma novidade em termos de método porque sabemos que grandes pintores alcançaram grandes alturas porque se lançaram à aventura de penetrar nas obras de arte realizadas por grandes artistas que os precederam. Pois assim é a nossa história humana: vamos evoluindo, vamos criando e recriando o mundo, mas sabemos que atrás de nós há gerações e gerações de grandes seres humanos que continuam nos inspirando e mesmo iluminando nossos caminhos como verdadeiros faróis. O grande Isaac Newton (1643-1727), cientista e filósofo, disse certa vez que se pôde enxergar mais longe é porque estava “sobre ombros de gigantes”, provavelmente se referindo a Galileu e Kepler, dois gigantes que vieram antes dele.

Pintura a óleo tendo como referência
a obra "Moça com brinco de pérola",
de Vermeer (outubro, 2011)
Isso é muito importante saber, qualquer que seja a área de nossa vida: não podemos esquecer que se aqui estamos e no ponto em que estamos, muito devemos aos que nos antecederam. Muito temos o que aprender com o passado para poder construir o futuro que queremos.

Nas escolas de artes atuais, em sua maioria, infelizmente, o estudo dos mestres se reduz a saber de sua biografia, dos movimentos de que participavam, em que “ismo” se encaixava sua arte. A tradição parece ser uma palavra que engasga na boca dos que ensinam arte em escolas e faculdades. Pelo contrário, os novos “ensinadores de arte” parecem gostar de repetir que o aluno deve “se soltar” (o que isso significa?), deve esquecer qualquer tentativa de querer desenhar baseado na realidade, e, o que é pior, não recomendam mais o desenho, o exercício, o estudo com linhas e massas. “Soltem-se”, entoam eles em coro...

Há alguns dias atrás assistimos, no Atelier, ao filme “Jiro: dreams of sushi” sobre um mestre artesão de sushi, considerado hoje um dos melhores do mundo. Mas onde sushi tem a ver com pintura e desenho? Recomendo que se veja o filme para se buscar compreender melhor que, na verdade, sushi e pintura tem muitos pontos em comum, no sentido de que o trabalho de alguém está por trás disso.

"Baile de máscaras", pastel sobre papel cartão, 2011
Na verdade, desde a tradição grega sabemos o quanto a genialidade de um ser humano não é dom divino. “Nulle die sine linea” (nenhum dia sem uma linha) estava escrito na porta de entrada do atelier do pintor grego Apeles, que viveu no século V a.C., que não deixava passar um só dia sem que se exercitasse em sua arte. Todos os grandes artistas, de Da Vinci a Michelangelo, de Vermeer a Velázquez, de Bach a Beethoven, de Delacroix a Picasso, todos, sem exceção, dedicavam horas diárias de suas vidas à sua arte e, se se tornaram os gênios que foram, essa genialidade foi desfraldada após muito exercício, muita aplicação, muito estudo.

Minha experiência pessoal nestes últimos anos tem me mostrado que venho aprendendo muito mais do que desenhar e pintar! Porque desenhar e pintar são duas atividades humanas que exigem um redesenho interno da alma, no sentido de que há uma integração entre o que eu sou como pessoa e o resultado do meu trabalho. Cada avanço que faço, cada sutileza de cor que meus olhos agora vêem (antes não viam), cada conceito apreendido (mais do que aprendido) além de trazer uma felicidade nova me mostra o que há mais além, mais a conquistar, mais a aprender, mais a ser. Me mostra também que cada traço desenhado, cada toque novo do pincel é um instante que ganho diante do tempo que foge.

"Retrato de Jeosafá",
Mazé Leite, 2012
Num certa cena do filme, Jiro, o velho mestre de sushi, fala: “Vou continuar a subir, tentar alcançar o topo, porém ninguém sabe onde o  topo está!” Essa busca da excelência na arte, essa caminhada em direção ao Real mais profundo, onde vamos colhendo camadas de percepção dele que fogem à percepção comum, é fugidia, exige dedicação, empenho, perseverança, paciência, trabalho... Porque o “topo”, que está lá mais à frente, parece se mover, e isso enriquece ainda mais essa busca. Porque nessa dedicação ao estudo da arte, quanto mais aprendemos, mais vemos que podemos mais, que há mais a ser descoberto e que, no final das contas, nos deparamos mesmo é com a inesgotabilidade do Real! Isso, por si só, é objeto do mais puro fascínio para quem pratica o estudo de arte, seja desenho, pintura, escultura, teatro, literatura, dança, música...

Infelizmente isso tudo é muito longe do que é ensinado nas escolas! Nesse mundo de correria, ensina-se que as coisas devem ser feitas de forma rápida, mesmo com qualidade mediana. Nos acostumamos a viver com o mediano como se isso fosse normal! Infelizmente o que se ensina é que a genialidade é um dom de Deus, que se nasce gênio. Um tipo de pensamento que subestima a capacidade do ser humano de buscar com seu trabalho a sua própria perfeição. Mas não perfeição no sentido místico, moralista em certo sentido. Perfeição no sentido de alcançar mesmo que seja a simplicidade da forma, como podemos ver na escultura de Alberto Giacometti, por exemplo. Mesmo que seja para não pintar o Belo, porque o Feio também faz parte do nosso mundo...

Alguém já disse que o estilo pessoal é a expressão da alma do artista. Mas eu pergunto, como alcançar essa expressão de alma sem estudo, sem busca, sem prática? Isso me faz lembrar de Michelangelo. Um dia ele teria dito que quando olha para uma pedra ele já sabe que partes dela precisa retirar para que se mostre a figura que ele quer. É isso aí, é preciso lapidar o diamante para que ele brilhe!

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Abaixo, alguns dos meus exercícios:

Estudos em pastel sobre obras de antigos mestres  (Mazé Leite, 2012)
Estudos em pastel sobre obras de antigos mestres.
À esquerda, pintura baseada numa natureza morta de Gustave Courbet (Mazé Leite, 2012)
Estudos em pastel. À esquerda, baseado em fotografia. À direita, sobre obra de um mestre  (Mazé Leite, 2012)
À esquerda, desenho gestual baseado numa pintura de Velázquez.
À direita, uma xilogravura de 1989 
(Mazé Leite)

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Gustav Klimt, um pintor do seu tempo

Detalhe de "O Beijo" de Gustav Klimt, pintada em 1905
Neste ano de 2012 completam-se 150 anos do nascimento do pintor austríaco Gustav Klimt, um dos mais importantes nomes da arte moderna do começo do século XX. Uma de suas mais célebres obras é a pintura “O Beijo”, de 1908.

Gustav Klimt
Filho de ourives, Klimt usou ouro para envolver as figuras de suas telas, que levam hoje 6 mil pessoas todos os dias ao Museu Belvedere em Viena, Áustria. Este museu recebe anualmente a visita de 2 milhões de pessoas. Desde o dia 13 de julho, o museu - dono da maior coleção de obras de Klimt - está apresentando uma exposição com 23 de suas pinturas, incluindo “O Beijo”.

Mas em outras cidades do mundo, mais exposições estão na programação de museus e galerias. Em Nova York, a Neue Galeria abriu uma mostra com desenhos, pinturas e fotografias de Gustav Klimt. Entre essas obras, o “Retrato de Adele Bloch-Bauer I”, de 1907, que ele decorou ricamente com ouro. Também desde 16 de maio deste ano o Museu de Viena faz uma mostra das obras do início de sua carreira em 1880, até sua morte em 1918. Outros dois museus de Viena também apresentaram mostras.

Retrato de Madame Heymann,
de 1894, Gustav Klimt
Gustav Klimt nasceu no dia 14 de julho de 1862 em Baumgarten, na periferia de Viena, Áustria. Era o segundo entre os sete filhos de Ernest Klimt, que exercia a modesta profissão de ourives. Sua mãe, Anna Finster, era cantora lírica. Contam seus biógrafos que, desde muito pequeno, Gustav Klimt demonstrava interesse pelas artes e por decoração. Em 1876, ele entrou na Escola de Artes Decorativas de Viena, onde aprendeu as primeiras lições de pintura.

Em 1880, com 18 anos de idade, ele e seu irmão Ernst e mais um amigo, Frantz Matsch, criaram um atelier de pintura decorativa. Rapidamente seu trabalho prosperou e começaram a receber numerosas encomendas para decorar paredes e tetos de casas, assim como teatros e outros edifícios públicos. Em 1890, apenas dois anos depois, Gustav Klimt já era famoso por sua pintura e executava obras que eram encomendadas pelo governo austríaco.

Judith, de Gustav Klimt
Mas, internamente, Klimt se sentia atraído por uma arte mais livre do que as que executava por encomenda. Nesse período ele namorava uma moça que tinha uma casa de costura, Emilie Flöge, e tinha se aproximado dos escritores Arthur Schniltzer, Hofmaansthal e Hermann Bahr, bastante interessado no simbolismo e no impressionismo francês. Em 1895, após uma exposição em Viena, ele descobre a pintura do alemão Max Liebermann, assim como Félicien Rops, Klinger e Auguste Rodin, o escultor francês.

Com alguns amigos, ele funda, em 1897, o jornal “Ver Sacrum”, com a intenção de criar um instrumento consagrado à arte. No mesmo ano, ele participa da fundação da União dos Artistas Figurativos, denominada de “Secessão”, com dezenove outros artistas vienenses. Ele foi o presidente dessa associação que tinha por objetivo interferir na vida artística da época, além de produzir obras de arte que levassem a arte austríaca ao reconhecimento internacional que ela merecia. Tratava-se também, para aqueles artistas, de diminuir a distância entre a arte e as artes ditas menores, de aproximar objetos utilitários dos objetos de arte, e de transformar o mundo por meio da arte. A arte, para eles, deveria despertar a consciência, de forma diferente do que vinha sendo praticado pela arte acadêmica. O jornal “Ver Sacrum” era o porta-voz dessa vontade de mudar o mundo.

Enquanto isso, o arquiteto e também pintor Joseph Marie Olbrich construía um espaço dedicado às artes, como desejavam Klimt e seus amigos da “Secessão”: um lugar para permitir aos jovens artistas figurativos um lugar permanente de exposição para suas obras.

Pallas Athena, Gustav Klimt, 1898
Em 1898 Gustav Klimt pintou a obra “Pallas Athena” que marca o início do seu afastamento da chamada arte oficial. Sob uma forma irônica, ele reinterpreta a representação tradicional da deusa grega, apresentando-a com traços de “femme fatale”, sensual e moderna. Essa pintura foi usada como ilustração para o cartaz da primeira exposição da “Secessão” em 1898.

Durante o ano de 1900, após a sétima exposição do seu grupo, Klimt apresenta a tela “A Filosofia”, a primeira de três que foram encomendadas para ilustrar o teto abobadado onde acontecia a Aula Magna da Universidade de Viena. Esta pintura foi destruída pelos nazistas em 1945. Os outros dois eram “A Medicina” e “A Jurisprudência”. Ele escolheu pintar a filosofia sob a forma de uma esfinge, com contornos fluidos, a cabeça perdida nas estrelas enquanto em torno dela se desenrolavam todos os ciclos da vida, do nascimento à velhice, passando pelos tormentos do amor. Essa tela sofreu duras críticas das autoridades universitárias que esperavam uma representação clássica do tema. Consideraram essa obra uma provocação, apelo à libertinagem e um atentado aos bons costumes. A crítica foi violenta também por parte da imprensa (sempre a velha mídia...) que acusou Klimt de querer perverter a juventude. Alguns questionaram sua sanidade mental ao avaliarem o erotismo de suas pinturas. Os críticos dos jornais atacavam até o fato de Klimt sofrer de depressão.

Filosofia, Gustav Klimt
Mas ele não se deixou influenciar pelos críticos e defensores do conservadorismo. Em suas outras duas pinturas seguintes, “A Medicina” e “A Jurisprudência”, continuou pintando como gostaria e o resultado foi que as críticas se ampliaram ainda mais. “A Medicina” foi representada por uma moça sensual, como em outros quadros, ao lado de representações sobre o sofrimento e a morte. “A Jurisprudência” é representada por um criminoso preso a seus instintos enquanto que a Justiça encontra-se fixa e impassível enquadrada numa espécie de mosaico de inspiração bizantina. Suas pinturas obviamente não foram aceitas para decorar a sala das Aulas Magnas da universidade...

Em 1902, após a décima quarta exposição da “Secessão”, consagrada à música de Beethoven, Klimt apresenta um afresco dividido em sete paineis representando a Nona Sinfonia, destinada a decorar um monumento em memória do compositor, que foi concebido pelo arquiteto Josef Hoffmann. Essa obra foi incentivada por um outro músico, Gustav Mahler, e ela representava a aspiração à felicidade por parte da humanidade sofredora que busca apaziguar seu sofrimento através da arte. Mais uma vez, Gustav Klimt sofreu duras críticas, bastante violentas, em nome da moral.

Jurisprudência, de Gustav Klimt
Os anos 1902-1903 foi um período de intensa produção criativa de Gustav Klimt. Ele inicia o uso do ouro em suas obras com as pinturas “Serpentes de Água” e “Retrato de Adele Bloch-Bauer”, além de “Danaé”.

Em 1904, um rico banqueiro, Adolphe Stoclet, encomenda a ele um mural feito em mosaicos para a sala de refeições de um luxuoso palácio que ele iria construir em Bruxelas, na Bélgica. Mais uma vez ele mostra a riqueza decorativa de suas obras, com “A Espera” e “O Cumprimento”.

O famoso quadro “O Beijo”, sua obra mais conhecida e que continua sendo reproduzida sob diversos materiais decorativos em todo o mundo, foi pintado em 1905. Após 1908 ele abandona o grupo “Secessão”, acompanhado de vários amigos. Para ele, essa associação de artistas já tinha cumprido seu papel e corria o perigo de “se esclerosar”. A partir daí ele se consagra à pintura de paisagens ou de cenas alegóricas, cada vez mais estilizadas e com cores cada vez mais vivas.

Medicina, Gustav Klimt
Também passa a pintar retratos e realiza retratos de mulheres de grandes dimensões com composições ricamente decoradas, para atender a uma clientela rica e burguesa que lhe enchiam de encomendas. Pinta numerosas cenas com mulheres nuas e em poses eróticas.

Em 1910, Klimt participa da Bienal de Venesa, onde ele obtém muito sucesso. Passou a ser conhecido como o representante na pintura da intelligentsia austríaca e como inventor da arte decorativa.

Ele morreu em 1918, após um ataque cardíaco, deixando diversas obras inacabadas.

Pintor denegrido por mais de dez anos em sua terra, seu trabalho foi, no entanto, a expressão de um período histórico de mudanças que aconteciam pelo mundo e por isso ele é uma referência na história da pintura. Gustav Klimt é o exemplo e a expressão de um pintor de seu tempo, corajoso, ativo, altamente criativo e que participou ativamente das profundas transformações pelas quais o mundo passaria a partir do começo do século XX, em todos os ramos da vida humana, incluindo as artes.
O Beijo, de Gustav Klimt

Danaé, de Gustav Klimt
A Música, de Gustav Klimt

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A poesia solar de Maiakovski

Nesta última quarta-feira, 7 de novembro, na Livraria Arlequim, centro do Rio, foi lançado o livro “Vladimir Ilitch Lenin”, poema de Vladimir Maiakovski, com a presença de cerca de quarenta pessoas, entre intelectuais, artistas e amantes da literatura do poeta russo.
Paço Imperial, Rio de Janeiro

A Livraria Arlequim ocupa uma sala do famoso Paço Imperial, uma construção do final do século XVII, mais exatamente 1699. O prédio por onde passou a comitiva de Dom João VI, quando de sua vinda de Portugal para o Brasil, hoje recebe diversas exposições temporárias de artes visuais, além de ter a sua própria exposição permanente.

Dentro desse espaço, reuniram-se Zoia Prestes, Adalberto Monteiro, Alexei Bueno, Maria Prestes (viúva do líder comunista Luís Carlos Prestes), eu e umas quatro dezenas de pessoas para falar de poesia e de arte.

Adalberto, responsável pela edição do livro que saiu pela Editora Anita Garibaldi, com o apoio da Fundação Mauricio Grabois, fez uma apresentação do livro, ressaltando o fato de ser a primeira tradução em língua portuguesa do poema “Vladimir Ilitch Lenin” em sua totalidade. Disse ainda que esse poema ressoa, nos dias de hoje, as ideias futuristas de Maiakovski, um poeta que olhava para o porvir. Dedicando o poema ao líder da revolução russa de 1917, Lenin, Maiakovski “não endeusa, não faz culto à personalidade de Lenin, mas, pelo contrário, mostra um homem comum, ‘a pessoa mais terrestre’, que soube liderar um movimento que trouxe mudanças muito profundas, não só para a Rússia, mas para o mundo todo”, disse Adalberto Monteiro.
Zoia Prestes autografa o livro

Zoia Prestes, a responsável pela tradução direta do russo para a língua portuguesa, disse que essa tarefa dificílima de traduzir um poema de Maiakovski, apesar de complexa, trouxe-lhe também bastante satisfação pessoal, por causa de sua história com esse poeta. Ela viveu em Moscou entre 1970 e 1985, e em sua fase escolar participou de concursos de declamação de poesia e lembra que os livros de Maiakovski eram parte do currículo escolar da União Soviética. Em um desses concursos, ganhou como prêmio um exemplar desse poema em russo, que ela guarda até hoje. Na tradução do poema, Zoia Prestes diz que resolveu priorizar o significado das palavras, mantendo a mesma disposição formal escolhida pelo poeta russo, com versos escalonados. E completou dizendo que o fato de ter vivido tanto tempo na Rússia, onde recebeu educação escolar e superior, traz consigo esse amor à cultura russa e ao povo russo, o que também foi um importante componente no momento de traduzir este poema.

Lançamento no Rio de Janeiro
Alexei Bueno, poeta, editor e crítico literário, também expôs suas opiniões sobre o livro. Profundo conhecedor de poesia, disse que a de Maiakovski reflete a riqueza cultural do povo russo, que também gerou os gênios do cinema, Sergei Einseinstein, Andrei Tarkovski, entre outros. Os artistas russos, ressaltou Bueno, foram e são ainda referências para os artistas de hoje em todo o mundo. Ele elogiou a iniciativa da tradução desse poema em língua portuguesa e todo o esforço da equipe responsável pela execução dessa obra.

Mazé Leite, a artista responsável pelo projeto gráfico e pelas ilustrações, fez uma breve explanação sobre seu trabalho. Ressaltou que se inspirou nos artistas da vanguarda russa, citando alguns nomes como Natalia Gontcharova, Vladimir Tatlin, Kasimir Malievitch e Alexandr Rodtchenko. Explicou que a ideia para uma capa com tons quentes e vibrantes ela foi buscar na imagem do Sol, um tema bastante recorrente na obra de Maiakovski. Além do poema em si, disse ela, porque apesar de ter sido escrito para lamentar a morte de Lenin, o poema na verdade é uma ode à vida.
Vladimir Maiakovski,
fotografado por Alexandr
Rodtchenko

Após essas primeiras intervenções, outras pessoas presentes também participaram do bate-papo, como Maria Prestes, que contou diversas histórias dos tempos em que ela com o marido, Luis Carlos Prestes, e nove filhos, se mudaram para Moscou, fugindo da ditadura militar no Brasil. Maria Prestes é a mãe de Zoia.

A noite encerrou com um coquetel e muita conversa sobre poesia e sobre arte.

O livro “Vladimir Ilitch Lenin”, de Maiakovski, já teve seu primeiro lançamento em São Paulo. O próximo encontro em torno do poema será no dia 21 de novembro, no Centro Cultural Vergueiro, às 19h30, na Sala de Debates.

domingo, 4 de novembro de 2012

Mário de Andrade - Cartas do Modernismo

Mário de Andrade

Mário de Andrade, por Portinari
Uma exposição no Rio de Janeiro estará encerrando as comemorações dos 90 anos da Semana de Arte Moderna, completados neste ano de 2012, com diversas cartas de Mário de Andrade, um dos principais teóricos e idealizadores da semana que marcou as artes e a cultura brasileira no século XX. De 13 de novembro a 6 de janeiro de 2013, o público carioca poderá apreciar esta exposição que terá como local o Centro Cultural dos Correios, no centro da cidade.
Mário de Andrade manteve uma correspondência bastante grande com os mais importantes intelectuais e artistas, entre poetas, músicos, escritores e pintores. Através dessas cartas ele vai delineando seu pensamento sobre o modernismo brasileiro, o tema central das cartas dessa exposição no Rio.

São correspondências trocadas entre Mário e Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Candido Portinari, Di Cavalcanti, Enrico Bianco, Cícero Dias e Victor Brecheret. 

Mário de Andrade,
por Lasar Segall
Mas o outro tema da exposição de cartas são as Artes Plásticas, mostrando como Mário trocou ideias sobre o assunto com Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Henriqueta Lisboa. Mário de Andrade viveu um pouco de tempo no Rio de Janeiro e aprofundou sua amizade com Candido Portinari, como pode ser também observado através das cartas trocadas entre os dois amigos, que hoje pertencem ao acervo do Projeto Portinari.

Mário de Andrade possuiu uma boa coleção de obras de arte, seja porque ele comprou, seja porque tenha ganhado de presente muitas delas. O Instituto de Estudos Brasileiros da USP é que mantém a guarda de parte desse acervo e cedeu algumas dessas obras para a exposição. 

Entre elas estão "As Margaridas de Mário" de Anita Malfatti , "Mulher" de Di Cavalcanti, desenhos e aquarelas de Cícero Dias, Ismael Nery, Portinari, Segall, Zina Aita e Augusto Rodrigues. Também lá estão os três retratos do escritor feitos por Portinari, Lasar Segall e Enrico Bianco. De outras coleções, estão: "Chinesa" de Anita Malfatti e "Menina do Circo" de Di Cavalcanti.


Por causa da fragilidade dos papeis, a maioria das cartas serão apresentadas em fac-símile, e uma parte delas, para melhor compreensão, foi transcrita e impressa.

Carta-desenho de Anita Malfatti a Mário de Andrade
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Biografia suscinta:
Mário,
por Tarsila do Amaral
Mário Raul de Morais Andrade nasceu em São Paulo no dia 9 de outubro de 1893 e aqui faleceu no dia 25 de fevereiro de 1945. Foi poeta, romancista, historiador, crítico de arte, musicólogo e um dos principais teóricos do movimento modernista brasileiro do século XX.
Em 1922 lançou aquele que seria o ato inicial da poesia moderna brasileira: seu livro Pauliceia Desvairada. Estudou a cultura brasileira a fundo, desde a musicalidade dos nossos índios até o nosso folclore, trazendo à tona os valores culturais do nosso povo, num momento em que a burguesia brasileira conservadora e colonialista, se voltava para a cultura europeia.
Mário foi uma das figuras centrais dos movimentos de vanguarda em São Paulo, que influenciou todo o Brasil. Um dos líderes principais da Semana de Arte Moderna de 1922, ele continuou sua pesquisa sobre o modernismo e a cultura brasileira durante toda a sua vida. Foi poeta, escritor e ensaísta, mas também professor de música e colunista de jornal. Em 1928, resumiu sua pesquisa na cultura do povo brasileiro mais profunda no livro Macunaíma. Nos últimos anos de sua vida foi diretor do Departamento Municipal de Cultura da cidade de São Paulo.
Em homenagem a este grande intelectual, poeta e escritor brasileiro, reproduzimos abaixo um dos seus grandes poemas do livro Pauliceia Desvairada, Ode ao Burguês, que foi lido em um dos dias da Semana de 1922:
Ode ao burguês

Eu insulto o burguês! O burguês-níquel
o burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! O homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! Os condes Joões! Os duques zurros!
Que vivem dentro de muros sem pulos,
e gemem sangue de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os "Printemps" com as unhas!
Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o êxtase fará sempre Sol!
Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
Ao burguês-cinema! Ao burguês-tiburi!
Padaria Suíssa! Morte viva ao Adriano!
"— Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
— Um colar... — Conto e quinhentos!!!
Más nós morremos de fome!"
Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! Oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante!
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!


Fora! Fu! Fora o bom burguês!...
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Serviço: 
Exposição: "Mário de Andrade - Cartas do Modernismo"
Abertura: 13 de novembro, às 19h
Visitação: 14 de novembro a 6 de janeiro de 2013
Local: Centro Cultural Correios
Rua Visconde de Itaboraí, 20 - Centro
Rio de Janeiro

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Vanitas: a vida é passageira e o tempo urge

Vanitas, de Jacob de Gheyn, 1603

“Nesta cova em que estás, com palmos medida
é a conta menor que tiraste em vida.
É de bom tamanho, nem largo e nem fundo
é a parte que te cabe deste latifúndio”.
(Chico Buarque)





O tema da morte, representada por uma caveira, surgiu muito cedo na arte europeia da história mais recente, por volta do século XIII. Conhecida como VANITAS, era uma categoria especial de arte que sugeria que a existência terrestre é vazia, vã, cheia de sofrimento e que a vida humana não era tão importante, no fim das contas.

Este tema foi bastante popular na época da arte barroca, especialmente na Holanda. Diversos artistas, entre eles Holbein, trabalharam com este tema.

Essa denominação tem como origem o livro bíblico do Eclesiastes, do Velho Testamento, que diz em um certo trecho: “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade”. Traduzido como Vanitas, significa literalmente “sopro rápido, efêmero” e a mensagem que traz é a de que devemos meditar sobre a natureza passageira e vã do mundo e da vida humana, a inutilidade dos prazeres diante da morte que nos espia de perto.

 Vanitas, de Pieter van Steenwyck, séc. XVII
Esse tipo de pintura foi essencial para o surgimento da natureza-morta como gênero. Desde a época clássica de Grécia e Roma, por mais de mil anos o tema da representação pictórica de elementos como frutas, verduras, utensílios variados, etc, tinham sumido da pintura. A arte do período bizantino não utilizava esse tema. Na Idade Média, esses objetos só figuravam na pintura (em um grupo de pessoas, ou alguma outra situação) porque tinham algum sentido. No caso de Vanitas, todos os objetos ali representados são símbolos da fragilidade humana, da brevidade da vida, do tempo que passa e da morte. Em meio a todos os objetos que representavam essas ideias, a caveira era a mais recorrente. Em qualquer situação, ela poderia estar presente: no saber, na ciência, na riqueza, nos prazeres, na beleza...

Vanitas denuncia a relatividade do conhecimento e a vaidade humana diante do tempo que foge, e da morte que se aproxima.

A primeira pintura da história da arte ocidental dentro do tema seria a do pintor Jacob de Gheyn, de 1603. No período do Renascimento, que enfatizava o humanismo, esse tema foi bastante utilizado nas artes em geral. Tinha um papel moralizante e utilizado pelos cristãos sob formas e intenções diversas ao norte e ao sul da Europa, tanto por católicos como por protestantes. 

Pintura de
Charles Allan Gilbert, 1892
Mesmo que ele tenha antecipado a natureza-morta, ela só aparece como gênero independente no século XVII. É bom lembrar que Caravaggio (1571-1610) foi um dos primeiros a trazer o tema da natureza-morta para a pintura de seu tempo, pelo que foi criticado por seus contemporâneos que o acusavam de pintar temas “parados”, segundo Roberto Longhi (leia mais aqui). Também pintou caveiras em alguns de seus quadros, como em "São jerônimo escrevendo".

Em seu livro Arte e Beleza na Estética Medieval, Umberto Eco diz que na Idade Média havia um esforço dos cristãos em deslocar a contemplação da natureza para a contemplação da beleza da alma, citando o exemplo dos monges cistercienses (São Bernardo era um deles) que contrapunham a beleza interior à exterior, uma celeste e a outra terrena. Segundo essa filosofia, a beleza terrena é fugaz, como a flor que dura uma primavera e o corpo humano que envelhece.

Foi o período, conhecido inclusive na literatura, do tema do UBI SUNT, tema maior da Idade Média, que se perguntava: onde estão os grandes do tempo passado, as cidades belas do passado, as riquezas dos orgulhosos, as obras dos poderosos? Tudo acaba.

Ilustração de
Johann Caspar Lavaters,
1775
 
Na França, o poeta-bandido François-Villon escreveu o poema "Balada das damas dos tempos de outrora" ("Ballade des dames du temps jadis"), onde, ao final de cada estrofe, ele perguntava repetidamente: "mais où sont les neiges d'antan?" (onde estão as neves de antanho?) 

Dentro dessa forma de pensar, o caminho era buscar a beleza interior que não morre, porque a alma seria eterna.

Muito se pintou e se escreveu sobre o tema da morte, na arte ocidental, em todos os países. Mas para não ir muito longe, recordemos um poema do brasileiro João Cabral de Melo Neto: "Morte e Vida Severina".

Podemos dizer que este poema é um tema de Vanitas adaptado à situação do nordestino que vive pouco, pois morre de pobreza ou na luta pela terra. Abaixo um trecho do poema, que depois foi adaptado para uma canção por Chico Buarque de Holanda, "Funeral de um Lavrador", citada no início deste post:

Morte e Vida Severina:
Desenho para o filme de animação feito pelo cartunista
Miguel Falcão, que adaptou a obra de João Cabral

“ENCONTRA DOIS HOMENS CARREGANDO   
UM DEFUNTO NUMA REDE,   
AOS GRITOS DE "Ó IRMÃOS DAS ALMAS!   
IRMÃOS DAS ALMAS! NÃO FUI EU   
QUEM MATEI NÃO!"   

   — A quem estais carregando,   
irmãos das almas,   
embrulhado nessa rede?   
dizei que eu saiba.   
— A um defunto de nada,   
irmão das almas,   
que há muitas horas viaja   
à sua morada.   
— E sabeis quem era ele,   
irmãos das almas,   
sabeis como ele se chama   
ou se chamava?   
— Severino Lavrador,   
irmão das almas,   
Severino Lavrador,   
mas já não lavra.   
— E de onde que o estais trazendo,   
irmãos das almas,   
onde foi que começou   
vossa jornada?   
—  Onde a caatinga é mais seca,   
irmão das almas,   
onde uma terra que não dá   
nem planta brava.   
— E foi morrida essa morte,   
irmãos das almas,   
essa foi morte morrida   
ou foi matada?   
— Até que não foi morrida,   
irmão das almas,   
esta foi morte matada,   
numa emboscada.   
—  E o que guardava a emboscada,   
irmão das almas   
e com que foi que o mataram,   
com faca ou bala?   
— Este foi morto de bala,   
irmão das almas,   
mas garantido é de bala,   
mais longe vara.   
— E quem foi que o emboscou,   
irmãos das almas,   
quem contra ele soltou   
essa ave-bala?   
— Ali é difícil dizer,   
irmão das almas,   
sempre há uma bala voando   
desocupada.   
— E o que havia ele feito   
irmãos das almas,   
e o que havia ele feito   
contra a tal pássara?   
— Ter um hectares de terra,   
irmão das almas,   
de pedra e areia lavada   
que cultivava.   
— Mas que roças que ele tinha,   
irmãos das almas   
que podia ele plantar   
na pedra avara?   
— Nos magros lábios de areia,   
irmão das almas,   
os intervalos das pedras,   
plantava palha.   
— E era grande sua lavoura,   
irmãos das almas,   
lavoura de muitas covas,   
tão cobiçada?   
— Tinha somente dez quadras,   
irmão das almas,   
todas nos ombros da serra,   
nenhuma várzea.

(...)"

E abaixo a pintura de Candido Portinari, Os retirantes, grandiosa expressão do tema da morte:


Os retirantes, de Candido Portinari